Os webinários da série “Conhecer para Entender”, promovidos pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), têm como objetivo provocar reflexões sobre o mundo a partir da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Sua segunda edição ocorreu no dia 14/4, com o tema “Biodiversidade, novos vírus amazônicos e desigualdade social”.

Na ocasião, os Acadêmicos Pedro Vasconcelos, médico e membro do Comitê de Emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS); Mercedes Bustamante, ecóloga e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); e Elisa Reis, socióloga e membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS), discutiram questões relacionadas ao desmatamento e o consequente aparecimento de novas zoonoses, à biodiversidade, à economia e à saúde.

Os vírus escondidos na Amazônia

Febre amarela, dengue, zika, chikungunya, oropouche, mayaro. O Acadêmico Pedro Vasconcelos, além de apresentar cada uma dessas doenças infecciosas, demonstrou que a pandemia do novo coronavírus está coexistindo com outras epidemias resistentes no Brasil há alguns anos. Como ex-diretor do Instituto Evandro Chagas, Vasconcelos conhece um enorme elenco de vírus, muitos distribuídos na Amazônia, e destacou a presença de alguns deles em casos recentes que marcaram a história da saúde pública brasileira.

“Desde 2001, já sabíamos que vários fatores estão associados à emergência e ao aparecimento de arbovírus (vírus transmitidos por artrópodes, como os mosquitos) na Amazônia, como a derrubada da floresta, o aumento da urbanização descontrolada, a construção de reservatórios e rodovias”, disse o médico no webinário da ABC, destacando que muitas epidemias que aconteceram no Brasil tinham relação com áreas recém-desmatadas. O Acadêmico também deixou clara a possibilidade de migração dessas epidemias para outras partes do mundo devido à globalização, como o que ocorreu em relação à COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Para o médico, as questões ligadas ao meio ambiente devem ser tratadas com o máximo cuidado, também em função das zoonoses, tanto as já conhecidas como outras que podem surgir e ameaçar a humanidade. “Existe uma possibilidade deste se tornar o século das zoonoses. Elas já ocorreram e continuam a ocorrer. Uma abordagem one health (do inglês “saúde única”, que prevê a integração do homem, dos animais e do meio ambiente) é necessária porque há um risco muito grande, a partir da invasão do homem nas florestas”, afirmou Vasconcelos.

A ecologia das zoonoses

Com um panorama histórico de pandemias que abalaram o mundo, desde  peste antonina, que atingiu o Império Romano em 166, até o novo coronavírus, a Acadêmica Mercedes Bustamante iniciou sua fala no webinário da ABC. Segundo ela, as zoonoses representam ameaças à economia e à saúde humana e ainda há muito a se descobrir sobre os agentes infecciosos já conhecidos pela a ciência e os que ainda estão ocultos pela natureza.

“O número de microrganismos estimados ultrapassa toda a biodiversidade terrestre. Há uma enorme caixa preta a ser desvendada, embora uma pequena parte desses seres possa afetar a população humana e causar doenças”, disse Bustamante. A ecóloga também afirmou que o desmatamento em regiões tropicais representa uma ameaça para a saúde mundial como focos emergentes de doenças zoonóticas por serem ricas em biodiversidade da vida selvagem e de microrganismos. O risco aumenta com as alterações do habitat e da comunidade de vetores, da distribuição das populações de animais selvagens e domésticos e maior contato humano com os animais.

O Brasil é composto, em grande parte, por regiões tropicais e, por consequência, tem uma alta biodiversidade. A Acadêmica apontou a manutenção da biodiversidade como uma das soluções para reduzir a prevalência de vírus causadores de doenças, como a dengue, a zika, a chikungunya, além de um cuidado maior com os sistemas de saúde. “Talvez a melhor forma de prevenção nesses casos fosse a estruturação de um sistema de saúde pública num sentido mais amplo, associado às condições de vida, e um sistema de monitoramento de epidemias. Esse é um investimento relativamente pequeno se considerarmos o que poderia ser evitado, por exemplo, hoje, no caso da COVID-19”, declarou.

As mudanças climáticas, a alteração das condições ambientais que levam a novas distribuições das populações pelo mundo, o uso do solo e a extração de recursos naturais, as dificuldades para a mudança da matriz energética, o desmatamento e a fiscalização ineficiente do país também foram temas tratados por Bustamante e que, segundo ela, interferem na propagação de novos vírus no Brasil e no mundo.

A falsa balança entre a vida e o mercado

A Acadêmica Elisa Reis, que é vice-presidente do do International Social Science Council (ISC), destacou os novos paradigmas vivenciados a partir da pandemia que nem a ficção nem a ciência poderiam ter antecipado. “Como é típico das situações de crise, as urgências e as incertezas se atropelam. É nesse cenário que o valor da ciência aparece com muita força. Vínhamos observando um descrédito da ciência pela opinião pública e, de repente, o conhecimento científico volta a ser muito importante”, disse a socióloga. Elisa também destacou um outro dilema relacionado à importância da saúde sobre a economia, que, para ela, é falso. “A atenção à vida e ao mercado devem ser simultâneas. Em crises passadas, em surtos epidêmicos ou problemas de mercado, as sociedades que preservaram vidas se recuperaram mais rapidamente”, afirmou.

O contexto da epidemia, para a socióloga, pode evidenciar limitações, como os problemas causados pela exclusão social e as questões ambientais. Ao lembrar do progresso que a humanidade experimentou durante as cinco últimas décadas, 1. Elisa destacou os riscos que tanto a desigualdade social crescente como as agressões ao meio ambiente acarretam para a sociedade. “Estamos caminhando, cada vez mais, para interferir sobre o real e avançar o progresso, mas ao mesmo tempo estamos nos aproximando de um precipício. As questões ambientais, assim como o déficit de solidariedade social são parte desse precipício”, disse.

A conclusão que se pode tirar dessa interação entre um médico, uma socióloga e uma ecóloga é que o nosso planeta é um sistema complexo, em que nada acontece de forma isolada: todas as existências – sejam animais, como nós, vegetais ou de microrganismos – estão entrelaçadas. E quando um elemento deste sistema é afetado, vai haver reflexos em outros. Ou seja, temos que entender a pandemia como um alerta vermelho. Interdisciplinaridade é o caminho para encontrar soluções.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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