A Academia Brasileira de Ciências (ABC) vem promovendo uma série de webinários com o tema “Conhecer para Entender: o mundo a partir do coronavírus”. A cada semana, três palestrantes, entre Acadêmicos e cientistas das mais diversas áreas, envolvidos com o fenômeno da pandemia, são convidados a compartilhar suas visões e conhecimentos sobre os impactos da COVID-19 sobre o mundo e sobre o Brasil. Com mediação de Luiz Davidovich, presidente da ABC, os encontros virtuais são realizados às terças-feiras, das 16 às 18h, e têm participação do público por meio de uma sessão de perguntas após as apresentações.

A primeira edição da série abordou aspectos econômicos, sociais e de saúde pós-pandemia. Foram convidados o médico Mauro Teixeira (UFMG), vice-presidente Regional da ABC para Minas Gerais & Centro-Oeste; o economista e Acadêmico Naercio Menezes (Insper) e o antropólogo Ruben Oliven (UFRGS), diretor da ABC.

O tempo da ciência não é o tempo da infecção

O Acadêmico Mauro Teixeira abriu a discussão comentando sobre os fatores de saúde pública relacionados à COVID-19 e suas características. Segundo ele, existem diversos tipos de coronavírus, mas o SARS-CoV-2, nome do vírus causador da pandemia, provoca pneumonia e, consequentemente, insuficiência respiratória. Este foi o fator que levou os sistemas públicos de saúde de vários países a desenvolverem novos protocolos de tratamentos para pacientes infectados pelo vírus e ao colapso destes sistemas pelo mundo.

A utilização de cloroquina e hidroxicloroquina também foi um dos temas abordados pelo Acadêmico. Para Teixeira, os estudos publicados em relação ao tratamento da COVID-19 com essas substâncias não são suficientes para comprovar sua real eficácia. “Existem vários estudos clínicos sendo divulgados, um deles mostra que se aumentamos a dose de cloroquina, há muitos efeitos colaterais sem a evidência real de melhora. Precisamos de ciência e de calma”, lembrou o Acadêmico. “O tempo da ciência não é o tempo da infeção. Temos que fazer as coisas de modo a não causar mais males além do efeito da infecção”, disse.

A preservação da vida humana deve ser o foco principal do enfrentamento da pandemia, segundo Teixeira. Ele explicou que o desenvolvimento de uma vacina é demorado e falha com muita frequência. E acrescentou, assertivamente: “Precisamos aumentar a capacidade de testagem no Brasil para saber onde há infecção e s´então liberar o isolamento social. Necessitamos de conhecimento para poder planejar de modo adequado”.

Recessão econômica e infâncias prejudicadas

O Acadêmico Naercio Menezes abordou o impacto causado pela crise social e econômica gerada pela pandemia. Para ele, a recessão econômica, o aumento do desemprego e da pobreza e o baixo desenvolvimento infantil seriam as principais consequências dessa nova realidade mundial.

“São vários choques que atingem a economia brasileira ao mesmo tempo. Os outros países, de onde vem nossas importações, como a China, estão parando”, afirmou. O necessário distanciamento social impede a continuidade da maioria das atividades de produção e milhares de empresas serão afetadas. Menezes prevê uma queda de vários pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) em todos os países, mas especialmente no Brasil.

“A crise social que se avizinha vai impactar, principalmente, o setor informal da sociedade, com um aumento da pobreza e da desigualdade no país. Temos que usar a estrutura de proteção social que foi desenvolvida nos últimos 30 anos no Brasil, a rede que envolve o Cadastro Único, o Bolsa Família, o SUS, a estratégia de Saúde da Família, que chega a quase todos os municípios brasileiros”, apontou o Acadêmico. “Precisamos ter muito cuidado com a população em situação de rua, uma parcela muito considerável que não tem como participar de programas de transferência de renda do governo”, destacou Menezes.

Outra questão importante tratada pelo Acadêmico referiu-se ao desenvolvimento infantil em meio às restrições geradas pela pandemia. Menezes explica que crianças de zero a seis anos vivem um período fundamental de desenvolvimento de atividades cognitivas e socioemocionais, uma janela de oportunidades que pode ser fechada pelas condições impostas pela crise. “O estresse tóxico de crianças que vivem toda essa realidade com os pais pode prejudicar todo o seu desenvolvimento futuro”, alertou.

Por uma sociedade civil organizada

As dificuldades impostas pelo novo coronavírus frente aos problemas sociais já existentes, causados pelo desinvestimento em saúde, ciência e educação, foram abordadas pelo Acadêmico Ruben Oliven. O cientista social traçou um panorama da crise gerada pelo novo coronavírus, que teria chegado ao Brasil por meio de pessoas já infectadas e com maior poder aquisitivo, como um efeito da globalização.

Ele fez uma crítica ao sistema econômico mundial, que desfavorece os mais vulneráveis na sociedade. “A economia pode ser regida pelo mercado, mas a sociedade não deve ser regida por ele. Se for assim, quem é que vai cuidar dos idosos, das pessoas que vivem com deficiências, das populações mais vulneráveis? Isso o mercado não consegue fazer. O Estado tem um papel fundamental aí”, afirmou Oliven.  Ele ressaltou que as epidemias foram reduzidas, na história da humanidade, nos locais e momentos em que houve melhoria nas condições de vida da população.

As consequências da pandemia também foram discutidas pelo cientista. Para ele, o Governo deve passar a ter um outro tipo de relação com a ciência e rever as condições de financiamento para a saúde e para a educação de modo a atingir todos os cidadãos. “No Brasil, temos pobres e miseráveis. Os miseráveis não são atendidos pelos programas do governo e é difícil chegar até eles, mas a pandemia chega. Isso evidencia uma parcela da população que é desassistida pelo Governo”, afirmou.

Por não haver ainda um tratamento específico para a doença, a expectativa pelo desenvolvimento de uma vacina e pelo aumento da capacidade do país em testar a população são grandes. Mas, no momento, a indicação de isolamento social é o único método eficaz para lidar com a pandemia, evitando que ela se alastre com demasiada rapidez a ponto de causar uma sobrecarga ao sistema de saúde.

Muitos dos efeitos da crise social gerada pela pandemia à humanidade ainda são desconhecidos, mas podem evidenciar problemas já existentes. “Teremos um mundo diferente no futuro, dependendo da profundidade da crise. No Brasil, ainda poderemos ver um aumento da pobreza e da desigualdade”, disse Naercio. “Epidemias e guerras trazem à tona o que há de melhor e pior nas pessoas. É provável que haja um aumento de solidariedade ou da desonestidade e da exploração”, alertou Oliven.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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