Leia artigo do Acadêmico Wanderley de Souza para o Monitor Mercantil, publicada em 16/4:

Há uma frase lapidar, atribuída a Derek Bok, ex-presidente da Universidade de Harvard, que expressa muito bem o valor do conhecimento, tão cultuada pela referida instituição: “Se você acha que Ciência e Educação são caros, experimente o custo da ignorância.”

Inicio este artigo inspirado por essas palavras para analisar o quadro da Ciência brasileira neste momento crítico que atravessamos, face à expansão da pandemia da Covid-19 no país. Há hoje um consenso de que atravessamos o período mais difícil para a Ciência brasileira nos últimos decênio.

Recentemente, tivemos um período promissor, onde foram investidos recursos significativos não apenas para organizar a infraestrutura científica brasileira, como para apoiar o desenvolvimento de projetos em áreas de fronteira. A comunidade científica apostou que iríamos entrar em um momento de grande crescimento na produção científica e, finalmente, criar as condições para contarmos com uma efetiva transferência de conhecimento do setor acadêmico para o setor produtivo. Há fortes evidências de que tivemos êxito.

No entanto, a partir de 2014 entramos em um processo de declínios sucessivos até chegarmos ao momento atual, que pode ser definido como “de terra arrasada”. Fiz um pequeno levantamento do êxodo de jovens pesquisadores no ambiente que convivo na UFRJ. Entre dez grupos de pesquisa consultados, houve uma perda, nos últimos três anos, de 34 jovens pesquisadores, número este superior ao dos que ficaram. Os jovens saíram desencantados e a maioria disposta a desenvolver suas carreiras em outros países. Foram para instituições de grande prestígio, como as universidades de Harvard, Yale, Stanford, Rockfeller, Califórnia San Francisco, Califórnia San Diego, Chicago, Texas, Oxford, NIH, Sorbonne, entre outras.

Chegamos agora a um momento crítico em que a infecção por um vírus com grande capacidade de disseminação e capaz de afetar de forma rápida e contundente nosso sistema respiratório exige mais do que nunca equipes bem consolidadas e contando com infraestrutura adequada para realização de estudos amplos em várias áreas do conhecimento.

O Sars-Cov-2 nos pegou em momento crítico. Muitos equipamentos mais sofisticados estão em situação precária, apesar de um programa mínimo de manutenção corretiva ter sido criado em outubro de 2017 na Finep, justamente com o objetivo de, em um momento difícil, tentar manter pelo menos o que existe. O programa recebeu, apropriadamente, o nome de SOS Equipamentos e investiu até março de 2019 cerca de R$ 10 milhões.

Pois não é que mesmo este programa se encontra paralisado desde abril de 2019, apesar de ter orçamento autorizado pelo Conselho Diretor do FNDCT, indicando uma clara falta de sensibilidade das autoridades ligadas ao MCTIC/Finep? O orçamento das agências de fomento do Governo Federal (CNPq, Capes e Finep) está perigosamente baixo, insuficiente até para manter respirando os grupos de pesquisa que ainda resistem. A maioria das agências estaduais também perdeu fôlego, acumulando dívidas de projetos aprovados ao longo dos últimos anos, da ordem de R$ 800 milhões.

Enquanto isto, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), hoje a principal fonte de recursos do governo federal para a Ciência e Tecnologia, continua com “uma poupança guardada”, fruto de processo, que me parece ilegal e inconstitucional, de R$ 7,7 bilhões, considerando apenas a famigerada “reserva de contingência” de 2019 e 2020 (no global, desde sua criação, este valor atinge R$ 18 bilhões).

Cabe assinalar que esses recursos não constituem receitas próprias do governo, mas contribuições obrigatórias do setor produtivo em vários setores, com o uso previsto exclusivamente para o apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Nas últimas semanas, tem sido crescente o apoio da sociedade à Ciência e Tecnologia, fonte única de saídas científicas para combater problemas crônicos e agudos do país e de alavancar, o mais rapidamente possível, uma recuperação econômica em um mundo globalizado dependente, de forma crescente, de avanços científicos e tecnológicos.

Esta posição está bem explicitada no artigo intitulado “E se fizéssemos diferente?”, de autoria de Luís Roberto Barroso, publicado em O Globo de 13 de abril último. Nesse artigo, o autor (professor da Faculdade de Direito da Uerj e ministro do Supremo Tribunal Federal) elenca seis pontos que considera prioritários para que o país renasça vigoroso no pós-crise, que esperamos se inicie rapidamente. Entre eles, destaca que “precisamos prestigiar e ampliar nossos institutos de pesquisa de excelência e valorizar os pesquisadores”, o que requer “a urgente necessidade de mais investimentos”. Sábias considerações.

O FNDCT dispõe hoje “guardado no Tesouro Nacional” recursos da ordem de R$ 18 bilhões. Somente no período 2019–2020 conta com recursos já aprovados pelo Congresso Nacional como “reserva de contingência” no valor de R$ 7,7 bilhões. Creio ser hoje um consenso nacional o fato de estamos atravessando um momento de gravíssima “contingência” e que pode e deve ser enfrentado com um vigoroso programa de apoio à Ciência e Tecnologia”.

Após conversas com algumas dezenas de líderes de pesquisa, tomo a liberdade de propor a imediata liberação de recursos da ordem de R$ 2,7 bilhões para que sejam viabilizados vários projetos já aprovados em todo o país pelo Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que inclui a Finep (R$ 800 milhões para os vários programas não reembolsáveis para instituições de pesquisa e empresas, via subvenção econômica), Capes (R$ 700 milhões para bolsas de pós-graduação, pós-doutorado e alguns programas de pesquisa, em especial os voltados para a região amazônica), CNPq (R$ 200 milhões para assegurar a manutenção dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia e os grupos apoiados pelo Edital Universal), Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa nos Estados – FAPs (R$ 800 milhões, que podem ser descentralizados via Finep para que regularize a situação de milhares de projetos interrompidos em todo o país) e Embrapii (R$ 200 milhões para apoio à interação entre centros de pesquisa e empresas).

Sugiro, ainda, disponibilizar R$ 1 bilhão de reais à Finep para apoio, via crédito com juro zero, a empresas que atuem em áreas estratégicas para o país, iniciando por um programa de fortalecimento do complexo industrial da saúde que vem acumulando déficits crescentes na balança de pagamentos.

A atual crise aponta claramente quão atrasados estamos na produção de máscaras, ventiladores, equipamentos mais sofisticados de tomografia, ressonância nuclear magnética, entre outros, optando sempre pela importação.

Que também surja uma Empresa Pública de Equipamentos Médicos, que possa trabalhar em íntima associação com o setor industrial brasileiro. Tudo isso é para já e custa menos que a reserva de contingência do FNDCT no orçamento de 2020, devendo ser visto sob a perspectiva não do orçamento fiscal, mas do orçamento especial aprovado pelo Congresso Nacional para o enfrentamento da situação atual.

No entanto, é fundamental pensarmos no futuro. Neste sentido, em um momento que o Ministério de Ciência e Tecnologia e suas agências quase que não contam com pesquisadores (houve época em que contou com uma equipe de dez membros da Academia Brasileira de Ciências) e perdeu a capacidade de pensar as necessidades do país para a área, sugiro ainda que se convoque a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência para, em curto prazo, apresentar um conjunto de propostas de editais para financiar novas iniciativas para a Ciência brasileira.

Esperamos que essas sugestões sejam abraçadas com entusiasmo e com sentido de urgência pelo presidente da República e seu ministro da Economia, pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal, para que todas as amarras burocráticas sejam rompidas em prol do desenvolvimento científico e tecnológico do país.

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