Leia entrevista de Chico Alves, do Projeto Colabora, com o presidente da ABC, Luiz Davidovich, publicada em 21/8:

Em meio à maior crise já vivida na área de pesquisa científica no país, Luiz Davidovich foi reeleito para o segundo mandato de três anos à frente da Academia Brasileira de Ciências. A entidade, que completou 103 anos de existência, é, juntamente com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, uma das principais fontes de resistência ao esvaziamento de recursos determinado pelo governo Bolsonaro. Físico, com especialidade em ótica quântica, Davidovich , de 73 anos, não esperava que sua segunda gestão fosse encarar tais obstáculos. “Não imaginei que haveria tantas dificuldades”, admite. Um dos pontos de maior urgência é o aporte de dinheiro para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), que precisa de ao menos R$ 340 milhões para manter as bolsas de novos pesquisadores.

Desde 1975 atuando na área de pesquisa, ele confirma que esse é o momento mais difícil que já viveu em sua atividade. “Passamos por ditadura, mas, embora fizessem outras coisas terríveis, como torturas, os governos militares apostaram na ciência e tecnologia”, avalia. Ele encara o mandato à frente da ABC como um ato de “responsabilidade social”, mas lamenta que os encargos reduzam o tempo para trabalhar em laboratório. “A pesquisa é minha paixão”, declara.

É em nome desse amor à ciência que ele tem levado ao Congresso Nacional informações que ajudem a convencer os políticos a reverter o caos instalado na área. Teve encontros com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com parlamentares de todos os partidos. Uma petição online, que já tem mais de 700 mil assinaturas, é uma das ferramentas para salvar da falta de verba o CNPq, que foi obrigado a suspender 4500 novas bolsas. Outro objetivo é que o Congresso reserve os recursos adequados para a pesquisa no orçamento de 2020:

#Colabora – Qual a maior urgência nesse momento de penúria que atravessa a ciência brasileira?

Luiz Davidovich – Tivemos a notícia de que os recursos para o CNPq, para pagamento de bolsas em particular, não serão restabelecidos. Novas bolsas não serão concedidas, o que interrompe o fluxo de jovens para o sistema. Isso mata o futuro da ciência no Brasil. Acrescente-se o fato de que os recursos para fomento no CNPq são praticamente inexistentes. A gente se preocupa muito com as bolsas, porque elas ajudam a trazer os estudantes desde a iniciação científica e a formá-los, mas os recursos de fomento também são muito importantes. Por exemplo, o edital universal do CNPq dá oportunidade a jovens pesquisadores de ter seus próprios recursos para pesquisa e não ficar dependentes apenas dos grupos mais estabelecidos, permite que estabeleçam suas linha de pesquisa, que renovem a ciência brasileira. A situação fica mais grave ainda quando se considera a situação da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), que apoia novos projetos e também está com grande escassez de recursos. É uma situação de terra arrasada.

#Colabora – Essas dificuldades são verificadas em todo o país?

Davidovich – O único estado que está sobrevivendo é São Paulo, pois tem uma fundação de amparo à pesquisa que é um grande exemplo para o Brasil. Ela mostra como o apoio continuado traz resultados para sociedade. O retorno que o apoio da Fapesp tem trazido é fantástico. São inovações na área de saúde, alta tecnologia, que beneficiam diretamente o país. É uma instituição que tem tido orçamento para isso durante anos, tem atravessado governos com políticas diferentes, mas é respeitada. No resto do país, onde as fundações de amparo à pesquisa estão com problemas também, o que se vê é dramático. A consequência é que laboratórios que antes publicavam artigos nas melhores revistas internacionais, como Nature e Science, estão deixando de publicar lá, porque os equipamentos estão obsoletos.

#Colabora – Fala-se muito na saída de novos cientistas do país. Isso se intensificou?

Davidovich – O êxodo de cientistas está ficando muito concreto. A gente antes percebia esse movimento, mas agora está avassalador. No próprio Instituto de Física da UFRJ eu vejo isso. O instituto perdeu no último ano quatro jovens pesquisadores que fizeram concursos, estavam iniciando linhas de pesquisa interessantes e foram embora do país. Essa crise está nos fazendo perder a juventude e isso afeta diretamente o futuro da ciência no Brasil, o que reduz as perspectivas de desenvolvimento nacional. Ficamos mais uma vez limitados a exportar commodities cujos preços são estabelecidos nas bolsas de Chicago e Londres. É um situação muito ruim para o futuro. Esse ano o governo vai deixar de ganhar por conta de subvenções a empresas entre R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões. É renúncia fiscal para a indústria automobilística ou agroindústria, por exemplo. Será que estão atingindo os objetivos de reduzir o desemprego e fomentar a inovação? Se conseguirmos reduzir essas subvenções em R$ 2 bilhões (muito pouco diante do total), já permitiria ao Ministério da Ciência e Tecnologia recompor a sua função.

#Colabora – O que fazer para rever essa situação?

Davidovich – Temos uma petição na internet dirigida ao Congresso Nacional, que já passou de 700 mil assinaturas. Apelamos para que o Congresso salve a ciência brasileira. Essa petição tem o CNPq como objeto central e pedimos que seja restabelecido o orçamento. É basicamente isso. O mínimo dos mínimos para funcionar pelo menos em termos de bolsas seria da ordem de R$ 340 milhões. As pessoas dizem: mas o governo está com dificuldades financeiras. É preciso dizer que esse ano, o governo vai deixar de ganhar por conta de subvenções a empresas entre R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões. É renúncia fiscal para a indústria automobilística ou agroindústria, por exemplo. Não digo que todas essas subvenções sejam ruins para o país, mas é bom fazer um filtro. Será que estão atingindo os objetivos de reduzir o desemprego e fomentar a inovação? Me parece que esse seja o caso de uma maneira geral. Se conseguirmos reduzir essas subvenções em R$ 2 bilhões (muito pouco diante do total), já permitiria ao Ministério da Ciência e Tecnologia recompor a sua função. Nossa ideia é resistir a essa política de desmonte da ciência nacional. Com o orçamento aprovado, poderemos saber se o Congresso realmente vai se preocupar com a questão do futuro do país ou vai se deter em questões menores

#Colabora – Considera que deputados e senadores têm sido sensíveis a esses apelos?

Davidovich – Vamos ter uma ideia quando o orçamento da União for debatido no Congresso. Estaremos nesse debate, nossa ideia é resistir a essa política de desmonte da ciência nacional. Com o orçamento aprovado poderemos saber se o Congresso realmente vai se preocupar com a questão do futuro do país ou vai se deter em questões menores.

#Colabora – Como avalia a postura do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que tem um conceito muito ruim da pesquisa científica no Brasil?

Davidovich – Ele precisa de um choque de realidade. Deveria visitar essas instituições. Ele ficaria perplexo, impressionado com o que vai encontrar. São laboratórios que ainda existem, fantásticos, que têm prestado grande serviço à sociedade brasileira. Quando a gente fala, por exemplo, do pré-sal, que atualmente é mais de 50% do petróleo produzido pelo país, isso acontece graças às universidades públicas brasileiras. Foi feita uma colaboração interdisciplinar, teve geólogos, geofísicos, matemáticos, engenheiros, físicos, químicos participando desse processo. Há poucos anos, as pessoas diziam que o pré-sal seria uma aventura, que não ia dar certo, que seria muito caro. Atualmente, o petróleo do pré-sal é mais barato que o extraído de poços profundos, que é de má qualidade. É uma grande vitória da ciência brasileira. Quando a gente fala da produção de alimentos no Brasil, a ciência do país teve papel fundamental nisso, aumentando a produtividade da soja e outras gramíneas, com a Embrapa. Quando falamos dos aviões brasileiros, também está a ciência nacional. Tem muito mais coisas. Como companhias de cosméticos de projeção internacional que desenvolve seus produtos em colaboração com as universidades brasileiras. Tem uma empresas de compressores, a Embraco, em Santa Catarina, que é a maior do mundo. Foi fundada pelo pessoal da Engenharia Mecânica da UFSC, que continua a fornecer profissionais para essa empresa. O combate ao zika também foi feito pelas universidades públicas, basicamente. O ministro devia sair do seu gabinete e visitar essas instituições. Ver o que está acontecendo lá, ver o tanque oceânico da Coppe, na UFRJ, que deixou maravilhada uma delegação de chineses. É muita coisa que está sendo feita nas universidades, que conseguem resistir à crise. É fantástica a contribuição para o país. Em vez de ficar elucubrando em seu gabinete, ele devia sair por aí e visitar as universidades.

#Colabora – O ministro parece ter um projeto de país que é diferente deste.

Davidovich – Até pode ser, mas ele tem que explicitar qual é esse projeto. Faz parte da democracia discutir projetos para o país. Mas só podemos discutir se eles forem explicitamente apresentados. Conheço o projeto que está sendo desenvolvido há mais de um século e que visa dar ao país condições de se desenvolver industrialmente, aplicando ciência e tecnologia em várias áreas. Se há outra proposta, tem que ser colocado na mesa para que possamos debater.

#Colabora – O senhor acredita que a sociedade brasileira tem noção adequada da importância da ciência para vida do país?

Davidovich – Pesquisas de opinião mostram que população brasileira considera que ciência é importante. Teve até uma pergunta que era a seguinte: você apoiaria o aumento do investimento em ciência, ainda que para isso fossem retirados recursos de outras áreas. A resposta é “sim”.