CARTA ABERTA AOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E AO CONGRESSO NACIONAL

Excelentíssimos Senhores Jair Bolsonaro e Fernando Haddad;
Excelentíssimos Senhores Senadores e Deputados do Congresso Nacional da República Federativa do Brasil

O dia 2 de setembro do corrente ano ficará para sempre na memória da sociedade brasileira. Naquele domingo, três meses depois da comemoração de seu bicentenário e poucos dias antes do 196° aniversário da proclamação da independência do Brasil, o Museu Nacional, a instituição científica mais antiga do nosso país, ardeu em chamas.

Esse acontecimento é daqueles marcantes, que fazem com que todos – não apenas os que militam na área da ciência e da cultura – se lembrem de onde estavam e o que estavam fazendo quando souberam da tragédia.

Como isso foi possível? Muitos fazem essa pergunta e refletem sobre o que poderia ter sido feito de diferente para evitar um desastre que levou à perda de um inestimável patrimônio, envolvendo milhões de peças culturais e científicas. Outros devem (ou deveriam) estar fazendo uma profunda reflexão do porquê, estando em posição de decisão, não agiram de forma firme no desencadeamento de ações que teriam evitado o absurdo dessa perda!

Porém, o primordial nesse momento não é procurar culpados e apontar dedos! Deixemos isso para a perícia da Polícia Federal, para os procuradores do Ministério Público e para os auditores do Tribunal de Contas da União – e para os historiadores. Caberá a estes últimos, em seu devido tempo, realizar uma análise crítica e contextualizada de como uma nação pôde deixar o seu bem mais precioso à sua própria sorte; essa que, infortunadamente, lhe faltou justo no seu bicentenário. Nunca é demais enfatizar – o que, ao longo de décadas, diretores e gestores jamais deixaram de fazer – a importância do Palácio de São Cristóvão: ali viveram D. João VI, os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II, a imperatriz Leopoldina e a princesa Isabel, entre tantos outros personagens que fizeram história no país e fora dele. Até mesmo a primeira Assembleia Constituinte Republicana foi realizada naquele palácio, entre 1889 e 1891! Se há um prédio a ser preservado no nosso país, trata-se justamente da sede do Museu Nacional, um dos berços da nação brasileira!

Aplaudimos a recente iniciativa do BNDES que, na esteira dessa tragédia, lançou um edital visando a elaboração de projetos de salvaguarda de acervos preciosos em outras instituições brasileiras. Para o Museu Nacional, infelizmente, essa necessária e louvável ação chega tarde.

Como era esperado, a destruição de boa parte de uma instituição do porte do Museu Nacional transcendeu as fronteiras do território nacional e comoveu as nações de todo o mundo. Já são centenas as manifestações de apoio com, inclusive, oferta de doação de materiais raros para recompor o acervo da instituição.

Porém, o nosso país tem que fazer por merecer esse novo acervo! Para isso, é absolutamente necessário que consigamos gerar as melhores condições de segurança para pessoas e coleções, imprescindíveis para que um desastre igual ao ocorrido no dia 2 de setembro jamais se repita! É o mínimo que se espera frente às outras nações do mundo que estão dispostas a colaborar.

Pelo lado da instituição, estamos nos reorganizando. Sempre é importante frisar que o Museu Nacional, apesar de ter perdido uma parte significativa do seu acervo, não perdeu a sua capacidade de gerar conhecimento! Os nossos alunos dos diferentes cursos de pós-graduação e os nossos pesquisadores, que atuam nas mais diferentes áreas do saber, estão, mais do que nunca, cientes da sua responsabilidade em atuar em prol do desenvolvimento científico, promovendo o bem social. Estamos, inclusive, com ações de financiamento coletivo, em que procuramos envolver a Sociedade para atividades educativas para as crianças, futuro do nosso país, que não encontram financiamento nos canais governamentais.

Da mesma forma, apelamos para que V. Sas. se comprometam com a reconstrução do Museu Nacional! Para isso é fundamental que no orçamento a ser votado ainda neste ano haja uma verba substancial destinada ao Museu e um compromisso com que a mesma não seja contingenciada, como, infelizmente, ocorreu no passado recente. Essa responsabilidade compartilhada entre a instituição e V.Sas. é imperativa para que possamos devolver um novo Museu Nacional para a Sociedade brasileira!

O Museu Nacional VIVE! Mas a sua sobrevivência está atrelada à responsabilidade de V.Sas., que detêm o poder nas mãos para projetar de forma digna o futuro dessa instituição que tanto contribuiu e contribui para o desenvolvimento da nação brasileira, de modo que se possa iniciar o seu terceiro centenário com renovada esperança no futuro de todos nós.

Respeitosamente,

Alexander Kellner
Diretor do Museu Nacional/UFRJ