twas_bas_preprint9_edit.jpg
Após anos de dedicação a um projeto, a confirmação dos resultados esperados leva qualquer grupo de cientistas a guardar a sete chaves seu segredo. O mistério só é então revelado a seus pares e ao público em geral quando o estudo é publicado em uma revista científica, que precisa ter renome no campo de pesquisa e alto fator de impacto.

O clássico modelo de publicação de papers, no entanto, pode estar com os dias contados. Em busca de uma colaboração direta entre os pares e uma maior liberdade e independência das revistas científicas, alguns cientistas, especialmente os das áreas de matemática e da biologia, estão flertando com outros modos de publicação. Um deles é o pre-print.

Popular entre os físicos, que há 50 anos o utilizam, essa forma de publicação é novidade para a maioria dos pesquisadores. Antes de serem publicados em jornais ou revistas especializadas, os artigos são enviados por e-mail aos laboratórios e universidades. Além de submeterem os papers à avaliação dos cientistas de uma mesma área, as versões são revisadas e salvas num repositório.

Quem explica o modelo é o professor de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Fraga. Ele conduziu debate durante sessão sobre o tema no primeiro dia do encontro da Rede de Afiliados à Academia Mundial de Ciências (TYAN-TWAS), em 22 de agosto. Com ele, compuseram a mesa o neurocientista Stevens Rehen (ex-membro afiliado da ABC 2008-2012), o biólogo Pedro Lagerblad, o farmacêutico Luis Mauricio Trambaioli e o bioquímico Olavo Amaral: todos professores da UFRJ.

eduardo-fraga_edit.jpgEduardo Fraga apresentou à plateia um pouco da história dos pre-prints na física. Segundo ele, com a internet, as trocas e colaborações se tornaram mais rápidas e fáceis. Tudo acontece hoje por meio de um arquivo de pre-prints chamado arXiv (arXiv.org), que pode ser acessado pela rede. “Os autores registrados submetem os artigos e as versões são revisadas e salvas no próprio sistema. Os usuários podem fazer o download livremente e em vários formatos. O sistema é acessível em todo o mundo”, afirmou Fraga.

Segundo o físico, a prática tem um selo de qualidade A e permite comentários, críticas, sugestões, citações, discussões e colaborações antes da publicação da versão final. “O sistema é fácil e o modelo garante mais visibilidade a grupos periféricos de pesquisa”, avaliou o professor da UFRJ, que explica que a autoria é resguardada ao autor no ato da publicação do pre-print.

“Na área de física, uma vez que a ideia tenha saído no pre-print, ela é sua. Esta é uma maneira de não ser garfado antes”, diz Fraga. O físico reconhece que, apesar do grande sucesso do modelo, o pre-print não tem substituído o sistema tradicional de publicação. “Acredito que precisamos melhorar os meios de comunicação que podem gerar uma evolução nos modos de produzir ciência”, opinou.
Há pouco mais de um ano e meio, o pesquisador do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino (Idor) Stevens Rehen tvem tendo a experiência de publicar artigos por meio do modelo de pre-print. Ele explicou que a epidemia de zika vírus, combinada com a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), mobilizou cientistas do mundo todo no sentido de compartilhar os resultados de seus estudos e ampliar as parcerias científicas.

stevens1_edit.jpg“Foi uma grande experiência para mim. Eu pude compartilhar resultados e discutir questões de forma mais rápida do que se tivesse feito do jeito convencional. Em países em desenvolvimento, esse modelo ganha uma relevância ainda maior. Vemos que existe uma dependência grande da publicação em revistas científicas. A qualidade da ciência não será afetada se usarmos mais o pre-print. “, disse Rehen.

O neurocientista ressaltou ainda que a publicação convencional tem dois aspectos negativos: a demora na divulgação dos resultados e o monopólio da publicação, que gera um grande e concentrado retorno financeiro às revistas e jornais científicos. “Quanto dinheiro essas empresas ganham para publicar artigos e para torná-los acessíveis? Nós revisamos gratuitamente os papers. Precisamos pensar num modo diferente de compartilhar os resultados”, disse ele. “É muito caro e lento para a sociedade este modelo clássico”, salientou.

Sobre as críticas de que o pre-print poderia colocar em risco a qualidade da produção científica, visto que os artigos podem ser acessados livremente sem passar pela avaliação prévia dos pares, Rehen lembrou que é sabido pela comunidade científica que o peer review usado pelas renomadas revistas científicas contém falhas. “Temos que discutir esse novo modelo como uma forma de compartilhamento de resultados e não como um substitutivo definitivo”, disse o professor da UFRJ. “É caro publicar numa revista de alto impacto, fora que as pessoas não conseguem lê-las. É preciso que a gente reflita sobre a melhor maneira de publicar ciência “, concluiu Rehen.

pedro-lagerblad_edit.jpgBiólogo e professor da UFRJ, Pedro Lagerblad ressaltou que, apesar de todas as mudanças tecnológicas, o único jeito de avaliar um pesquisador ainda hoje é por meio de seus artigos. No entanto, para ele as métricas utilizadas para se conduzir tal avaliação não são adequadas. “A cultura de produção de artigos é um problema. Eu tento mudar essa lógica de publicação no meu departamento”, disse ele.

Eduardo Fraga fez coro à fala do colega. “As agências induzem o financiamento dos cientistas condicionado à publicação. Qual é a nova geração de cientistas que queremos? É uma questão crucial. Precisamos repensar as formas de avaliação de ciência”, defendeu.

Para Lagerblad, é válido discutir novas alternativas de publicação, como os pre-prints. O pesquisador alerta, no entanto, para a necessidade de se assegurar a criação de filtros que separem a boa ciência da má ciência. “É preciso que se faça essa distinção”, afirmou.

O que vale mais, a mensagem ou o artigo?

luis-mario_edit.jpgLuis Mauricio Trambaioli esquentou ainda mais o debate com um desafio à plateia: “Qual é propósito básico da ciência? A mensagem ou a publicação de papers?”, provocou ele. Para o pesquisador, a ciência não deve ser vista apenas como uma linha no currículo dos cientistas.

“Se nós definimos que fazer ciência é trazer novos conhecimentos, expertises e bem-estar para a sociedade, o propósito da ciência não deve ser a publicação, que é a etapa final de um processo, e sim contribuir com conhecimento para a humanidade”, defendeu o farmacêutico.

Para Trambaioli, com as novas formas de comunicação os cientistas podem democratizar a ciência, tornando seus resultados permanentemente acessíveis para discussão . “Com o pre -print, o cientista está acessível para o debate. Não é dar um passo atrás e sim à frente”, acrescentou ele, que também critica o modelo corrente de avaliação dos pesquisadores.

“Os cientistas não deveriam ser avaliados pelo tipo de periódico em que seus resultados são publicados e sim pela maneira com que tornam a pesquisa acessível à população. Precisamos mudar essa mentalidade. Os professores devem discutir em grupos a qualidade da ciência e não o impacto das revistas. Nós precisamos fazer ciência em primeiro e último lugar”, ressaltou ele.

olavo1_edit.jpgSeguindo a fala do colega, o bioquímico Olavo Amaral afirmou que quanto mais a ciência é acessível ao público, mais segura ela é e será. “Acredito que o reconhecimento dos pre-prints tem tudo para crescer. Mas precisamos discutir ainda se este modelo virá a ser um substituto do sistema tradicional, ou não. A publicação em revistas científicas tem um peso relevante na produção de ciência que não deve ser minimizado. É por meio delas que a produção científica é avaliada pelos pares”, afirmou.

Para Olavo, há dois futuros possíveis para os pre-prints: ocuparem o lugar das revistas científicas ou serem uma ferramenta adicional a elas. “Para que se torne um substituto válido, será preciso que o modelo de pre-print seja adotado pelas agências de fomento à pesquisa. Isto é, é preciso que ele seja reconhecido pelo sistema”, disse.

O pesquisador concorda que os periódicos não devem ser uma condição para a ciência. Mas, ainda assim, eles garantem uma espécie de curadoria que os pre-prints ainda não possuem. “Hoje, o sistema de pre-prints é válido como opção. Acredito que ele deveria ter um filtro de avaliação, que lhe desse mais credibilidade. Assim como um livro, o autor ganha mais visibilidade quando tem seu livro publicado por uma grande editora”, acrescentou.

twas_bas-public3_edit.jpgPresidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) o físico Luiz Davidovich parabenizou a mesa pelo rico debate. Para ele que tem familiaridade com o pre-print, o modelo é possível e beneficia especialmente os países em desenvolvimento, que têm dificuldades financeiras de fazer com que suas produções alcancem espaço nas revistas de renome. Mas, para se tornar um substitutivo ou uma opção adicional, Davidovich considera fundamental que a comunidade científica estabeleça uma discussão acerca da metodologia de avaliação vigente. “A relação entre publicação e métricas de avaliação é um grande problema que devemos procurar solucionar”, concluiu ele.