Nascido na pequena cidade universitária italiana de Perugia, o físico Diego Trancanelli, eleito membro afiliado da ABC na Regional São Paulo para o período 2015-2019, é filho de um cirurgião e de uma professora de escola e pintora. Como uma criança que cresceu no inspirador ambiente da Itália, ele sempre se sentiu atraído pelas artes e humanidades, influenciado pelos museus e pela bela arquitetura secular do país.
Diego cursou o ginásio em uma escola humanística – “Liceo Classico”, em italiano. O foco era o aprendizado da literatura italiana, bem como do latim, do grego antigo, filosofia, história e arte. “Nós tínhamos mais horas de aula de latim e grego do que de matemática e ciência, somadas”, relembra Trancanelli. Suas disciplinas favoritas eram grego e história da arte.
“Acredito que, diferentemente do que muitos podem esperar, o hábito de traduzir a partir do latim e do grego foram úteis na minha carreira de cientista”, compara o físico. “Isso porque, na tradução, é preciso elaborar hipóteses sobre o significado da sentença e depois checá-las em um contexto mais abrangente, o do parágrafo e do texto completo. Isso é, em um certo sentido, bem similar ao que acontece na pesquisa teórica.”
Ainda assim, seu interesse pela ciência sempre existiu e era nutrido pelo pai, que comprou para o filho um telescópio e passou várias noites com ele observando o céu. “Na época eu gostava da astronomia e cosmologia, mas esse interesse era, de qualquer forma, secundário, se comparado à minha paixão pelas humanidades.”
Antes de entrar na universidade, Trancanelli planejava seguir os estudos na área de línguas e literatura grega e latina. Mas, no último momento, decidiu mudar para física, mais como um desafio pessoal do que por paixão. “Eu ainda não sei bem por que fiz isso, mas não me arrependo”, afirma. Na graduação em física da Universidade de Perugia, uma das melhores da Itália, ele não tinha interesse pelo lado mais aplicado da física, atraindo-se mais pelas questões fundamentais sobre a Natureza. Isso o levou a escrever uma dissertação sobre teoria quântica de campos em duas dimensões do espaço-tempo (onde as coisas são mais simples e tratáveis do que em quatro dimensões e pode-se ter alguma intuição sobre questões profundas).
Durante a graduação, Trancanelli passou um ano na Universidade Humboldt em Berlim, na Alemanha, em um programa sanduíche. Foi depois de se formar que o membro afiliado começou a estudar a teoria das cordas, seu campo atual da pesquisa, e escreveu seu primeiro artigo científico. Então, foi fazer o doutorado na Universidade de Stony Brook, nos Estados Unidos. “Esses cinco anos em Stony Brook foram extremamente frutíferos para mim”, relata. “Tive contato com outros estudantes, com os quais fiz bastante pesquisa, aprendi muito e escrevi muitos artigos.”
Dualidade calibre/corda
Seu trabalho é na área da física teórica de altas energias e, mais especificamente, sobre a teoria das cordas. A principal hipótese da teoria das cordas é que todas as partículas e forças mediadoras da natureza, em vez de serem objetos puntiformes iguais, como usualmente assumido, são produzidas por minúsculas cordas unidimensionais vibrantes, da mesma forma que os diferentes harmônicos de uma corda de violão correspondem a diferentes notas musicais. “Esta premissa simples tem consequências interessantes: ela concilia a teoria da gravidade de Einstein com as leis da física quântica em uma estrutura unificada.”
Esta unificação da relatividade com a mecânica quântica, explica Trancanelli, tem sido um Santo Graal na física teórica desde os primórdios do século passado. “O que eu mais admiro sobre esta teoria é, por um lado, a sua autoconsistência matemática e beleza e, por outro, o fato de que inspirou muitas ideias úteis, tanto em matemática como na física.”
Uma das consequências mais importantes da teoria das cordas foi a descoberta das chamadas dualidades calibre/corda, que são o seu principal campo de pesquisa atual. Uma dualidade é uma equivalência entre duas descrições diferentes e complementares de algum sistema físico. É algo útil para se estudar porque, muitas vezes, um problema difícil em uma das duas descrições pode ser mapeado para um problema tratável na descrição dual, e vice-versa.
Em particular, as dualidades calibre/corda fornecem relações entre teorias de calibre, tais como generalizações do modelo padrão da física de partículas, que descreve três das quatro forças fundamentais da natureza (eletromagnetismo e as forças fraca e forte), e as teorias da corda, que contêm a gravidade, a quarta força não acomodada no modelo padrão. “Isso nos dá uma poderosa ferramenta para tentar responder a perguntas difíceis, tanto no lado da teoria de calibre quanto no da teoria das cordas, tais como: Por que os quarks e glúons são confinados? Como podemos lidar com sistemas fortemente acoplados? O que é a gravidade quântica? O que acontece dentro de buracos negros?”
A beleza na teoria das cordas
Para Trancanelli, um dos lados mais encantadores da ciência é a satisfação da curiosidade, inata na humanidade, sobre a estrutura e os fundamentos da Natureza. “Nós queremos entender como o universo atua, quais são as leis que o governam, como se desenvolve”, comenta. “Se essa pesquisa tiver alguma aplicação prática (como tende a ter, mesmo que após muitos anos), será incrível, mas essa não é a principal razão para teóricos como eu fazerem ciência.”
Ele acredita que o que o atrai em seu campo de pesquisa é a busca por um senso de beleza e estética. “A teoria das cordas tem uma estrutura muito elegante, na qual tudo se encaixa bem e não há espaço de manobra para mudar nada, o que de certa forma me lembra uma obra-prima perfeita da arte.”
Trancanelli também concluiu pós-doutorados na Universidade da Califórnia-Santa Barbara e na Universidade do Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. Obteve a livre docência pela Universidade de São Paulo (USP), onde atualmente é professor associado no Departamento de Física-Matemática do Instituto de Física.
O cientista conta que, quando chegou pela primeira vez no Brasil, em 2011, ficou impressionado positivamente pela vitalidade e recursos da vida acadêmica por aqui. “Ao mesmo tempo, eu acredito que há coisas que poderiam ser melhoradas – em particular, no que diz respeito ao processo de seleção e contratação de professores universitários. Espero que o fato de fazer parte da ABC permita que eu expresse minhas sugestões nesta área e inicie uma conversa sobre este tema.”