Em recente matéria intitulada “Artigos de segunda”, publicada pela revista semanal Veja (10 de dezembro último), foi abordada, de forma tendenciosa, o processo de publicação de artigos científicos em revistas de acesso livre. A autora do texto parece não conhecer os meandros do mundo acadêmico, sendo inclusive indelicada e injusta com pesquisadores brasileiros do mais elevado conceito internacional, exemplos de comportamento ético e membros da Academia Brasileira de Ciências. A correta e necessária defesa desses colegas foi feita em notas públicas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, pela Academia Brasileira de Ciências e pela Sociedade Brasileira de Química. Neste espaço, além de me solidarizar com estas manifestações, optei por aproveitar o momento para esclarecer aspectos pouco conhecidos daqueles que não vivenciam o mundo científico, que tem regras e procedimentos não usuais no que se refere ao processo de tornar público os resultados obtidos em pesquisas científicas.

Ao longo de séculos, os avanços obtidos em todos os campos da Ciência foram comunicados aos especialistas de cada área tanto em comunicações orais, apresentadas em sociedades científicas, academias de Ciências e congressos especializados, como em versão escrita, através da publicação em revistas especializadas. Dependendo da época, as publicações eram feitas em francês, alemão e, mais recentemente, em inglês. No Brasil, merece ser citada a Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que em seus primeiros números publicados no início do século XX apresentava os artigos simultaneamente em português e em alemão.
Desde as primeiras publicações em revistas especializadas, os membros da comunidade científica aprenderam a apreciar a sua relevância baseados em parâmetros tais como o seu conteúdo intrínseco, as revistas em que são publicados, bem como pela credibilidade e prestígio dos autores. À medida que a comunidade científica foi crescendo, o número de artigos científicos aumentou consideravelmente. Além das revistas publicadas pelas academias e sociedades científicas, surgiram, em número crescente, revistas de editoras que foram se organizando em grandes complexos empresariais, que hoje movimentam milhões de dólares. Como conseqüência, houve uma maior profissionalização na área da editoração científica.

As grandes editoras buscam avidamente artigos dos mais variados tipos (cartas, notas prévias, artigos originais, revisões etc.), sobretudo de autores com maior prestígio acadêmico. Em uma fase inicial, esta era uma atividade com pequeno retorno financeiro, sendo que várias editoras solicitavam o pagamento, por parte dos autores ou das instituições, com preço variável, da ordem de US$ 50 por página, especialmente, quando o artigo continha ilustrações que requeriam melhor qualidade de impressão. Pesquisadores que mostravam não dispor de recursos para cobrir as despesas de publicação eram dispensados do pagamento.
Com o crescimento do mercado editorial, muitas editoras passaram a cobrir seus custos e mesmo ter lucro crescente pela venda de suas publicações, inicialmente às milhares de bibliotecas existentes em todas as instituições acadêmicas, substituídas, mais recentemente, pela oferta das publicações online aos milhares de portais hoje existentes. Ao atingir este estágio, as revistas passaram a não mais cobrar pelas publicações dos artigos, sustentando-se com a venda do acesso. Em muitos casos, o acesso pode ser liberado para todos, desde que o autor ou a instituição em que trabalha pague uma taxa por artigo, que varia de acordo com a revista, quase sempre com um valor médio da ordem de US$ 1.500 por artigo.
O crescimento vertiginoso da atividade científica no mundo levou ao surgimento de novas formas de publicações científicas, agora baseadas não mais em artigos impressos, mas disponíveis de forma livre em sites específicos. Na maioria dos casos, o acesso a estas publicações é inteiramente gratuito, o que faz com que os artigos tenham ampla exposição. Como o espaço ocupado pelos artigos deixou de ser um problema, estas publicações permitem um maior número de ilustrações, especialmente na forma de suplementos. Nestes casos, os autores que têm seus artigos aceitos para publicação devem custear as despesas, cujo valor médio é semelhante ao indicado acima.
Praticamente todas as agências que apoiam a pesquisa científica no Brasil e no mundo entendem a importância de se publicar os resultados obtidos e permitem o pagamento destas despesas com as verbas liberadas para pesquisa. É importante ficar claro que no caso das publicações científicas, que têm um mercado restrito, sempre alguém pagará pelas despesas. Ou se paga a assinatura das milhares das revistas, o que implica custos elevados para cada instituição, ou para cada artigo aceito se paga o custo que permite o acesso livre para todos. Os dados disponíveis indicam que a última possibilidade é mais interessante do ponto de vista econômico.
Não procede a afirmação de que as revistas de acesso livre publicam “artigos de segunda”, como colocado pela articulista da mencionada matéria. Existem publicações “de segunda” tanto na versão tradicional impressa como naquelas exclusivamente online e de acesso livre. Toda boa revista baseia-se em uma análise prévia do artigo submetido por especialistas que atuam na mesma área. Os índices de aceitação de artigos é bastante variável, podendo em algumas revistas de acesso livre ser da ordem de 30%, o que também ocorre nas boas revistas impressas.
Como avaliar se uma revista é boa ou não?. Não é simples, mas alguns critérios ajudam na escolha de uma revista. Primeiro, quem atua em uma área do conhecimento procura verificar onde os pesquisadores mais conceituados no mundo estão publicando. Segundo, é hoje fácil verificar qual o índice de impacto médio de uma revista, que é calculado levando-se em consideração o número de artigos que citam os artigos previamente publicados naquela revista. Quanto maior o índice de impacto, mais conceituada é a revista e, como consequência, mais artigos ela recebe para avaliação.
É fácil entender que os autores sempre desejam publicar seus artigos nas revistas de maior prestígio e que, em geral, são as de maior impacto. Cabe sempre lembrar que o índice de impacto é da revista e não do artigo nela publicado. Cada vez mais publicações de acesso livre crescem em prestígio e, a meu ver, irão predominar no futuro. Deve ser lembrado que o fator mais importante em um trabalho científico é sua contribuição ao avanço do conhecimento e não o seu tamanho ou onde ele é publicado.
Para o leitor que não atua na área tudo pode parecer estranho. O senso comum é o de que o autor deve ser remunerado ao publicar os resultados obtidos com os experimentos realizados. Acontece que na área da pesquisa não seguimos o senso comum. Afinal, os pesquisadores estão acostumados a emitir pareceres de artigos e teses sem seres remunerados. O universo da Ciência é pouco compreensível para muitos. Não é uma área onde se entra para ficar rico, mas que por outro lado, permite grande satisfação pessoal.
Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ e diretor do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.