Que o consumo de álcool durante a gestação causa danos ao desenvolvimento da criança todo mundo sabe. A incidência de síndrome alcóolica fetal (SAF) é estimada em um a cada mil nascimentos e o abuso de álcool durante a gravidez produz um risco de 30% a 50% de lesões fetais em relação às mães que não bebem neste período. No entanto, o quadro mais problemático ocorre em decorrência de discretas alterações cerebrais, que podem ser causadas até por uma “inocente” taça de vinho, que muitas mulheres acreditam não ser prejudicial à saúde do bebê. Para desmistificar crenças como essa e aprofundar conhecimentos sobre o tema, a Dra. Patricia de Souza Brocardo se dedica ao estudo dos efeitos do álcool durante a gestação.
Segundo a cientista, muitas crianças podem apresentar distúrbios cognitivos e comportamentais relacionados a pequenas alterações no cérebro fetal. Em casos de alterações discretas, elas só aparecem com o crescimento natural, geralmente no início da fase escolar e diante de exigências mais complexas. “Às vezes, o problema só é identificado lá na frente. É por isso que é tão importante trazer à tona essa conscientização. Quando a mulher está pensando em engravidar e suspende o uso da pílula anticoncepcional, já deve passar a ter abstinência total de álcool. Isso porque, muitas engravidam e só descobrem depois, podendo colocar a formação do bebê em risco mesmo sem saber”, alerta.
Sua linha de pesquisa é focada na neuroplasticidade hipocampal adulta, que consiste na capacidade de o cérebro reagir e se readaptar, por exemplo, após uma lesão. “O objetivo do meu projeto é estudar os efeitos benéficos da atividade física em neurônios expostos aos efeitos lesivos do etanol durante o desenvolvimento do sistema nervoso. Desde a descoberta de que a mesma aumenta o nascimento de novos neurônios em cérebros adultos, cada vez mais cientistas
buscam utilizar esta intervenção para estimular a plasticidade neuronal”, explica Patricia.
O que acontece dentro da massa craniana sempre despertou o interesse da catarinense de 39 anos, mas os planos de investir nos estudos de Neurociência precisaram ser adiados para poder criar, junto com o marido, seus dois filhos. Formada em Fisioterapia, chegou a abrir uma clínica própria em Florianópolis. Com os filhos já crescidos – hoje o mais velho tem 20 anos e a caçula, 14 – encontrou a oportunidade que tanto desejava. Fez mestrado e doutorado em Neurociências, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No ano passado, concluiu o pós-doutorado na Universidade de Victoria, no Canadá, onde trabalhou com desordens do desenvolvimento e doenças neurodegenerativas. Atualmente, é professora adjunta do departamento de Ciências Morfológicas da UFSC.
Depois de tanto perseverar, receber um prêmio como o Para Mulheres na Ciência comprova que valeu a pena insistir nesse caminho. “Este reconhecimento vai trazer projeção para a minha pesquisa. Quero investir em equipamentos, ter o meu espaço e espero poder, em um futuro próximo, ajudar a população com novas descobertas”, planeja.