Durante o Simpósio Internacional sobre Excelência no Ensino Superior, o diretor executivo do Instituto de Tecnologia de Waterloo, Arthur Carty, concedeu uma entrevista à Academia Brasileira de Ciências e explicou quais as atitudes tomadas pelo Canadá para atingir excelência tecnológica em um nível global. Mais especificamente, ele falou sobre a importância da Universidade de Waterloo, ao transformar a pequena cidade com menos de 100 mil habitantes no ”coração tecnológico” do país.

Com menos de 60 anos de idade, a Universidade de Waterloo já conquistou uma posição de destaque nos principais rankings acadêmicos do mundo, especialmente na área de engenharia. Ela é a quarta melhor universidade canadense e uma das 200 melhores do mundo, segundo o Academic Ranking of World Universities (ARWU); em engenharia e ciências da computação, o ranking a coloca na 43ª posição mundial.

 

ABC | Tanto na crença popular quanto nas opiniões de especialistas em educação, há a ideia de que as chamadas ”ciências exatas” estão melhor alinhadas às necessidades desta era digital o que as demais ciências, especialmente as ”humanas”. O senhor acredita que haja esta distinção? Quais são as possíveis contribuições que as ciências não exatas podem legar para a globalização?

CARTY | Primeiro, a minha definição de ”ciência” inclui as ciências naturais, engenharia e as ciências sociais. É uma definição inclusiva e que foi utilizada no mais recente painel de especialistas sobre a situação da cultura e das ciências no Canadá, onde foi concluído que ciência e tecnologia estão tão interligadas hoje em dia que não há mais sentido em diferenciá-las. Agora, com a área de humanas a situação é um pouco diferente. Eu não diria que ela faz parte deste esquema científico que eu estou delineando. É importante reconhecer que cada descoberta científica e tecnológica possui um impacto social, então devemos nos engajar com os cientistas sociais sobre as consequências desses desenvolvimentos.

 

ABC | Qual é a posição da tecnologia canadense no mundo? O que torna o Canadá um país especial em termos de desenvolvimento tecnológico global?

CARTY | O Canadá é claramente uma nação avançada. Nós temos uma forte comunidade científica, a economia está crescendo mais rápido do que a de boa parte do mundo e, de fato, ela é muito parecida com a do Brasil em diversos aspectos, especialmente pelo fato de ser movida por recursos naturais. Nós temos enormes reservas de petróleo e gás, somos o maior exportador mundial de urânio e possuímos vastas florestas, do mesmo modo que o Brasil conta com uma biomassa abundante.

Por outro lado, temos uma comunidade científica muito produtiva e com um padrão de excelência. Em listas recentes sobre os países com as maiores contribuições em pesquisa científica, o Canadá está muito bem colocado – o que é ótimo para um país com apenas 35 milhões de pessoas. Em ciência e engenharia, nos saímos melhor do que outras nações desenvolvidas com características semelhantes. Um problema, porém, é que pecamos em termos de inovação, pois temos uma dificuldade em produzir descobertas e novas tecnologias que sejam utilizadas em outros países. Chamamos isso de ”brecha inovadora”.

Empresas canadenses também são muito dependentes dos mercados norte-americanos, então elas nunca tiveram uma real necessidade em apresentar ”inovações disruptivas”. Tem sido muito fácil vender para os EUA e se esquecer do resto do mundo. Eles são um mercado enorme do qual nos beneficiamos bastante, sem dúvida, mas que de fato nos atrasaram em termos de inovação.

 

ABC | Qual é o papel da Universidade de Waterloo neste novo paradigma de mídias digitais, expansão tecnológica e ascensão de startups de tecnologia e informação?

CARTY | O engraçado é que Waterloo é uma cidade muito pequena e considerada ”irmã” da cidade de Kitchener, que juntas não têm mais do que 400 mil habitantes. Mas a comunidade cresceu junto com a universidade, que graduava pesquisadores de alta qualidade – muitos dos quais possuíam ideias para os seus próprios negócios. Isso criou um ritmo tão bom que Waterloo é agora a capital tecnológica do país, além de sua região mais dinâmica e com as maiores taxas de crescimento, principalmente por causa dos esforços da universidade.

No Canadá, gigantes como Google, Apple e Microsoft se concentram em Waterloo para encontrar novos talentos. A Google e a Microsoft, por exemplo, têm escritórios em Waterloo e quando elas identificam uma ramificação ou um produto bem sucedido que nasceu da nossa Universidade, elas o adquirem rapidamente, dando às pessoas uma noção de que se pode fazer muito dinheiro vendendo suas companhias.

 

ABC | Qual é o papel da nanotecnologia na sociedade atual?

CARTY | A nanotecnologia é uma ”tecnologia de possibilitação”, digamos assim. Ela não é um setor de comunicação e tecnologia ou mesmo de biotecnologia, mas uma área cujos impactos se estendem a todos os setores. Não se pode descrevê-la como um setor industrial, pois ela é muito mais ampla do que isso, e por isso mesmo está crescendo em um ritmo exponencial: no ano passado, o faturamento global total de produtos derivados da nanotecnologia foi superior a 750 bilhões de dólares, e até 2015 esperamos que ele seja de um trilhão de dólares. Ela possui relevância no setor manufatureiro, nas comunicações, biotecnologia, medicina e saúde e muito mais.

 

ABC | De um ponto de vista do mercado, quais as perspectivas financeiras para os estudantes de nanotecnologia?

CARTY | Uma das vantagens é que não há muitas escolas que ensinam engenharia voltada para a nanotecnologia, então não há muitos alunos especificamente treinados nesta área. Além do mais, a qualidade de estudantes que recebemos nos cursos de nanotecnologia de Universidade de Waterloo é extremamente alta, então eles não terão problemas em encontrar empregos. Mais importante, a indústria está reconhecendo a importância de profissionais de nanotecnologia com uma visão multidisciplinar, então estudantes com este perfil são bastante requisitados.

 

ABC | Quais são os maiores obstáculos para a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de novas tecnologias no Canadá?

CARTY | O governo tem designado muitas verbas para a pesquisa conjunta entre universidades e indústria, mas esta não está disposta a contratar muitos funcionários voltados para novas ideias, pois ainda não há uma cultura de inovação. Você tem descobertas tecnológicas nas universidades e elas estão tentando disseminá-las, mas a indústria não as está aproveitando. Não só ela falha em contratar pessoas das áreas de tecnologia como também não possui uma estratégia para utilizá-las, então uma mudança de filosofia no nível corporativo é necessária.

 

ABC | Qual a situação da Universidade de Waterloo atualmente?

CARTY | A Universidade de Waterloo é uma instituição muito distinta no mundo, especialmente em seu programa cooperativo para o desenvolvimento de tecnologias. Temos departamentos verdadeiramente excelentes em áreas de ciência da computação e engenharia, mas ainda acho que é cedo demais para dizer que chegaremos ao TOP 10 global de universidades. Entretanto, posso dizer que nos tornaremos uma das universidades mais inovadoras e empreendedoras do mundo.