Emanuel Carneiro tem muito boas lembranças da infância e adolescência. Além do prazer em jogar futebol, basquete, andar de bicicleta e praticar natação, ele adorava videogames. É um ferrenho defensor de que se aprende muito com eles – como aprendeu regras de futebol americano e histórias da mitologia grega, por exemplo. Gostava também de jogos de estratégia de tabuleiro e desafios de lógica e matemática.
Ele e os dois irmãos sempre gostaram de estudar – nesse quesito, não deram muito trabalho ao pai, que era funcionário público da Receita Federal e à mãe, farmacêutica bioquímica. A família se mudou duas vezes: nascido em Fortaleza, Emanuel morou em Manaus quando pequeno e depois retornou a Fortaleza. Nos anos seguintes, o pai trabalhou no interior do estado, viajando na segunda e voltando na sexta. Os meninos passavam a semana com a mãe, que trabalhava meio período, e no final de semana ficavam todos juntos. “Sempre vi como uma grande prova de amor o
esforço que meu pai fez durante anos ao passar esse tempo longe da família. Hoje, ambos são aposentados e continuam morando em Fortaleza.” Os irmãos, muito amigos, formaram-se em Direito e hoje também estão bem posicionados.
Talento explícito, sucesso nas Olimpíadas
Na escola, a preferência de Emanuel pela matemática era nítida, seguida pela química e depois pela física. Tinha muito incentivo em casa, dado que os pais tinham atuado como professores de ensino básico em tempos anteriores de suas vidas. Até a 4ª série, estudou numa escola pequena de bairro com dez alunos na turma. Então a mãe o matriculou num cursinho preparatório para o Colégio Militar, para onde ia diariamente depois das aulas regulares e que tinha 150 alunos na turma, que era uma entre cinco turmas do mesmo porte. Foi um choque para o menino que, no entanto se saiu muito bem. “Lembro que neste ano estudei como nunca havia estudado antes. No meio do ano, o cursinho realizou uma Olimpíada de Matemática e tirei o primeiro lugar. Acho que nesse momento eu comecei a perceber que havia algo de natural para a matemática em mim.”
Seguiu no Colégio Militar, ganhou uma bolsa de estudos para fazer o ensino médio no Colégio Farias Brito e continuou a participar da Olimpíada de Matemática, já nos níveis nacional e internacional. Além do reconhecimento a todos os excelentes professores de que se recorda nesse período e do parceiro de estudos Frederico Girão – atualmente professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará -, Emanuel credita ao professor carioca Luiz Amâncio Machado de Sousa Jr. – hoje professor do Departamento de Matemática da UniRio o papel de seu primeiro orientador e uma influência muitíssimo positiva no que viria a seguir. “Minha escola o contratou para me dar aulas avançadas de matemática e eu terminei o ensino médio ganhando uma Medalha de Bronze na Olimpíada Internacional de Matemática em Taiwan, em julho de 1998”, recorda. Ao voltarem da viagem e acompanhados dos pais de Emanuel e do diretor da escola, eles foram recebidos em Brasília para um almoço com então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, quando uma condecoração pelo feito.
A vocação falou mais alto
Após fazer uns dez vestibulares diferentes e passar em todos, Emanuel Carneiro não quis deixar a cidade e ingressou no curso de engenharia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Depois de um ano, não muito satisfeito, foi convidado para fazer um curso de verão no Departamento de Matemática. E então sentiu que aquele era o seu lugar.
Nos dois anos de bacharelado, Carneiro fez iniciação científica e cursou disciplinas do mestrado. Quando acabou a graduação, já tinha feito mais da metade do mestrado e o concluiu rapidamente. “Eu gostava muito do estilo de vida acadêmico e fui levado naturalmente a considerar uma vida em pesquisa. Também sempre gostei de ensinar. Ser professor sempre foi muito gratificante para mim.”
Contando com excelentes mentores no Departamento de Matemática, conseguiu uma bolsa do programa Capes/Fulbright para fazer o doutorado nos EUA e foi aceito em quatro universidades. Ele e a esposa escolheram ir para Austin, no Texas, onde ele fez o doutorado e ela um mestrado em direito internacional. Após concluir em 2009, Carneiro recebeu quatro ofertas de estágios de pós-doutorado e ficou por mais um ano no Instituto de Estudos Avançados de Princeton antes de retornar ao Brasil.
A experiência de morar cinco anos fora do Brasil foi extremamente marcante para o casal, que se adaptou bem, viajou bastante e conheceu pessoas interessantes – além de trabalhar muito. Nos departamentos de Matemática no Texas e em Princeton sempre havia algo de novo acontecendo: seminários, workshops, conferências, presença de pesquisadores visitantes. “Eu ficava impressionado com a vida naqueles lugares. Eram simplesmente fenomenais.” Ele relata que em seu dia a dia podia acompanhar como se desenvolvia a pesquisa em matemática e nas ciências afins, como matemática aplicada e física. “Em Princeton foram realizadas grandes descobertas da nossa era, lá trabalharam pessoas como Albert Einstein, John Von Neumann e Robert Oppenheimer. Estar ali naquele ambiente e poder conversar, ainda que por alguns minutos apenas, com vencedores do prêmio Nobel e da medalha Fields foi bastante especial. Era o paraíso matemático.”
Ao voltar para o Brasil, estava pronto para um novo desafio. Aceitou uma oferta para trabalhar como consultor associado no Rio de Janeiro e em São Paulo de emprego da McKinsey & Company, uma das maiores firmas de consultoria do mundo. “Fiquei um ano e foi uma experiência sensacional. Tive a chance de aprender mais sobre o mundo dos negócios e sobre os diversos setores e funcionalidades das grandes empresas, foi realmente diferente de tudo que eu havia experimentado antes e me deu uma nova perspectiva sobre diversas coisas.” No ano seguinte, no entanto, recebeu uma oferta para uma posição de pesquisador no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), onde está há quase três anos. “Estou muito feliz. Aqui é um lugar mágico, em todos os aspectos.”
Pesquisa em matemática pura
Emanuel Carneiro trabalha em matemática pura, mais especificamente na área de análise harmônica. Descobertas nessa área têm possibilitado avanços significativos na área de telecomunicações (TV digital, celulares, computadores, tablets), na tecnologia dos equipamentos médicos (ultrassonografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada), em compactação e análise estatística de dados, nas áreas de biologia e neurociência (estrutura de proteínas e DNA), dentre outras.
O ponto chave desta área é estudar objetos difíceis, como uma função qualquer, decompondo-o em objetos mais elementares e analisando suas propriedades básicas. Carneiro explica que este é o mesmo princípio por trás da combinação de notas musicais, por exemplo. “Toda vez que tocamos um acorde, o som que ouvimos é uma superposição de sons básicos (harmônicos), e para que o som seja agradável devemos escolher os elementos básicos desta superposição corretamente.”
Este princípio matemático está presente em nosso cotidiano muito mais do que imaginamos. Toda vez que falamos ao celular, o som que emitimos é decomposto em pedacinhos básicos. A maioria deles é jogada fora, pois é irrelevante para o ouvido
humano e seria “caro” enviar tudo, então só os principais são transmitidos. Do outro lado da linha, a pessoa recebe estes pedacinhos essenciais e “remonta” então a mensagem. “O mesmo se pode dizer de qualquer processo de transmissão de imagens e vídeos”, esclarece Carneiro.
Um toque de ciência em tudo
A onipresença da ciência em nossa vida fascina o matemático. “Mesmo que não estejamos sentido sua presença diretamente, tudo que nos rodeia, em todos os momentos, tem um toque de mágica científica”, diz. Nas ciências exatas, a ideia que mais o encanta é a de haver uma verdade absoluta. Carneiro ressalta que um teorema de matemática é verdadeiro porque existe uma sequência de passos lógicos que levam àquela conclusão, e ponto. “Não é aberto a interpretações.”
Lisonjeado por ter sido eleito membro afiliado da ABC, Emanuel Carneiro diz ter uma profunda admiração por diversos dos colegas que são membros titulares. “Gostaria de me engajar em atividades de divulgação científica junto à crianças e adolescentes, pois estes trazem sempre um enorme energia positiva. Já estou envolvido em iniciativas deste tipo com colegas do IMPA e de algumas universidades do país, em função da organização de um evento com grande potencial de divulgação científica e atração de talentos junto à nossa juventude.”
Carneiro também tem interesse em promover a aproximação entre a academia e a indústria. “Quando morei nos EUA, observei que hoje em dia profissionais pós-graduados em ciências básicas têm cada vez mais oportunidades no mercado privado. Um doutor em ciências é reconhecido como um indivíduo com um alto potencial de aprendizado, podendo atuar em diversos tipos de empresas, e dando uma valorosa contribuição.” Ele conta que metade de sua turma de doutorado recebeu ofertas de emprego na iniciativa privada – em bancos, companhias de seguro, fundos de investimento, firmas de consultoria, empresas de tecnologia da informação. “Imagino que o Brasil vá pelo mesmo caminho e será também um prazer colaborar para estreitar estes laços. Sinto o reconhecimento pelo meu trabalho e recebo com muito prazer esta responsabilidade de ser mais um dos embaixadores da ciência em nossa sociedade.”