“Minha infância foi muito rica em amizades e brincadeiras”, lembra Antonio Carlos Bender Burtoloso, químico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mesmo tendo enfrentado dificuldades financeiras em alguns momentos, seus pais – a mãe pedagoga e o pai vendedor – sempre priorizaram a formação escolar dos três filhos, não medindo esforços para lhes oferecer a melhor educação possível.
Antônio era o mais velho e divertia-se montando maquetes de navios e aviões, além do videogame, bolinhas de gude soltando pipa na rua. Também gostava de fazer experiências a partir dos ingredientes que conseguia encontrar, como materiais de limpeza, remédios vencidos ou inseticidas. Os experimentos consistiam em misturar as substâncias, observar a reação e pingá-las em insetos. Fascinado, o menino observava quando tempo os animais resistiam às suas “misturas químicas”. Um dia ganhou de presente um kit de laboratório júnior e passou a ter um contato mais explícito com a química. “Passados alguns anos, estava claro o meu interesse pela pesquisa e realização de experimentos”, conta.
Ao chegar o momento de escolher qual carreira seguir, Antônio estava dividido entre química e biologia. Resolveu, então, prestar vestibular para química na UFRJ, biologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e veterinária na Universidade Federal Fluminense (UFF). “Fui aprovado para os três cursos e, após uma longa reflexão, estava decidido a cursar química. Uma visita às instalações do Instituto de Química da UFRJ me certificou de que eu havia feito a escolha certa.”
Encantando-se pela síntese orgânica
Logo no início da graduação, conheceu a professora Lúcia Cruz de Sequeira Aguiar, que posteriormente se tornaria sua orientadora na área de síntese orgânica. Para a surpresa de Burtoloso, ao final da primeira disciplina experimental – que consistia basicamente em introduzir o aluno às principais técnicas de química orgânica – ela o convidou para ingressar na iniciação científica. Apesar de um pouco inseguro, uma vez que se encontrava no primeiro semestre de seus estudos e ainda não havia cursado nenhuma disciplina teórica de química orgânica, Antonio aceitou o convite. Duas semanas depois, estava trabalhando em um dos maiores e melhores laboratórios de química orgânica e sintética do Rio de Janeiro.
Chefiado pelo professor Paulo Roberto Ribeiro Costa, foi um período importânte em sua formação, eliminando quaisquer dúvidas sobre seu interesse pela pesquisa. Burtoloso também reconhece o valor da convivência estabelecida com a equipe de químicos e estudantes do laboratório. Além de seus orientadores de iniciação científica, ele destaca o professor Warner Bruce Kover como “um grande inspirador e conselheiro”.
Após a graduação, Antônio foi aprovado em primeiro lugar para o mestrado no Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais da UFRJ (NPPN/UFRJ), mesmo local onde havia realizado toda a sua iniciação científica. No final do primeiro ano, sua orientadora sugeriu que Burtoloso passasse diretamente ao doutorado. Ainda que se tratasse de uma proposta no mínimo tentadora, sua ânsia por conhecer outras instituições e diferentes linhas de pesquisa falou mais alto e ele resolveu defender sua dissertação do modo convencional.
O próximo passo foi mudar-se para São Paulo e cursar o doutorado em química na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que já havia visitado através de contato com o professor Carlos Roque D. Correia que, futuramente, se tornaria seu orientador. “Fiquei deslumbrado com os projetos por ele desenvolvidos e com a estrutura da universidade”, recorda Burtoloso.
A escolha não poderia ter sido mais acertada. “Na Unicamp, pude refinar minha formação por meio do convívio com estudantes e professores de alto nível, os quais me acrescentaram e inspiraram muito”, conta, destacando o notável aconselhamento dos professores Ronaldo A. Pilli e Luiz Carlos Dias, membro titular da ABC, durante o processo.
Perseverança recompensada
Em seguida, Burtoloso rumou para o pós-doutorado. Submeteu um pedido de orientação ao professor Kyriacos Costa Nicolaou – cientista grego, residente nos Estados Unidos, que sempre fora alvo da admiração de Burtoloso.Para conseguir a oportunidade de unir-se a seu grupo de pesquisas, precisou enviar cinco cartas de recomendação, todas as suas publicações e um breve resumo de seus estudos no doutorado. No ano de 2006, Burtoloso iniciou seu pós-doutorado no The Scripps Research Institute, na Califórnia. “O encontro com pessoas de diferentes nacionalidades e estilos foi bastante interessante e desafiador. Outro fator que muito me impressionou no grupo do professor Nicolaou foi a presença marcante da crítica e do conflito de ideias – algo que mostrou-se muito proveitoso” relata.
Seu trabalho de pesquisa – o estudo da síntese orgânica – pode ser resumido como a construção de moléculas de maior complexidade a partir de moléculas mais simples. “De forma simplificada, é como um quebra-cabeça no qual cada peça é uma pequena molécula (ou átomo) que será acoplada a outra até chegarmos ao produto desejado, à arte final”, esclarece. Ademais, o campo não se resume à construção de um alvo molecular, mas também ao desenvolvimento de novos métodos para a junção dessas moléculas (ou átomos) entre si. “Muitas vezes, moléculas interessantes e importantes são isoladas de produtos naturais em quantidades muito pequenas, tornando sua obtenção pela fonte natural inviável. É nesse momento que acontece o trabalho do químico orgânico de síntese: ele prepara a mesma molécula/substância em seu laboratório em quantidades muito maiores e significativas”, esclarece o cientista.

Integrando o quadro de membros afiliados da ABC
Atualmente, Burtoloso é professor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC/USP) e atua como pesquisador livre associado no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE). Foi eleito membro afiliado da ABC após indicação realizada pelo Acadêmico João Valdir Comasseto. Muito contente e sentindo-se honrado, Burtoloso considera que a possibilidade de convívio com pesquisadores de alto nível é o maior benefício que pode obter. Em troca, o químico espera poder contribuir com a ABC promovendo uma ampla divulgação científica e buscando atrair mais jovens para o campo, dada a importância da ciência no desenvolvimento de um país.