A sessão de ciências agrárias na conferência Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe 2012, realizada na ABC entre 5 e 8 de novembro, contou com apresentações do coordenador José Oswaldo Siqueira (Instituto Tecnológico Vale-ITV) e de quatro cientistas renomados internacionalmente, que abordaram temas distintos das ciências agrárias e sua contribuição para o desenvolvimento da agricultura brasileira.
Breve histórico da agricultura no Brasil
O coordenador da sessão discorreu sobre os primórdios desta ciência no país, destacando a influência dos europeus e, mais tarde, dos americanos em nossa agricultura. Segundo Siqueira, a agricultura brasileira teve seu inicio logo após o descobrimento do país, mas só ganhou impulso com a decadência da mineração no século XVIII, quando renasceu para garantir o volume das exportações.
Durante muito tempo predominou o pensamento dos especialistas europeus de que somente as regiões de clima temperado poderiam efetivamente alimentar o mundo. Esta talvez tenha sido esta a razão da opção dos portugueses de explorar aqui no Brasil uma agricultura estritamente extrativista e voltada para exportação, estratégia que obrigaria o país a se tornar um importador de alimentos, como de fato aconteceu durante muito tempo.
Para dar sustentação á atividade agrícola para exportação de café, açúcar, cacau e algodão, a partir de 1859 iniciou-se a criação das primeiras instituições de ensino e pesquisa. Foram contratados os primeiros especialistas vindos da Europa e, mais tarde, missões vindas dos EUA.
Siqueira destacou um fato interessante, com relação à soja: ela foi plantada inicialmente na Bahia, mas dado o fracasso do experimento foi levada para Campinas, onde havia sido criada em 1887, por Dom Pedro II, a Estação Agronômica de Campinas, que mais tarde se tornaria o renomado Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que tanto contribuiu para nossa agricultura. Lá foram realizadas as primeiras pesquisas com esta planta, que décadas depois se tornaria o “ouro verde” do Brasil, contribuindo atualmente com quase US$ 20 bilhões em exportações.
O IAC teve uma contribuição fundamental para o desenvolvimento da agricultura nacional, segundo destacou Siqueira, assim como as instituições criadas em período posterior, como a Escola Superior de Agricultura de Lavras, que atualmente está integrada à Universidade Federal de lavras (UFLA) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), hoje parte da Universidade de São Paulo (USP).
A revolução do cerrado
Luiz Roberto Guilherme ressaltou a importância das pesquisas básicas realizadas por dois brasileiros, fundamentais na transformação de terras impróprias para o cultivo no grande celeiro do mundo que é o cerrado brasileiro. Alfredo S. Lopes realizou o primeiro estudo detalhado sobre a fertilidade química dos solos do cerrado, destacando suas limitações ao cultivo e Bernardo Van Raij estudou as propriedades eletroquímicas destes tipos de solo. Van Raij concluiu que as propriedades eletroquímicas de solos intemperizados revelavam atributos importantes para manejo de nutrientes e para entender o comportamento de solutos em ambientes tropicais. Já Lopes revelou, em seu levantamento compreensivo dos solos de cerrado, solos ácidos com deficiência generalizada de macro e micronutrientes, toxicidade de alumínio, alta capacidade de fixar fósforo e baixa capacidade de reter cátions.
Os 50 anos de pesquisa no cerrado deram sustentação ao mais avançado sistema de produção de grãos nos trópicos, um feito inédito no mundo. “A região do Cerrado no Brasil é um exemplo de que através da utilização adequada de recursos e tecnologias para um correto manejo do solo se pode garantir a produção agrícola necessária para que tenhamos segurança alimentar no Brasil e no mundo”, ressaltou Siqueira. Ele destacou ainda os próximos desafios apontados pelo palestrante: melhorar a sustentabilidade e a qualidade da produção agrícola.
Tecnologias próprias para controle biológico de pragas
O Acadêmico José Roberto Postali Parra discorreu sobre o controle fitossanitário na agricultura, destacando que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Isso ocorre, naturalmente, porque as lavouras sofrem grande pressão das pragas que precisam ser controladas para garantir a produção. Mas o palestrante enfatizou os problemas causados pelo uso intensivo dos pesticidas, em especial daqueles de ação sistêmica, e ressaltou a necessidade de um novo modelo tecnológico de produção sustentável que vise aumentar a produtividade levando-se em conta a qualidade de processos e produtos, sem degradação ambiental.
Ele enfatizou o controle biológico de pragas e a importância de se desenvolver tecnologias próprias nessa área. Parra mostrou vários exemplos de sucesso técnico e comercial de biocontrole, destacando outra área na qual a ciência brasileira tem dado grande contribuição. “Para que esta trajetória tenha continuidade, é necessária a continuação de formação da massa crítica em controle biológico, preservando o equilíbrio entre pesquisa básica e aplicada”, ressaltou o Acadêmico.
Agricultura tropical avançada, baseada em ciência brasileira
Luiz Carlos Federizzi iniciou sua palestra dizendo que nos últimos 50 anos o Brasil desenvolveu uma avançada agricultura tropical baseada na ciência e na aplicação do conhecimento cientifico gerado no próprio país. Falou sobre o melhoramento de plantas, uma área essencial para o sucesso da agricultura brasileira, pois foi necessário “tropicalizar” boa parte das culturas de interesse do país, como a soja, que no início só crescia bem no Sul do país. Foram desenvolvidas variedades que se adaptassem bem aos outros climas e condições de cultivo das diversas regiões do Brasil. Federizzi mostrou diversos exemplos de ganhos de produtividade e da ampliação da competência brasileira na área, destacando as mais de dez mil teses e dissertações feitas no país envolvendo as principais espécies de culturas nacionais.
Segundo o relator Siqueira, Federizzi ressaltou as demandas futuras, como a necessidade de formar número suficiente de Mestres e Doutores qualificados; aprofundar a pesquisa para entender melhor a genética, de forma a possibilitar a adaptação a ambientes variáveis /tropicais; implementar melhoramentos na resistência genética das plantas a estresses bióticos e abióticos; intensificar o uso das ferramentas da biotecnologia no melhoramento genético; desenvolver plantas transgênicas com genes de origem brasileira; domesticar e usar novas espécies provenientes da nossa biodiversidade; desenvolvimento de plantas com características nutracêuticas; implementar o melhoramento por “design”, ou seja, plantas sintéticas.
Mitigando as emissões
Robert Boddey abordou a emissão de gases de efeito estufa (GEEs) na agricultura, setor responsável por 26% das emissões brasileiras. As emissões de CO2 pela decomposição do solo representam apenas uma pequena fração das emissões de GEEs associadas à agropecuária: is as maiores emissões vem de pastagens, oriundas do metano originado pela fermentação entérica emitida pelos 200 milhões de cabeças de gado e pelo óxi
do nitroso das excretas, assim como dos combustíveis e energia fóssil utilizados na síntese dos insumos. Qualquer estratégia que diminua o tempo em que o boi fica na pastagem antes do abate pode reduzir as emissões do gado.
Para Boddey, as prioridades para facilitar a mitigação das emissões são a intensificação da produção bovina (carne e leite), a adoção e aprimoramento do sistema de plantio direto e a integração lavoura-pecuária, a recuperação de solos e pastagens degradadas, a substituição, quando possível, dos fertilizantes industriais de nitrogênio pela fixação biológica da substância. Destacou a importância da matéria orgânica no solo e o sistema de plantio direto na palha, hoje adotado em grande escala. “Assim, a agricultura pode ser feita com o mínimo de perturbação física do solo e pode até remover o CO2 da atmosfera- o chamado “sequestro de carbono”, realçou Boddey.
Robert Michael Boddey, Luiz Carlos Federizzi,
Luiz Roberto Guilherme e Jose Roberto Parra

As demandas imediatas para o Brasil se tornar a potência agrícola
De acordo com o relator José Oswaldo Siqueira, hoje o Brasil é destaque internacional no agronegócio e caminha para se tornar o maior exportador mundial de produtos agropecuários. A agropecuária se tornou um setor moderno, dinâmico e de alta tecnologia, que movimenta quase um trilhão de reais por ano, movimentando o comércio, gerando emprego e renda no campo e na cidade. Contribui US$ 100 bilhões por ano em exportações, ajudando o Brasil a pagar a dívida externa e garantindo saldo favorável no balanço de pagamentos, tornando-se importante agente de desenvolvimento econômico e social em diversas regiões.
No entanto, Siqueira observa que existe um passivo social bastante acentuado no campo, em consequência, principalmente, da baixa escolaridade da população que permaneceu na zona rural. Para o Acadêmico, a questão dos grandes produtores versus a agricultura familiar não deve mais ser tratada como uma questão ideológica, mas como uma questão tecnológica e de políticas publicas setoriais.
Em comparação com o resto do mundo, o Brasil tem um bom nível de investimento em pesquisa agrícola: cerca de 1,7% do total investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Mas Siqueira alerta que, considerando a importância do setor para a economia do país e para a oferta global de alimentos e produtos agrícolas, assim como tendo em vista o potencial de expansão do setor, este volume de investimento é muito baixo e insuficiente para um país que pretende se tornar uma potência agrícola mundial. “O país precisa dar a prioridade necessária à ciência da produção agropecuária, área destacadamente multidisciplinar, pois ela poderá ser de grande ajuda para enfrentarmos os grandes desafios do século XXI.”