Leia o artigo do Acadêmico Wanderley de Souza publicado no Jornal do Brasil, que aborda a contribuição da pesquisadora italiana Rita Levi-Montalcini à ciência.
“Cada país tem os seus centenários ilustres. No Brasil, sempre nos lembramos de imediato de Oscar Niemeyer, nosso mais ilustre arquiteto. Na Itália, vamos encontrar Rita Levi-Montalcini que, em 22 de abril último, completou 103 anos em plena atividade intelectual. Uma simples leitura em seu último artigo científico, intitulado “Nerve growth factor regulates axial rotation during early stages of chick embryo development” (PNAS vol 109, February 7, 2012 doi: 0.1073/pnas.1121138109), publicado em fevereiro último nos “Proceedings of the National Academy of Sciences” dos Estados Unidos, uma das revistas científicas de maior prestígio, mostra tanto o nível do trabalho de sua equipe como a fidelidade a um tema de pesquisa que vem desde sua juventude.
Rita, como é conhecida pelos colegas e amigos, nasceu em 22 de abril de 1909 na cidade de Turim, Itália. Ingressou na Escola de Medicina da célebre Universidade de Turim, em 1936. Teve, durante o curso de graduação, a oportunidade de conviver com o célebre histologista italiano Giuseppe Levi, um dos grandes pesquisadores da época e que liderava um grupo pioneiro na área do cultivo de células de diferentes animais e de tecidos fora do organismo, realizando estudos básicos com grande impacto na evolução da pesquisa biomédica. Entre os colegas de Rita na faculdade de Medicina e de estágio destacamos dois outros pesquisadores, Salvador Luria e Renato Dulbecco que, posteriormente, vieram a receber o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia nos anos 1969 e 1975, respectivamente. No laboratório de Giuseppe Levi, Rita estabeleceu amizade com Hertha Meyer, grande especialista em cultura de tecidos formada na famosa escola de Albert Fischer do “Kaiser Wilhelm Institute de Berlin”, que lá se encontrava por estar fugindo da perseguição aos judeus na Alemanha, em 1933. Logo a perseguição à comunidade judaica atingiu também o grupo de Turim, levando a que o próprio Giuseppe tivesse que migrar para a Bélgica. Hertha Meyer foi para o Brasil em 1939 e Rita se deslocou para Florença onde atuou de forma incógnita durante toda a guerra, como médica. Após a guerra, Rita e Giuseppe voltaram à Universidade de Turim e Hertha Meyer se estabeleceu no Rio de Janeiro, primeiramente no laboratório Rockefeller instalado no campus de Manguinhos (1939-1941) e, logo a seguir, no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde trabalhou até seu falecimento aos 88 anos, em seis de setembro de 1990.
Em 1947, Rita recebeu o convite de Victor Hamburger para se estabelecer na Washington University em St. Louis, onde fez brilhante carreira, iniciada como professora assistente, em 1958 e se aposentando em 1977, como professora Titular. Regressou à Itália e fundou o Instituto Europeu para Estudos do Cérebro em Roma e, posteriormente, a Fundação Rita Levi-Montalcini, com forte atuação na área social.
A principal contribuição de Rita para a Ciência e que a levou a receber o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1986, foi a descrição do “Fator de Crescimento Neuronal”, demonstrado pela primeira vez de forma inequívoca em um conjunto de experimentos realizados no Rio de Janeiro, no Laboratório de Cultura de Tecidos do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ em colaboração com Hertha Meyer, no final de 1952. Na sua vinda ao Rio de Janeiro, proveniente de St. Louis, trouxe no bolso do casaco dois camundongos inoculados com células tumorais do tipo Sarcoma, cujas células foram cultivadas e o sobrenadante da cultura usado nos cultivos de neurônios ganglionares do sistema nervoso periférico, cultivados com maestria por Hertha Meyer, usando a técnica da gota pendente. O experimento fundamental foi analisado nos dias 1 e 2 de novembro de 1952 e registrados no diário de Rita. Esta permaneceu no Rio de Janeiro até o início de 1953, participando de forma entusiasta da festa de final de ano na praia de Copacabana. Em todos os seus artigos, bem como no discurso proferido ao receber o Prêmio Nobel, Rita sempre mencionou a importância de Hertha Meyer e dos experimentos realizados no Rio de Janeiro, para a sua descoberta. Além do famoso prêmio, Rita recebeu homenagens de várias universidades e do próprio estado italiano que a nomeou como Senadora Vitalícia. Neste último domingo recebeu os cumprimentos do presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, bem como do presidente da Câmara dos Deputados, Gianfranco Fine. É o reconhecimento de seu país a uma das mais eminentes cientistas que se mantêm ativa tanto na pesquisa científica e na defesa do apoio à Ciência, como na assistência social.”
* Professor Titular da UFRJ. Diretor do Inmetro. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.