Nem a falta de cérebros, nem a carência de boas universidades. O maior vilão dos cientistas brasileiros é a burocracia. Que o diga o Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, há quase sete meses sem um microscópio confocal, usado por cerca de 400 pesquisadores. O aparelho, de tecnologia japonesa e adquirido em junho de 2009, apresentou defeitos em algumas de suas peças dois anos depois, quando ainda estava dentro da garantia. Os acessórios poderiam ser trocados gratuitamente até novembro do ano passado, mas, desde então, os acadêmicos disputam uma batalha inglória contra a Receita Federal, cujas exigências dificultam a reposição do material.

A universidade, que encaminhou o processo para a Receita em julho, pretendia receber as novas peças antes de enviar as defeituosas. Mas, segundo pesquisadores da UFRJ, demorou três meses para o órgão federal afirmar que deveria ser feito o contrário – primeiro as unidades estragadas sairiam do país; depois chegariam suas substitutas.

Indispensável para revistas científicas – As peças velhas foram encaminhadas à Receita em outubro. Mesmo assim, elas ainda não teriam sido remetidas ao exterior até agora. A Leica, fabricante do microscópio, aceitou prorrogar a garantia do equipamento, expirada em 21 de novembro. No entanto, a alfândega só consideraria, para este processo, o contrato original, e não o acordo firmado recentemente entre a universidade e a empresa japonesa. A troca gratuita das peças, portanto, estaria ameaçada.

A UFRJ não divulgou o valor das cinco peças a serem repostas. Para o diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Roberto Lent, o maior prejuízo não é monetário, mas o andamento das pesquisas. “Não temos noção de quando isso será resolvido, ou se teremos de pagar as peças”, lamenta. “A empresa estendeu a garantia, mas, se quiser, terá o direito de cobrar pelas peças. Este é um exemplo claro de como o excesso de burocracia nos impede de ser competitivos internacionalmente. Em outros países, os cientistas têm o material que demandam em 24, 48 horas. Aqui já se passaram seis meses.”

Cerca de 150 orientadores de pós-graduação de unidades como clínica médica, anatomia patológica e farmacologia dependem do aparelho para realizar as pesquisas – além de seus alunos. Embora o equipamento não seja o mais moderno em termos de microscopia, seu uso é “absolutamente indispensável”, segundo Lent, inclusive para a publicação de estudos em revistas internacionais.

O microscópio confocal, diferentemente de modelos mais antigos, capta imagens em 3D de estruturas e eventos biológicos. Com ele, é possível visualizar fragmentos de tecido e até de embriões inteiros sem cortes mecânicos na amostra.

“É um instrumento integrado a nosso cotidiano. Se um artigo científico não tiver ilustrações vindas desse microscópio, nenhuma publicação irá aceitá-lo. Vão mandar fotografar as células estudadas no confocal”, declara o diretor.

Outros equipamentos semelhantes – e mesmo mais sofisticados – estão disponíveis na universidade, mas a disputa por horário neles, assegura Lent, é enorme.

Chefe da Divisão de Administração Aduaneira da 7ª Região Fiscal da Receita Federal, que abrange Rio e Espírito Santo, Paulo Ximenes estranhou a demora no andamento deste processo. Ele, no entanto, acredita que o órgão que representa não é o culpado.

“A Receita não pode autorizar a importação de uma peça sem cobrança de tributos se o material defeituoso não for exportado antes”, lembra. “A empresa contratada pela universidade para cuidar da troca do equipamento deveria saber disso. Ela também pode ter demorado a se inteirar sobre o andamento do processo. Afinal, são vários atores envolvidos em toda esta operação.”

A Aotec Instrumentos Científicos, empresa responsável pela importação das novas peças, não respondeu aos questionamentos do jornal O Globo.