Um cientista é um sujeito curioso, que nunca aceita a primeira versão como a verdade, pois sempre acha que pode haver outras explicações. Assim Marcelo Cohen define o profissional que se tornou: alguém com espírito investigativo, crítico e atento aos mínimos detalhes, nunca desprezando novas possibilidades de resposta.

Sendo o mais velho de cinco filhos, Marcelo sempre ouviu que deveria dar bons exemplos aos irmãos. Lembra-se muito bem de pronunciar palavras erradas e ser corrigido pelos adultos, entendendo desde cedo que as críticas tinham a intenção de acrescentar. Procurou desenvolver, então, atitudes e comportamentos compatíveis com o papel que lhe cabia de irmão mais velho. Era muito estimulado pelo pai para os esportes – praticou judô, natação, basquete, voleibol e tênis – e teve a mãe sempre próxima durante sua infância, repleta de recordações dos livros, séries de TV, desenhos animados e de brincadeiras com irmãos e primas.

No colégio, gostava mais de história, geografia e física. Sempre foi uma criança indagadora e curiosa. Lembra-se de, bem pequeno, ter perguntado à avó quem foi o primeiro humano na Terra. Ela disse que foi Adão. “Perguntei quem eram os pais do Adão e ela respondeu que Deus havia criado Adão. Daí em diante, comecei a perceber que para as perguntas mais interessantes sempre havia uma resposta ligada à religião”, conta Marcelo. Onde começa e termina o Universo? Quando e por que o Universo começou? Foi buscando respostas para esse tipo de perguntas que Marcelo começou a se interessar pelos livros.

Com 17 anos e a responsabilidade de escolher um curso superior, Marcelo sentia afinidade pela área das ciências exatas, então optou pela carreira de engenheiro civil. Porém, quando chegou o momento de fazer a inscrição para o vestibular, o desejo de desenvolver uma carreira científica relacionada às questões ambientais falou mais alto. Assim, ingressou na graduação em geologia na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Logo no segundo período, Marcelo Cohen começou a iniciação científica. “Me tornei bolsista do CNPq aos 19 anos”, relata. No mestrado foi bolsista da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC), depois bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (DTI) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico do Ministério de Ciência e Tecnologia (CNPq/MCT).

Em seu percurso, não identifica um momento em que passou a ser pesquisador. “Acho que sempre desejei isso, essa ideia foi se materializando gradualmente no contato com os professores da graduação em geologia, aos quais agradeço”. Mas uma referência se destaca nesse caminho: o pesquisador argentino Rubén Lara. “Ele trabalhava no Centro de Ecologia Marinha Tropical (ZMT, na sigla em alemão) da Universidade de Bremen, na Alemanha, e coordenava a área abiótica do Projeto Madam”, conta Cohen, explicando que esse projeto era uma cooperação científica entre o ZMT e a UFPA para estudar os manguezais do Norte do Brasil. “Apesar do Rubén não ter sido meu orientador oficial no mestrado nem no doutorado, ele me passou muito estímulo e inspiração científica para prosseguir com minha carreira, através de um doutorado em sua instituição, durante o qual fui bolsista do DAAD, entidade que promove o intercâmbio acadêmico Brasil-Alemanha.”

Quando voltou da Alemanha, tornou-se bolsista de Desenvolvimento Científico Regional (DCR) do CNPq. Em seguida, aos 32 anos, passou no concurso para professor adjunto da Universidade Federal do Pará (UFPA), passando a atuar na Faculdade de Oceanografia e no Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica. Dois anos depois, voltou a ser bolsista do CNPq, através da bolsa de Produtividade em Pesquisa.

Durante 13 anos, portanto, Marcelo Cohen foi mantido por agências públicas de fomento, pelas quais tem o maior apreço e cujo papel multiplicador reconhece. “Essas entidades dão oportunidade para o crescimento científico de estudantes dedicados de forma que, no futuro, eles possam aglutinar outros jovens curiosos e interessados em desenvolver uma trajetória semelhante.”

Cursando pós-doutorado no Laboratório de C14 do Centro de Energia Nuclear da Universidade de São Paulo (Cena/USP), Cohen desenvolve atualmente trabalho voltado para a compreensão dos processos que controlam a expansão e contração de ecossistemas costeiros, como os manguezais, processos estes ligados ao nível do mar e à salinidade da água da maré. Ele explica que a salinidade das águas que inundam nosso litoral é resultante da mistura das águas marinhas com a água dos rios. “O volume de descarga da água fluvial liberada na costa afeta a salinidade das águas da maré. Portanto, mudanças na quantidade de chuva que cai sobre o continente afeta a descarga fluvial na costa e essa, por sua vez, afeta a salinidade da água que inunda o litoral. Dependendo dessa salinidade, haverá expansão ou contração do manguezal”, relata o pesquisador.
Cohen destaca que, além do volume de água escoado do continente para o litoral, é fundamental considerar também as mudanças no nível do mar, pois um aumento deslocará os manguezais para um setor topograficamente mais elevado. “Desta forma, em uma primeira análise, podemos dizer que os manguezais dependem dessas duas variáveis, que estão estreitamente ligadas às mudanças no clima.”

Para acompanhar a dinâmica dos manguezais e vegetações associadas durante os últimos dez mil anos, é necessário extrair colunas de sedimento do fundo de lagos ou de planícies inundadas pela maré. O material amostrado é submetido a uma série de análises, que possibilitam identificar as condições físicas, químicas e biológicas dos ambientes costeiros. Cohen esclarece que estudos dessa natureza têm ajudado a prever não apenas os impactos do aumento do nível do mar nos litorais, mas também a avaliar melhor a frequência e magnitude de determinadas mudanças.

“A flora e a fauna dos ecossistemas aquáticos e terrestres influenciados pela maré são muito sensíveis às mudanças físicas e químicas. Assim, podem ocorrer mudanças importantes na distribuição espacial dos manguezais e na comunidade de organismos que ocupam os estuários”, ressalta o pesquisador. Ele diz que essas alterações já estão se manifestando, com consequências para a economia das cidades que dependem dos ecossistemas costeiros.

Marcelo Cohen explica a dinâmica do trabalho de campo, que exige espírito de aventura: geralmente, para se alcançar o local de amostragem, é necessário um automóvel off-road, barco e algumas vezes até helicóptero. Ele lida com um ecossistema formado predominantemente por lama com muita matéria orgânica, o que torna o caminhar difícil. “As pernas afundam até o joelho. Ficamos sujos de lama, às vezes nos machucamos nos fragmentos de galhos ou com os caranguejos, que se defendem ao verem seu território invadido por estranhos”. À primeira vista, segundo Cohen, o manguezal parece caótico, com muita lama, umidade, insetos e teias de aranha. Mas a missão costuma ser bem sucedida na obtenção das amostras mais representativas possíveis daquele ambiente, como sedimentos, folhas, água e outros.

A segunda parte do trabalho é completamente diferente. Realizada em laboratórios perfeitamente limpos e esterilizados, trata da obtenção de dados extraídos de equipamentos sofisticados e de altíssima sensibilidade. Em seguida, na calma de um escritório, o pesquisador vai refletir sobre o significado daquela informação. “Nesses momentos é que são produzidos os artigos, dissertações e teses que mais tarde são defendidos diante de uma banca e/ou platéia ávida para assimilar criticamente o conhecimento. Cohen associa esse processo a uma lenta gestação, que pode levar anos entre a elaboração do projeto, a obtenção dos recursos, o trabalho de campo, as atividades de laboratório e, finalmente, a redação dos trabalhos e suas publicações. “Esse é um processo que requer paciência e maturidade individual, mas lidar com essa constante e imprevisível aventura profissional mantém a mente sempre obstinada e o espírito jovem”, ressalta o cientista.

O geoquímico destaca uma característica que considera fundamental num cientista: a imparcialidade na tomada de decisões, assim como nos julgamentos de hipóteses e teorias. “Os pesquisadores são formadores de opinião e por isso devem sempre procurar cautela e respaldo científico atualizado, contendo seu ímpeto natural pela manifestação de suas opiniões pessoais e algumas vezes embasadas em suas emoções e vaidades. Para tanto, ele precisa ser extremamente racional”, diz Cohen.

O Membro Afiliado da ABC acha que o interesse por ciência é natural do ser humano, o que não significa que todos queiram ser cientistas. “Um arquiteto pode se maravilhar com o estudo do espectro das ondas eletromagnéticas – coloquialmente chamadas de luz – que produzem diferentes cores, dependendo do tipo de vidro sobre o qual incida. Ele não precisa ser físico para apreciar esse fenômeno”, argumenta Cohen. A escolha de uma profissão, a seu ver, engloba outras questões mais pessoais, como cultura, sensibilidade, afinidade, experiências familiares etc. “Enfim, trata-se de uma decisão que deve ser tomada na mais profunda intimidade de cada indivíduo, baseada em percepções muito particulares.”

Apesar de recém ingressado na ABC, Marcelo Cohen conta que já teve a oportunidade de acompanhar debates interessantes. “A ABC, juntamente com outras instituições que agregam professores, pesquisadores e demais profissionais tem, entre outros objetivos, a missão de estimular e debater o destino da ciência em nosso país”, afirma Cohen. Ele acha que a Academia é o espaço ideal para a interação entre os cientistas, que têm liderança nas universidades e centros de pesquisa, e os políticos das áreas de ciência, tecnologia, inovação e educação. “Esse diálogo é fundamental para que haja compreensão entre as partes. Eu vejo a ABC e os pesquisadores trabalhando para o crescimento mútuo, em prol da ciência do Brasil.”