No dia 14 de julho, o Acadêmico e doutor em Microbiologia Isaac Roitman participou de uma mesa-redonda com o físico Ildeu de Castro Moreira e a doutora em Educação Isabel Martins, durante a 63ª Reunião Anual da SBPC. A partir do tema “O desafio da educação científica básica – dos currículos mínimos aos programas de difusão científica”, os participantes fizeram uma contextualização da importância da educação em ciência.

Dando início à mesa-redonda, Roitman afirmou que, atualmente, a ciência é o melhor caminho para se entender o mundo, explicando que a educação científica, somada à educação social e ambiental, dá oportunidade para que os jovens explorem e entendam as dimensões humanas e sociais. “A educação científica desenvolve habilidades, define conceitos e conhecimentos, estimulando o jovem a observar, questionar, investigar e entender de maneira lógica os seres vivos, além de incentivar a criatividade”, disse o Acadêmico.

De acordo com o professor da UnB, a iniciativa da educação científica não é nova – educadores do século passado já tratavam do assunto. Roitman afirmou que a educação científica no Brasil começou de cabeça para baixo.”Em vez de começarmos com as crianças, no ensino fundamental e ensino médio, ela teve início nos anos 50 com a criação, pelo CNPq, do programa de Iniciação Científica, para estudantes de graduação. Como quem fazia curso de graduação era a elite, fizeram um programa para a elite”.

Roitman admite, no entanto, que o programa do CNPq, que começou com poucas bolsas, é realmente a base de todo o desenvolvimento da educação científica. Ele apresentou o panorama atual do programa: são atendidos 72 mil estudantes universitários, sendo que 30 mil são voluntários, o que mostra que a Iniciação Científica é boa e dá uma diferenciação na formação do estudante, conforme comentou o palestrante.
Após o desenvolvimento deste programa, começou a haver, recentemente, o interesse por experiências de Iniciação Científica no ensino médio, que ainda são pequenas e pontuais. O Acadêmico destacou o Programa de Vocação Científica (Provoc) do Instituto Oswaldo Cruz como exemplo, que trata da educação científica na área da saúde. “Os participantes desse programa tiveram sucesso na carreira acadêmica”, informou Roitman. Ele também citou outras experiências importantes, como a que é conduzida pelo professor e Acadêmico Leopoldo de Meis, no Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

Em 2003, foi criado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) o Programa de Iniciação Científica Júnior, conhecido também como PIBIC Júnior. O foco são estudantes do Ensino Médio e o programa, presente em todos os estados brasileiros, distribui cerca de oito mil bolsas através do CNPq e de algumas fundações de amparo à pesquisa. “Estudantes de baixa renda são estimulados por esse programa, que também prioriza a interiorização”, declarou Roitman.

O Acadêmico informou que, em 1998, foram estabelecidos os parâmetros curriculares nacionais, determinando o ensino das Ciências Naturais da 5ª à 8ª série. Segundo Roitman, busca-se que o estudante possa compreender a natureza como um todo dinâmico e o ser humano como agente de transformações do mundo em que vive, além de entender a ciência como um processo de produção de conhecimentos e uma atividade humana e histórica. No entanto, a despeito de sua importância, do interesse que possa despertar e da variedade de temas, o ensino de Ciências Naturais tem sido frequentemente conduzido de forma desinteressante e pouco compreensível.

Roitman defendeu que a inclusão de ciências desde o Ensino Fundamental deve ser associada a uma política de formação de docentes, de modo que eles se sintam seguros e possam propiciar aos alunos aprendizagens significativas. “As professoras ainda não dominam a ciência para ensiná-la”. Ele mencionou que os desafios para se fazer um ensino de ciência de qualidade são muitos, entre eles: formação de docentes, formação continuada, ambientes para experimentação e desenvolvimento pedagógico (que está relacionado à interdisciplinaridade, produção de materiais didáticos e outras questões).

Segundo Roitman, estão sendo conduzidas algumas experiências que constroem um bom modelo de ensino de ciência. Ele citou o projeto ABC na Educação Científica – Mão na Massa, desenvolvido intensamente em vários estados, o projeto Ciência, Arte & Magia, da Universidade Federal da Bahia, entre outros. Ele disse que um instrumento importante associado a esse ensino é a divulgação científica, e mencionou como exemplo a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, as reuniões da SBPC, os museus e centros de ciência, as feiras de ciência, o teatro científico e a divulgação pela internet, jornais, revistas, televisão e rádio.

Já o físico Ildeu de Castro Moreira afirmou que, embora a reunião da SBPC seja um momento importante de atuação, é necessário agir o ano inteiro. “A questão da educação não é central na sociedade brasileira. Tem crescido, mas ainda não é o suficiente. Temos que aprimorar o que achamos que é importante fazer: por exemplo, precisamos de 10% do PIB na educação, mas temos que saber o que fazer com esses recursos”. Moreira disse que isso deve ser discutido com os educadores e jovens.

Segundo o palestrante, o desafio é aproximar a educação formal da não-formal, mencionando a necessidade de expansão e aprimoramento dos espaços científico-culturais e da atualização dos professores e estudantes, aproveitando a mídia e a internet. “Estamos todo o tempo absorvendo informação pelos meios de comunicação, então a educação se processa constantemente”, disse Moreira.

Ele citou um artigo da revista norte-americana Science, que valoriza o grande crescimento da ciência brasileira e afirmou que houve, de fato, políticas públicas incentivando a área. Ildeu afirmou que, no entanto, ao se analisar os números fica evidente um contraste com a questão da educação científica. “O Brasil é o único país entre os emergentes sem universidades “top”, está em 88º lugar no ranking de educação da Unesco e os índices do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) de 2009 nos coloca nas últimas posições.”

Moreira citou alguns desafios e propostas da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI): melhorar a qualidade da educação desde a primeira infância, de modo que isso se reflita na inclusão social, saúde e outras questões; fazer maiores investimentos em educação e cobrar mais a valorização do professor, reforçando o papel das instituições públicas de ensino superior na sua formação. Além disso, é necessário criar novos centros e museus de ciência. “Enquanto a Índia tem 300 planetários, o Brasil tem 30”, comparou o físico. “Temos que colocar mais museus no interior e nas periferias das grandes cidades, usando a educação para diminuir as desigualdades do país”.

A presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec), Isabel Martins, falou que investimentos importantes têm sido feitos em relação à educação em ciências. “Temos hoje 60 programas de pós-graduação em ensino em ciências em todas as regiões do Brasil. São 885 docentes e 6039 alunos”, informou a professora da UFRJ. Ela disse que o crescimento da área proporcionou a cooperação nacional e internacional e realizou experiências de divulgação científica e popularização da ciência.

Segundo a palestrante, a realidade social também é uma preocupação, então é necessário produzir conhecimento científico vinculado a propostas de mudança social. “Não adianta falar da melhoria da educação se os professores não têm um salário digno nem plano de carreira e se as crianças não têm escola em tempo integral”, declarou, complementando que, ainda assim, a valorização do professor é uma questão bem mais ampla, indo além do salário. Ela também falou que um desafio é promover a cooperação e colaboração entre cientistas, educadores, pesquisadores e professores da educação básica e superior, de modo que todos discutam visões de educação e suas finalidades. “Um caminho para construir esse diálogo é a alfabetização científica.”

Segundo Martins, esse conceito está relacionado à necessidade de se conhecer ciência, a sua natureza, suas aplicações no cotidiano, seus riscos e benefícios. Várias dimensões estão ligadas à alfabetização científica, como a cívica, pessoal, cultural e crítica. “Uma pessoa não pode assumir toda essa responsabilidade, por isso se fala em alfabetização científica distribuída. Assim, é potencializada a força do grupo social e a integração entre as pessoas.”

De acordo com a doutora em Educação, é necessária uma consciência da relação que o mundo da ciência tem com o mundo do cotidiano. “A pessoa precisa pensar no quanto ela gasta de água no banho, se ir a pé ao trabalho economiza energia, entre outras questões. Também estamos precisando de gente que nos ajude a pensar o que significa ser cidadão nesse mundo globalizado.”

Para a professora, a convicção racional não é suficiente para promover mudanças de atitude: “Se fosse assim, não teríamos problemas com obesidae, tabagismo ou gravidez precoce. Existem dimensões emocionais e afetivas muito negligenciadas quando se fala em ensino de ciências”. Ela afirmou que, por trás dessa discussão, ainda existe o grande desafio da interdisciplinaridade. “É preciso analisar como é possível pensar todo o conhecimento de ordem histórica, ética e moral, bem como científica, para compreender e agir de maneira responsável”.