O Acadêmico Roberto Lent foi o contemplado deste ano com o prêmio oferecido pelo CNPq, que leva o nome do ornitopatologista – especialista em doenças de aves – de renome internacional e grande divulgador de ciência José Reis, fundador da revista Ciência e Cultura da SBPC e colunista de ciência da Folha de S.Paulo até o seu falecimento, em 2002.

O prêmio

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concede anualmente o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica aos indivíduos ou instituições que tenham contribuído significativamente para a formação de uma cultura científica em nosso país e por tornar a CT&I conhecidas do grande público.

Entre instituições, jornalistas e outros cientistas, a qualificada e criteriosa Comissão Julgadora já agraciou com este premio os Acadêmicos Ernst Hamburger (1993), Ângelo Machado (1994-5) e Vanderlei Bagnato (2004).

O Prêmio José Reis é entregue na Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde o agraciado ministra palestra sobre sua contribuição para o conhecimento público da CT&I. Na foto, Roberto Lent recebe o prêmio das mãos do presidente do CNPq, Carlos Alberto Aragão (à esquerda) e do ministro Sergio Rezende, (no centro).

O premiado

Neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Lent atua na divulgação científica para adultos e crianças, com livros publicados para ambos os públicos. Entre 2004 e 2005 escreveu uma série de cinco livros infantis sobre Neurociência, intitulada Aventuras de um Neurônio Lembrador. Em 2006 fez o roteiro de uma série de histórias em quadrinhos, com o nome de As Aventuras de Zé Neurim.

Em 1982 fez parte do grupo que criou a revista Ciência Hoje e em 1986, a Ciência Hoje para Crianças. Em 2002 abriu a editora Vieira & Lent Casa Editorial, que publica títulos de destacados pesquisadores brasileiros.

É professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Recebeu o Prêmio para Popularização da Ciência da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, 2007); o Prêmio Especial do Festival de Cinema e Vídeo Científico do Mercosul pela série de inserções publicitárias A Ciência vale a Pena, em 2006. Foi homenageado também com a Menção Honrosa do Prêmio Jabuti pelo livro Cem Bilhões de Neurônios, em 2003, além da comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000.

Apresentação na SBPC 2010

Roberto Lent iniciou sua palestra na 62a Reunião Anual da SBPC, realizada em Natal, no Rio Grande do Norte, ressaltando os atores envolvidos na divulgação científica. Conhecendo-os, os cientistas, jornalistas e comunicadores em geral podem cobrar as ações necessárias. Tais profissionais teriam atuação complementar, dadas as diferenças entre as suas profissões. “Enquanto o cientista se aprofunda nos temas estudados, dedicando um tempo longo de produção, com alta precisão dos dados, uma abordagem objetiva e uma linguagem hermética, o jornalista poderia difundí-los, democratizá-los com linguagem acessível e abordagem metafórica, dinâmica”, exemplificou.

Lent colocou em questão a qualidade do ensino básico brasileiro. “Ao contrário da ciência, que cresce a cada ano, a educação patina”, afirmou. “Isso põe em risco a sustentabilidade desse processo virtuoso do país com relação à ciência”. Entre os países avaliados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês), o Brasil tem o mais baixo percentual de jovens que atingem o ensino superior, enquanto a performance de alunos brasileiros de 15 anos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) foi considerada a pior, muitíssimo abaixo da média da OECD”, lamentou. “Como vamos manter um crescimento científico se não encontrarmos cientistas de destaque na população jovem de hoje?”, indagou.

O pesquisador ressaltou que as Olimpíadas de Matemática ajudam, mas por si só não resolvem o problema. “Quantos potenciais cientistas se perdem pelos recônditos mais distantes do país por falta de oportunidade?”, questionou Lent.

Em busca de medidas estruturantes

Para que a ciência falada e praticada pela população brasileira fosse tão presente quanto o futebol – uma proposta que chama de Utopia 2010 -, Roberto Lent fez uma série de sugestões. Defendeu a federalização da educação básica, ação que incluiria a manutenção das escolas e entregaria ao governo federal a administração dos salários.

Propôs o turno único em todas as escolas, com professores presentes em tempo integral, e a duplicação do espaço físico para acomodar todos alunos, já que hoje se revezam em dois ou três turnos no esmo prédio. A qualificação dos professores deveria passar por uma equiparação salarial aos professores assistentes das universidades, além da distribuição de bolsas aos professores interessados em cursos de pós-graduação.

O programa nas escolas deveria incluir atividades extracurriculares. Assim, na parte da tarde, as crianças se dedicariam aos esportes, às artes e à iniciação científica. Tais atividades, evidentemente, exigiriam maior aplicação de recursos para prover a infraestrutura e a alimentação. “Mas é a coisa mais importante a fazer no país nesse momento, portanto, vale o investimento.””

Lent também sugeriu a integração das instituições públicas de ensino. “As universidades poderiam adotar as escolas de ensino básico, oferecendo programas de extensão, estágios e pesquisas das mais diversas naturezas, promovendo a interação dos alunos das universidades e das escolas.”

Como um projeto de divulgação científica pode se transformar em um projeto de pesquisa?

Depois de publicar o primeiro livro Cem Bilhões de Neurônios, Lent ouviu da recém-doutora Suzana Houzel – hoje sua colega de trabalho – a seguinte pergunta: “Qual é a evidência científica de que o número absoluto de neurônios seja realmente 100 bilhões?” Para responder, Lent promoveu o projeto de pesquisa “Quantos bi?“, que permitiu o mapeamento do cérebro a partir da “dissolução” do tecido cerebral, que resulta numa “sopa” de núcleos celulares. Contando os núcleos e multiplicando o número encontrado pelo volume ocupado, o resultado é uma estimativa de 85 bilhões de neurônios. Ao comparar essa estimativa com a equação de escala dos primatas, o grupo de pesquisa encontrou total compatibilidade.

Essa pesquisa levou a algumas conclusões interessantes: o cérebro humano tem 10% a menos de neurônios do que o estimado; o cérebro humano não é excepcional, apenas o que se deveria esperar de um primata grande. Ao nome do livro, Lent acrescentou uma interrogação: Cem bilhões de neurônios?. “Isso é ciência”, arrematou Lent, “a verdade de hoje não é a verdade de amanhã…”.

A seguir, defendeu a divulgação científica. “É um instrumento crucial para a democracia e a cidadania”. Reconheceu que houve um crescimento da área no Brasil, mas que ainda estaria longe do necessário. “Ela deve ser considerada obrigatória nas instituições científicas, universitárias ou não”, reivindicou. Ainda sugeriu a criação de um curso de pós-graduação destinada à difusão científica. “Por admitir formatos variados, ela também pode originar pesquisas científicas”, concluiu.

O media training teve sua importância realçada por Lent. “Estimular alunos de carreiras científicas a se prepararem para o contato com o público e com a mídia é fundamental. Não adianta só conhecer, tem que saber transmitir o conhecimento, comunicá-lo”, argumentou. Criticou as TVs universitárias e educativas no país por sua pouca visibilidade. Ainda lamentou a não realização de outros projetos: “Tentamos emplacar o projeto Minuto da Ciência na Globo, mas não foi considerado viável”.

Com relação aos museus de ciência e espaços similares, Roberto Lent afirmou que no Brasil se restringem a 30, enquanto na China chegam a 300. “Essa falta de acesso à informação de qualidade, apresentada de forma lúdica ao estudante, reforça a desigualdade de oportunidades educacionais”. Para melhorar esse contexto, em seu ponto de vista, é necessário um programa de Estado, “que perpasse os partidos e seja endossado pela população. Só assim despertaremos o interesse dos políticos pela divulgação e promoção da Ciência”, concluiu.