O Acadêmico Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, (UFMG), tratou da interação parasita-hospedeiro, dentro do Simpósio Como mudou Nossa Visão do Mundo – Darwin e a Origem das Espécies, coordenado pelo vice-presidente da Região Sul da ABC, Francisco Salzano, durante a Reunião Magna de 2009, na tarde de 5 de maio.

Pena explicou que nos sistemas parasita-hospedeiro, dois organismos com informação genética muito diferente vivem juntos, freqüentemente um dentro do outro, ocasionalmente célula dentro de célula ou mesmo genoma dentro de genoma. “Entre parasitas e hospedeiros existe uma co-evolução. Parasitas estão constantemente evoluindo para maximizar infectividade e otimizar virulência. Os hospedeiros têm de evoluir rapidamente para minimizar infectividade e virulência dos parasitas”, esclareceu o Acadêmico.

Os parasitas são arquitetos do genoma humano – o da malária, segundo Pena, foi um agente que influenciou tremendamente sua formação. Mas o cientista optou, porém, por falar sobre outro parasito: o barbeiro transmissor da doença de Chagas, dado que 2009 também é o ano do centenário de Carlos Chagas. Darwin, em sua passagem pela América do Sul, pode ter contraído a doença. Em texto assinado por ele,ao passar pelo Chile, há um trecho que diz: “Dormimos no vilarejo de Luján, que é um lugar pequeno e cercado por jardins e forma a parte cultivada mais austral da província de Mendoza; está localizada a cinco léguas ao sul da capital. À noite, sofri um verdadeiro ataque (pois este é o nome que merece) de benchucas, uma espécie de Reduviídeo, o grande percevejo preto dos Pampas“. Quando voltou para a Inglaterra, após um possível período de incubação, Darwin começou a ter sintomas digestivos e acabou morrendo de insuficiência cardíaca congestiva.

“É impossível provar, mas o episódio relaciona os dois Carlos em 2009. A Regional de Minas Gerais e Centro-Oeste da Academia Brasileira da Ciências promoverá nos dias 26 e 27 de novembro, no campus da UFMG, o evento 2009:Annus Caroli, em homenagem aos dois Carlos: Charles Darwin e Carlos Chagas”, anunciou Sérgio Pena.

O Trypanosoma Cruzi, que causa a Doença de Chagas é um parasita humano há apenas 15 mil anos, embora exista há 600 milhões de anos. “O parasita só conheceu o homem quando ele chegou às Américas, o homem é um acidente na história de vida do Trypanosoma Cruzi“, apontou Pena. Os europeus, que chegaram no Brasil em 1500 e os africanos, que chegaram em 1550, tiveram ainda menos contato com o parasita, o que mostra que ele teve muito pouca influência sobre a evolução humana, destacou o pesquisador.

O trabalho de Carlos Chagas foi provavelmente o mais bonito trabalho científico realizado no Brasil. O cientista descreveu a doença, o parasita, o vetor, o ciclo de vida, só o que ele não descreveu foi a cura, nem nós a descobrimos até hoje.

Em 1909, Chagas descreveu a doença como uma doença parasitária, com um parasita único, uma forma única de transmissão (vetorial) e era uma doença única. Quanto ao primeiro aspecto, ao se observar um paciente com a doença crônica de Chagas não se encontra o parasita por microscopia em lugar nenhum, apenas com metodologia molecular. Atualmente, já se sabe também que os parasitos localizados no esôfago são diferentes dos localizados no coração, o que contraria o segundo aspecto afirmado por Chagas.

A Acadêmica Bianca Zingales e pesquisadores da Fiocruz descreveram duas grandes linhagens filogenéticas do parasita, o T.Cruzi 1 e o T.Cruzi 2, na década de 90. Em 2006, o grupo de Sérgio Pena propôs a existência do T.Cruzi 3, a partir de suas observações e análises. “Até hoje encontramos três grupos e a formação de híbridos do tipo 2 com o tipo 3. Pode ser que existam outros que ainda não identificamos”, apontou Pena.

Segundo Zingales, o T.Cruzi 1 no ciclo silvestre parasita marsupiais e o T.Cruzi 2 no ciclo silvestre parasita mamíferos, especialmente primatas e também tatus. “O esperado é que as infecções humanas fossem do tipo 2 na sua maior parte, do tipo que infecta primatas. Em nosso laboratório desenvolvemos uma estratégia molecular para fazer a tipagem do T. Cruzi 1 e 2 no tecido do hospedeiro, que comprovou que todas as cepas estudadas no Brasil e Argentina são realmente do tipo 2.”

Pena explicou que o parasito que está no sangue do paciente não é necessariamente o que está no tecido. O ser humano é parasitado por um enxame de Trypanossomas, porque os barbeiros se alimentaram do sangue de diversos animais silvestres e de diversas pessoas. “Durante o processo de evolução o número de clones é reduzido pelo fato de que alguns deles são incapazes de sobreviver no homem. Quando se faz a hemocultura, selecionamos apenas as espécies que são adaptadas a viver em cultura, pois algumas bactérias não são cultiváveis”. Com experiências feitas por membros de seu grupo, Pena mostrou que a genética do parasito é tão importante quanto a genética do hospedeiro, pois há uma interação entre ambos.

Outro aspecto estudado por Pena e outros pesquisadores que expande a proposição inicial de Chagas é sobre o modo de transmissão da doença – vetorial, no caso – ser única. Já foram identificadas transmissões ocorridas por transfusão sanguínea, transmissões congênitas, acidentes laboratoriais e transmissão oral, atualmente a mais comumente encontrada. “Daí a necessidade de entendermos a ecobiologia do Trypanosoma cruzi e, para tanto, é preciso entender a ecobiologia dos vetores da doença.

Também a afirmação inicial de Chagas de que esta seria uma doença única já evoluiu. Já foram identificadas diferentes formas clínicas da Doença de Chagas: a aguda e a crônica, sendo que as formas crônicas podem ser cardíaca, digestiva, cárdio-digestiva ou de uma forma indeterminada. “Não sabemos ainda se o indivíduo que tem a forma indeterminada vai manifestar sintomas em algum momento da sua vida ou não”, observou Pena.

Conhece-se hoje também a variação geográfica na prevalência das formas clínicas e morbidade da Doença de Chagas. As patologias digestivas predominam no Brasil central e no Chile, mas são raras na Venezuela e América Central. A transmissão congênita é rara em Minas Gerais, mas muito mais comum no Chile, na Argentina e no sul do Brasil.

“A Doença de Chagas na Amazônia parece ter formas agudas graves e formas crônicas menos severas”, informou Pena. Embora seja dito que isso é determinado pela genética do parasito e pela genética do hospedeiro, Pena avalia que quando se vê variação regional ou populacional de alguma característica humana ela não é da genética humana, porque a variação individual é muito maior do que a variação populacional nesses casos.

Pena comparou a Doença de Chagas à lenda indiana dos cegos examinando um elefante. O que pegou a tromba viu uma cobra; o que pegou a presa viu uma lança, o que pegou a orelha viu um leque. “Cada um viu uma coisa e nenhum deles viu o elefante”, apontou o pesquisador.

Ele avalia que a Doença de Chagas se complicou, se tornou multifacetada. “A comunidade científica tem sido incapaz de lidar com isso, porque a metodologia científica que conhecemos, de isolar fatores variáveis e estudar uma coisa de cada vez é impossível de ser aplicada a interações parasita-hospedeiro, que são complexas. Temos um elefante com que lidar”.

Alguns grupos dizem que é o parasito que causa a doença, outros dizem que é a inflamação, outros dizem que é a auto imunidade ou outro tipo de imunopatologia . Pena considera que talvez seja necessário desenvolver uma nova forma de trabalhar, “para estudar diretamente o elefante. E é esse conjunto que pretendemos visualizar no evento que estamos organizando, o Annus Caroli.