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Maria Fátima Grossi: inovações em biotecnologia para a agricultura

A Acadêmica Maria Fátima Grossi de Sá durante a 74ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

Nesta quarta-feira, 27 de julho, acontece o terceiro dia de atividades da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). A membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisadora da Embrapa Maria Fátima Grossi de Sá ministrou uma conferência sobre ativos biotecnológicos aplicados a pragas em culturas relevantes para o agronegócio, que foi coordenada pelo também Acadêmico Carlos Frederico Menck

Controle de pragas na agricultura brasileira 

Não é novidade que o agronegócio é a atividade de maior destaque da economia brasileira, e uma das grandes razões para o país manter uma balança comercial positiva. Em 2020, esse setor foi responsável por 26% do PIB nacional, e a necessidade de aumentar a produção deve se manter com o vertiginoso crescimento da população mundial. Entretanto, os impactos ambientais que essa atividade gera também são conhecidos, sobretudo quando avança sobre áreas protegidas ou realiza uma aplicação indiscriminada de agrotóxicos. Conciliar essas duas necessidades conflitantes é um dos mais importantes desafios do país para o século XXI. 

De acordo com a Food and Agriculture Organization (FAO), pragas agrícolas são responsáveis pela perda de 40% da produção mundial todos os anos, e seu controle gera um custo anual que gira em torno de 70 bilhões de dólares. A forma mais utilizada para controlar esse problema são os pesticidas, mas não sem consideráveis problemas colaterais. A organização estima que 64% da agricultura mundial esteja em risco de poluição por esses ativos. “Há a necessidade urgente de novas alternativas”, sumarizou Grossi. 

Mas para que essas alternativas se concretizem, é preciso muita ciência e tecnologia. A Acadêmica faz parte do INCT PlantStress Biotech, um dos 11 INCTs focados no desenvolvimento de inovações para a agropecuária. Esses institutos atuam no desenvolvimento de moléculas e também na criação de cultivares geneticamente modificados, visando aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais. 

O caso do bicudo-do-algodoeiro e RNAs de inteferência 

O Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de algodão, cuja produção se concentra, principalmente, nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia. Cerca de 96% do algodão brasileiro é geneticamente modificado, muito acima da média mundial, e, mesmo assim, 25% dos custos produção vão para o controle de pragas. 

Um dos maiores vilões é o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), um pequeno besouro capaz de destruir 70% da colheita em uma única safra. Ainda não existem cultivares resistentes ao bicudo, cujo controle acaba dependendo inteiramente de pesticidas. “Estamos utilizando hoje praticamente as mesmas toxinas usadas há 20 anos atrás”, conta Fátima Grossi. Essa situação gera um contínuo aumento na resistência desses insetos, que são combatidos pela utilização cada vez maior de agrotóxicos. 

Uma tecnologia promissora que vem sendo testada pelos INCTs é a de RNAs interferentes (RNAi), que são pequenas sequências de RNA que atuam no silenciamento de genes, e podem ser utilizadas para alterar diferentes mecanismos fisiológicos do inseto. Por serem moléculas naturalmente presentes nos seres vivos, esses RNAs são muito menos tóxicos para os seres humanos e para o meio ambiente. 

Os RNAi foram descritos apenas em 1998, e as pesquisas sobre suas aplicações ainda são muito recentes. “Até a regulação ainda é pouco desenvolvida”, explica Grossi, o que gera uma série de inseguranças jurídicas, sobretudo quanto à caracterização ou não de cultivares que internalizem essa tecnologia como geneticamente modificados. “Isso é crucial para a utilização em mercados como o europeu, que são muitos resistentes a organismos transgênicos”, explica a Acadêmica. 

Mas a maior parte da aplicação dos RNAi ainda é feita de forma tópica, ou seja, borrifados no exterior das plantas. Esse tipo de abordagem gera uma série de problemas, principalmente pelo fato dessas moléculas serem muito frágeis e facilmente degradadas pelo ambiente, pelos insetos ou mesmo pelas próprias plantas. No caso do bicudo-do-algodoeiro ainda existe uma complicação adicional, que é a variação de pH entre as diferentes partes do sistema digestivo do besouro, trazendo problemas para a solubilidade dos ativos. “Estamos testando diferentes estratégias, como a utilização de RNAs dupla-fita, o englobamento das moléculas em nanopartículas de lipídio, além do estudo da variabilidade genética dos insetos alvos para construirmos moléculas cada vez mais específicas”, contou a palestrante. 

Esse caso é elucidativo para mostrar como o investimento em ciência é crucial para o desenvolvimento de novas abordagens para problemas antigos, gerando soluções inovadoras e sustentáveis. Só através da pesquisa seremos capazes de aumentar a produtividade, ao mesmo tempo em que reduzimos impactos e custos desse importante setor da economia nacional. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

O Brasil está preparado para outra pandemia?

No terceiro dia da 74ª Reunião Anual da SBPC (27/7), uma pergunta ecoava no anfiteatro 10 da Universidade de Brasília (UnB): “O Brasil está preparado para outra pandemia?“. Este foi o título da palestra do epidemiologista Pedro Hallal, que trouxe à tona os principais erros do governo no enfrentamento à covid-19 e o que esperar da ciência brasileira em futuras pandemias. A moderação foi da Acadêmica Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, geneticista que atua no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

Hallal foi membro afiliado da ABC durante o período de 2008 a 2013. É doutor em epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde atuou como reitor entre 2017 e 2020. Coordena o programa Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.  

Conhecimento científico x vontade do governo 

Segundo Hallal, se depender das universidades, o Brasil está muito bem preparado para uma próxima pandemia. O país conta com 96 programas de pós-graduação em saúde coletiva, mais de 55 acadêmicos e 41 profissionais capacitados para produzir conhecimento específico na área. “A universidade não é lugar de balbúrdia e sim um espaço com ampla capacidade de produzir ciência, tecnologia e inovação”, apontou o pesquisador. Atualmente, as universidades públicas concentram mais de 90% da produção nacional de conhecimento. 

Embora tendo um amplo sistema de pesquisa, profissionais qualificados e instalações clínicas capazes de prestar uma boa assistência num primeiro estágio de infecção, o Brasil não soube lidar com a pandemia. As vantagens eram muitas, especialmente quando comparado com outros países. Hallal ressaltou que em grande parte do Brasil existe pelo menos uma Unidade Básica de Saúde (UBS) próxima da residência de cada brasileiro; já em alguns países da Europa, como a Itália, os centros de tratamento de covid-19 ficavam concentrados em determinadas regiões, levando a população a realizar longos deslocamentos e, consequentemente, aumentar a disseminação do vírus. 

O cientista apontou que o maior erro na condução da pandemia no Brasil foi escolher criar uma “fantasia coletiva”, sem embasamento nos conceitos da epidemiologia. “O governo tinha a inteligência epidemiológica a seu favor, mas não soube valorizar.”

Professor da UFPel, relaizando pesquisa em epidemiologia há mais de 40 anos, Hallal enumerou algumas das técnicas recomendadas, como por exemplo a testagem massiva da população e o rastreamento de contato – prática de vigilância viral na qual, após testar positivo, o paciente é entrevistado pelo médico e lista todas as pessoas com quem entrou em contato nos últimos dez dias. Essas pessoas são devidamente isoladas e testadas. Para Hallal, a pandemia foi tratada sob um olhar clínico e não populacional, indo na direção contrária ao recomendado pela epidemiologia. 

Os reflexos da pandemia nos dias de hoje 

A covid-19, segundo Hallal, não foi uma doença democrática, a começar pela forma como chegou no Brasil: pelos aeroportos. O país já possuía um grande quadro de desigualdade social que foi acirrado pela pandemia. Na pesquisa que resultou no fim do investimento do governo na Epicovid-19, Hallal mostrou que pessoas indígenas tinham de 4 a 5 vezes mais chance de contrair a doença e morrer do que a população branca. “Além de todas as questões que o governo já tinha com a população indígena, havia também um descuido por conta da ausência de políticas públicas que fornecessem assistência a essa população”, explicou. “Mostramos que não era uma questão genética e sim de desigualdade social.” 

Vinte e oito meses após o início da pandemia ser decretado no Brasil, os dados assustam até mesmo os médicos menos otimistas: a taxa de mortalidade nacional é de 3.159 brasileiros a cada milhão. “O índice nacional é quase quatro vezes maior do que a taxa mundial – 807 cidadãos a cada 1 milhão – e oito vezes maior que a taxa neozelandesa – 378 mortes por milhão de habitantes. Bate uma certa revolta quando vemos que, com referência nos números mundiais, a cada quatro mortes, três brasileiros poderiam estar vivos”, observou Hallal, atrelando esse número à falta de uma liderança unificadora, capaz de se unir com a população para combater a pandemia. 

Os desafios para a próxima geração de cientistas 

Com todas as atenções direcionadas para a covid-19, as agendas de enfrentamento de outras doenças endêmicas acabaram ficando em segundo plano, como as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Em 2019, 54,7% dos óbitos registrados no Brasil foram causados por essas doenças e 11,5% por agravos. Além disso, outros índices que estavam em constante melhoria voltaram para trás: a qualidade da alimentação piorou, houve queda no número de brasileiros que praticam exercícios físicos e aumento no consumo de álcool e no tabagismo.

Para Hallal, o que ocorreu foi um “silenciamento de doenças”, dado que quedas de avião e atropelamentos provocam comoção nacional, mas o mesmo não ocorre com as inúmeras “micro quedas de avião” diárias, quando pessoas morrem de infarto por conta do tabagismo, por exemplo, entre outras doenças para as quais as políticas públicas são insuficientes. “O que é necessário agora, em primeiro lugar, é retomar a agenda de controle dessas doenças que podem se tornar epidemias futuras dentro do país”, afirmou o epidemiologista.

No entanto, para lidar com as crises sanitárias do amanhã, é preciso que o Brasil inicie hoje os programas para incentivar que seus melhores cientistas permaneçam no país. O atual panorama de fuga de cérebros preocupa Hallal, que afirma que é impossível fazer ciência de ponta quando os valores das bolsas de pesquisa permanecem inalterados desde 2004. “Não tem como a gente fazer como a orquestra do Titanic, que continua tocando enquanto o barco afunda.” 

O comportamento do governo diante da pandemia, para Hallal, é a questão maior. “O movimento antivacina existe em todo lugar. Em alguns lugares, o movimento é uma forma de revolta contra o monopólio das grandes empresas farmacêuticas. No Brasil, a sede do movimento antivacina e da indústria de disseminação de fake news em saúde é o Palácio do Planalto.” 

A urgência agora é que o Brasil se torne um país que tenha mais políticas de Estado, com menos poder na mão dos governantes e com mais participação do povo. Para concluir, Hallal deixou uma mensagem de esperança: “Essa não é a primeira vez – e infelizmente não será a última – que governos autoritários atacam a ciência. Em todos os casos, a ciência triunfou. E eu acredito que isso será possível mais uma vez.” 

Paulo Artaxo: o papel do Brasil nas mudanças climáticas

Acadêmico Paulo Artaxo durante a 74ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

“As mudanças climáticas são inequívocas e só temos uma breve janela de oportunidade para garantir um futuro habitável”. Foi com essa mensagem que o membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Paulo Artaxo iniciou sua conferência Mudanças Climáticas, seus Impactos no Brasil e a Construção de uma Sociedade Sustentável, no segundo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). Artaxo foi apresentado pelo também Acadêmico Ricardo Galvão, que ganhou notoriedade por sua defesa da independência científica contra ataques do governo federal quando era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

O cenário atual 

Apesar de a ciência já alertar para a alteração do clima há mais de 50 anos – ou mais de 100 anos, se considerarmos os trabalhos do sueco Svante Arrhenius, que em 1896 já indicavam que o mundo poderia se aquecer em até 5°C –, quase nada de concreto foi feito. Mesmo com o Acordo de Paris e a redução das atividades humanas durante a pandemia, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) continuam aumentando a uma taxa de 4% ao ano. “A menos que zeremos muito rapidamente as emissões, limitar o aquecimento a 2°C será impossível”, lamentou Artaxo, que disse já considerar metas abaixo dos 1,5°C como irrealistas no presente cenário. 

Segundo o Acadêmico, que participou da elaboração do relatório, o mundo caminha para ficar em média 3,2°C mais quente, isso se cumprir com o acordado na COP-26. “Mas esse é um cenário otimista”, lembrou. “O caminho atual está nos levando a um aquecimento entre 3,7°C e 4,3°C, em média, comparado com antes da revolução industrial”. É importante lembrar que uma elevação de 3,2 °C global significa um aumento de 4,2°C nos continentes e de 5,6°C nas grandes cidades. “O mundo se tornará um lugar pior para se viver”, resumiu Artaxo. 

Crescimento exponencial dos principais gases do efeito estufa nos últimos três séculos.

Brasil e as mudanças climáticas 

Atualmente, o Brasil é o sexto país que mais emite gases do efeito estufa e o quarto maior emissor histórico. Por ser tropical, os efeitos do aquecimento tendem a se exacerbar, com graves consequências sociais e econômicas. As hidrelétricas brasileiras podem ser severamente afetadas pela alteração na dinâmica das chuvas e o aumento das secas e o ressecamento do solo representam uma grave ameaça ao agronegócio. Além disso, algumas regiões podem sofrer de forma ainda mais intensa. “O semiárido nordestino pode se tornar árido”, afirmou Artaxo. “Imaginem a crise migratória que isso geraria”.

Outro problema está na Amazônia. Com o aumento da temperatura e a queda na precipitação, algumas regiões ao leste da floresta já estão deixando de ser sumidouros de carbono para se tornarem fontes de emissão, e o bioma corre o risco de entrar num ciclo vicioso de degradação. 

A floresta é ponto chave da questão climática, e, nas palavras do Acadêmico, “nossa maior responsabilidade no momento”. Estima-se que 44% das emissões brasileiras venham do desmatamento, que já atinge quase 20% da área total amazônica. Na COP-26, o país se comprometeu a zerar a derrubada até 2028 e Artaxo garante que, com governança séria e empenhada, essa meta é absolutamente factível. “Nenhum outro país no mundo tem potencial para reduzir tanto suas emissões em tão pouco tempo e com enormes benefícios ambientais”, apontou. 

Manter a floresta em pé é uma enorme vantagem estratégica brasileira, que pode gerar inclusive ganhos econômicos através do mercado de carbono. O potencial energético eólico e solar, sobretudo do Nordeste, é outra capacidade ainda pouco explorada. O preço dessas tecnologias caiu exponencialmente nas últimas décadas, e países com menores incidências de luz solar e ventos já estão à frente do Brasil nessa área. “Não é mais uma questão econômica ou tecnológica, mas de vontade política”, alertou o Acadêmico. 

Evolução do desmatamento brasileiro desde 1977. Redução na primeira década do milênio mostra que um outro caminho é possível.

Eventos climáticos extremos 

Nas últimas semanas, o mundo vem acompanhando os efeitos de uma onda de calor extremo que atinge a Europa, causando incêndios de grande extensão na Espanha e um número extraordinário de mortes na Inglaterra. Tragédias como essa estão se tornando cada vez mais comuns no mundo inteiro e estão diretamente relacionadas ao aquecimento do planeta. “Dado um aumento de 4°C na temperatura continental, estima-se que eventos climáticos extremos se tornem trinta e nove vezes mais frequentes e cinco vezes mais intensos”, alertou Artaxo. 

Populações de baixa renda são historicamente mais afetadas por esse problema, o que gera uma cruel contradição. Enquanto os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de efeito estufa, os 50% mais pobres respondem por apenas 10% das emissões. “Não podemos aceitar que quem não causou o problema pague o preço”, resumiu o Acadêmico. 

Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável  

Para Artaxo, o principal objetivo do planeta a curto prazo deve ser o cumprimento dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU para guiar os esforços de construção do futuro. O combate às mudanças climáticas é o objetivo número 13, mas as ações necessárias perpassam todos os outros, desde a erradicação da pobreza até a redução das desigualdades e a garantia de direitos básicos para todas as pessoas.  

O Acadêmico alerta que a sociedade humana precisa passar por seis grandes transformações: transição para um consumo sustentável, expansão do acesso às tecnologias digitais, descarbonização da energia, planejamento de cidades sustentáveis, equilíbrio entre produção de alimentos e uso de terras e universalização do acesso à educação e capacitação humana. “A ciência vem cumprindo seu papel, que é encontrar pontes entre as necessidades básicas da humanidade e os limites do planeta”, finalizou. 


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Helena Nader em mesa-redonda sobre Políticas de CT&I

O primeiro dia da programação científica da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada na Universidade de Brasília (UnB), ocorreu em 25 de julho e contou com uma mesa-redonda sobre Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).  A presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Bonciani Nader, compôs a mesa, junto com o Acadêmico e presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela, a presidente da Capes, Cláudia Mansani de Toledo, e o diretor da Finep Marcelo Bertolini. A discussão foi coordenada pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro. 

Marcelo Bertolini, Evaldo Vilela, Renato Janine, Cláudia de Toledo e Helena B. Nader

Ciência e soberania nacional 

Evaldo Vilela abriu as discussões lembrando de um dos pontos focais da Reunião Anual: a necessidade de o Brasil ter um projeto nacional para ciência e tecnologia. Para o presidente do CNPq, país soberano é país que tem base tecnológica; no Brasil, no entanto, impera uma noção que valoriza mais o que vem de fora, estimulando a importação. “A pandemia expôs cruelmente esse problema, não conseguíamos fornecer respiradores para os nossos doentes”, apontou. 

Mesmo numa área que o Brasil é protagonista, a agropecuária, a dependência externa vem aumentando. Se grandes avanços, iniciados com a Embrapa na década de 70, foram conquistados com base tecnológica 100% nacional, hoje em dia, nos melhores cenários, o Brasil depende em cerca de 70% de tecnologia importada. “O conhecimento em genética utilizado para produção de frangos no Brasil vem inteiramente de fora. Suínos, soja e milho também são produtos de áreas quase totalmente dependentes”, elencou Vilela. 

O impacto desse cenário é sentido no bolso e contribui para que um gigantesco produtor de alimentos como o Brasil tenha voltado ao mapa da fome. O presidente do CNPq trouxe o exemplo positivo da produção de trigo, que vem se expandindo no país até em áreas antes inimagináveis, graças à pesquisa nacional. “Valorizar a ciência é também ligá-la ao mercado, dando retorno à sociedade”, afirmou Vilela, “O que estamos vivendo não passa apenas pela não compreensão de seu valor, mas sim por um projeto que reúne interesses que não almejam um país soberano”. 

Capes e Finep 

A presidente da Capes, Claudia de Toledo, e o diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep, Marcelo Bertolini, avaliaram o trabalho realizado em suas respectivas instituições nos últimos anos. Toledo defendeu que a Capes segue financiando projetos nas mais diferentes áreas e reconheceu a histórica falta de continuidade nas estratégias públicas brasileiras. “A ciência tem memória, não é só sobre barrar retrocessos, mas defender políticas vinculantes”, disse. 

Já Bertolini afirmou que encontrou uma Finep altamente endividada em 2019, o que impossibilitou novos financiamentos, mas que a chamada por projetos foi progressivamente retomada nos anos subsequentes. Ele defendeu o financiamento de empresas como forma de fixar mão-de-obra no Brasil. “Um terço dos mestres e um quarto dos doutores estão desempregados e são pessoas qualificadas, tanto é que conseguem vagas no exterior”, exemplificou. 

Brasil na contramão do mundo 

Em fala bastante contundente e aclamada pelo público, Helena Nader afirmou que faltavam representantes do Ministério da Economia, de onde partem a maioria dos cortes orçamentários. “O ministério sempre se abstém quando votamos algo contrário à visão dele nos conselhos, continuam achando que ciência e educação são gastos; curiosamente, são os mesmos que acreditam que bolsa de valores é investimento”, afirmou.

Nader alertou para o não cumprimento das estratégias votadas pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) e para a previsão de mais cortes no MEC, afetando profundamente as universidades. “Já estão acabando com os auxílios para permanência. A inclusão dos mais pobres no ensino superior vai deixar de acontecer, aquela mobilidade que vimos na última década não existirá mais”, alertou. 

Remetendo à fala de Evaldo Vilela sobre a agropecuária, a presidente da ABC lembrou que até a Embrapa está sendo afetada pelos cortes. “A Embrapa é a nossa galinha dos ovos de ouro, daqui a pouco vamos passar a ser importadores de alimentos”. Segundo Nader, o desenvolvimento agropecuário se deu quando o Brasil percebeu que precisava de uma ciência adequada ao clima tropical. “Essa mesma ciência poderia ser utilizada na África, com muito a se ganhar geopoliticamente para o Brasil, mas estamos deixando a China fazer isso. Perdemos oportunidade atrás de oportunidade, estamos na contramão da história”, enfatizou. 

Ela ressaltou que o histórico protagonismo do Brasil na questão climática foi perdido e hoje o país é visto no mundo inteiro como um derrubador de florestas. A destruição também se dá na democracia, e o país vê ameaçado o legado de três décadas de eleições legítimas e reconhecidas internacionalmente. “A ciência já comprovou a segurança das urnas eletrônicas”, reforçou Nader, e Janine reiterou a divulgação do abaixo-assinado Manifesto pelas Eleições e pelas Urnas Eletrônicas para o público.

Encerrando, Helena Nader defendeu um papel mais ativo do Estado na reindustrialização do país. “São quinhentos anos vendendo commodities, isso só vai mudar aumentando o poder de compra do Estado”, finalizou. 

Ciências humanas 

A atuação das agências de fomento nas ciências humanas foi muito abordada no debate que sucedeu a mesa-redonda. O tema foi levantado pelo professor Thiago Henrique Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que afirmou que a área está relegada ao segundo plano. Foi apontado que as humanidades passaram por um período de risco extremo devido às tentativas de homogeneizar os sistemas de avaliação. “Qualis único aniquila a diversidade e destrói as ciências humanas”, afirmou uma participante. 

O presidente do CNPq, Evaldo Vilela, garantiu que uma nova chamada específica para as humanidades está sendo desenvolvida em parceria com o MCTI e que deve ser publicada em breve. “Só tecnologia não adianta, é preciso articulá-las com os problemas sociais”, afirmou. 


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Marcelo Knobel: expectativas para universidades no pós-covid

O primeiro dia de palestras da 74ª Reunião Anual da SBPC ocorreu na segunda-feira, 25/7, reunindo cientistas, pesquisadores e representantes de órgãos públicos para debates multidisciplinares relacionados ao tema central do evento, “Ciência, Independência e Soberania Nacional”. 

Lícia Mota, Zelinda Hirano, Marcelo Knobel e Emmanuel Tourinho

O painel “Desafios do ensino superior no pós-covid” reuniu o Acadêmico Marcelo Knobel (Unicamp) e os cientistas Licia Maria Henrique da Mota (UnB), Emmanuel Z. Tourinho (UFPA) para compartilharem suas experiências. Ao longo do debate, mediado por Zelinda Maria Braga Hirano (Furb), os pesquisadores enumeraram as principais provações que o ensino superior enfrentou durante a pandemia e quais lições podem ser aproveitadas para o futuro. 

Flexibilização e comunicação para o futuro da ciência 

Para o físico Marcelo Knobel, a palavra-chave para o futuro da academia pós-covid é flexibilização –começando com as questões burocráticas. Citando sua própria experiência como ex-reitor da Unicamp, durante a pandemia foram extintos naquela universidade o prazo para trancamento de disciplinas e a presença obrigatória, algo que “deu muito certo”, de acordo com ele.

Uma mudança cogitada por Knobel diz respeito à formação interdisciplinar: para ele, as universidades poderiam colaborar entre si, disponibilizando aulas on-line para pesquisadores de outras instituições. “Esse trabalho em rede facilitaria a formação tanto de docentes quanto de discentes. Avançaríamos muito caso isso acontecesse”, ressaltou. No entanto, considera que esse é um grande desafio a ser enfrentado, já que muitos docentes conservadores se opõem às novas práticas. 

Outro aspecto que apontado por Knobel diz respeito ao uso das novas tecnologias, como a conciliação entre sistema remoto e presencial, de forma que seja conveniente tanto para alunos, quanto para professores. Knobel afirma que falta modernização nas universidades brasileiras e avalia que esse modelo ultrapassado de educação é uma das principais causas de evasão dos cursos.“É claro que o convívio, o contato, a presença são importantes. Deveríamos aproveitar essa alavanca que foi dada com a educação remota e incorporá-la para nosso próprio bem, e utilizar o tempo juntos para realizar atividades produtivas, em vez de projetar uma apresentação feita há 20 anos”, propõs o cientista. Segundo ele, é preciso utilizar a criatividade para “quebrar o gesso” do ensino superior e conseguir propor alternativas “mais livres” para os alunos, criando, dessa forma, um modelo híbrido de qualidade. 

O Acadêmico argumentou que outro fator indispensável para a sobrevivência das universidades é a comunicação. A seu ver, há uma falha na forma como a unversidade se comunica com a sociedade. “Não usamos o mecanismo da comunicação de maneira efetiva”, observa Knobel. “Em pleno 2021, ainda há uma grande parcela da população que acredita em cloroquina, na ausência de eficácia da vacina e em Terra plana. Certamente, um dos nossos principais desafios para o futuro é estudar, nos engajar e buscar novas formas de comunicação efetiva com a sociedade.” 

A pandemia nos hospitais universitários 

Lícia Mota lembrou que a covid-19 não foi a primeira pandemia já enfrentada pelo mundo – e também naõ será a última. Segundo a professora da Faculdade de Medicina da UnB (FMUnb), a doença catalisou uma série de projetos de pesquisa na pós-graduação. Alguns ocorreram dentro das salas do Hospital Universitário de Brasília (HUB), onde Mota atua como médica reumatologista.

Em questão de semanas, ela relata que “um hospital de pequeno para médio porte, que apenas realizava assistências, que não tinha experiência com pesquisa, aprovaou 34 linhas de pesquisa em 12 semanas”, recordando como o período foi difícil para médicos e residentes. 

Segundo ela, outra catálise fundamental proporcionada pela covid está associada com a forma que os  médicos compreendem a pesquisa na área. “A pandemia trouxe também uma nova visão sobre a importância da pesquisa nos hospitais, que tornou-se uma atividade tão essencial como as atividades assistenciais.” 

Entre os múltiplos desafios enfrentados, Mota comentou a dificuldade de divulgar os feitos médicos durante o isolamento social, o comprometimento com a saúde mental e a necessidade de captar recursos. Mas avalia que, no fim, o saldo foi positivo: com mais de 20 publicações em pesquisas de alto impacto e sete grupos de pesquisa, o HUB está no caminho para tornar-se, em breve, referência também em pesquisa. 

As principais questões do ensino remoto 

O psicólogo Emmanuel Z. Tourinho, professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA),  identificou os desafios enfrentados pelas universidades durante a pandemia em três grandes nichos: pedagógico, econômico e político. Ao longo de quase dois anos de paralisação das atividades presenciais, discentes e docentes precisaram lidar com os novos usos das tecnologias, preocupação com o processo formacional e alternativas para manter o ensino – tudo isso conciliado com uma grave crise econômica, que afetou o cotidiano de todos os brasileiros e brasileiras.   

Enquanto a modalidade remota mostrou-se a única forma de garantir que os alunos não desistissem de seus cursos, havia também outras questões que precisavam ser pensadas: “Muitas regiões do país não possuem internet de qualidade, o que ocorre em largas faixas do território amazônico. Nessas regiões de vulnerabilidade socioeconômica, o letramento digital também é restrito”, comenta o professor, expondo um pouco de sua realidade enquanto ex-reitor da Universidade Federal do Pará. Em seu ponto de vista, uma das lições que a universidade precisa aprender é a estabelecer um formato para conciliar as questões das populações socioeconomicamente fragilizadas. 

Segundo Tourinho, que atuou em diversos órgãos como Capes, CNPq e Copropi, “é impossível ignorar que a cultura do fascismo avança em nosso país – algo dramático e pouco falado”, alertou, ao criticar as frequentes tentativas de interferência nos principais conceitos que compõem a universidade pública, um espaço de inclusão e resistência. “Hoje, nossa realidade é de mercantilização do ensino superior e de pressão por cortes nos financiamentos, além de constantes questionamentos sobre o valor da ciência”. O professor defendeu que o ensino superior é um bem público, que precisa ser protegido e preservado. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

CTI&E como Política de Estado é destaque na abertura da 74ª Reunião Anual da SBPC

A abertura da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na Universidade de Brasília (UnB) ocorreu no domingo, 24 de julho, reunindo representantes de instituições de apoio à ciência e representantes do governo e de órgãos públicos. Iniciada ao som da Orquestra Som Brasileiro Popular Contemporâneo, composta por professores, alunos, ex-alunos e convidados da Escola de Música da UnB, a sessão de abertura lotou o auditório, marcando o início da série de eventos que acontecerão ao longo de seis dias. Com o tema “Ciência, independência e soberania nacional”, a Reunião celebra este ano o bicentenário da Independência do Brasil, os 60 anos da UnB e os centenários da Semana de Arte Moderna da UnB e de Darcy Ribeiro.

Wagner Villas Boas de Souza, Paulo Puppin, Luciana Massukado, Waldemar Barroso Neto, Evaldo Vilela, Marcia Abrahão, Renato Janine Ribeiro, Paulo Alvim, Marcus Vinicius David, Helena Nader, Marco Antônio Costa Jr, Flavia Calé

Compuseram a mesa do evento a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena B. Nader; o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro; o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Acadêmico Evaldo Vilela; o ministro de CT&I, Paulo Alvim; a reitora da UnB, Marcia Abrahão; Marcus Vinicius David, presidente da Andifes; Wagner Villas Boas de Souza, representante do Ministério da Educação (MEC); Waldemar Barroso Neto, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Luciana Massukado, reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB); Paulo Puppin, representante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae); Flavia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); e Marco Antônio Costa Jr, presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).

A recepção aos membros da mesa foi feita pela decana de Pesquisa e Inovação (DPI), Maria Emília Walter, que destacou em seu discurso a questão dos cortes orçamentários nas áreas de ciência, tecnologia, inovação e educação. “Deixar de aportar recursos para CT&I e, consequentemente, para a produção de conhecimento, significa tirar um dos eixos da inovação e afeta profundamente o desenvolvimento e o futuro do país.”

Representando grandes instituições, Helena B. Nader (ABC), Flavia Calé (ANPG) e Marcia Abrahão (UnB) foram ovacionadas pelo público ao serem apresentadas e ao apontarem as mudanças-chave que o Brasil precisa realizar para tornar-se um país, de fato, independente.

“É preciso considerar imediatamente uma política de Estado para a ciência, tecnologia, inovação e educação. Sem isso, ficaremos à mercê de cada novo governo que tivermos”, provocou Nader. Segundo a cientista, a política de Estado precisa estar alinhada com o cumprimento da Constituição e o pleno exercício da democracia – três fatores indispensáveis para a consolidação do Brasil como um país desenvolvido. A partir disso, talvez seja possível cumprir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, ao seu ver.

Flavia Calé completou a fala de Nader: “A unidade construída pela comunidade científica talvez seja um dos maiores legados da pandemia, provando sua resistência sob o signo do negacionismo. Neste quesito, precisamos destacar a liderança da SBPC e da ABC diante na luta em defesa da ciência”, apontou a historiadora. Ela ressaltou que a tarefa democrática dos jovens cientistas esse ano é fazer que as eleições ocorram. “Precisamos de uma agenda que garanta a real independência do nosso país, através da valorização da ciência e da juventude, em vez de uma agenda que promova o escalonamento do retrocesso do país.”

Já a reitora da UnB Marcia Abrahão destacou o orgulho da instituição em hospedar a 74ª Reunião Anual da SBPC, ressaltando o compromisso do corpo docente e discente com a universidade com que Darcy Ribeiro sonhava e com o grupo que concebeu a UnB: inovador, à frente do seu tempo e vanguardista. “Passamos de um período onde precisávamos dar conta rapidamente do excesso de recurso que recebíamos para um presente de desmontes e cortes constantes, que nos afasta cada vez mais da meta 12 do Plano Nacional de Educação”, comentou Abrahão, citando o objetivo que almeja a elevação da taxa líquida de matrículas da população de 18 a 24 anos no ensino superior. “É momento de dizer sim para um futuro onde a ciência esteja na base das tomadas de decisão e de combater o projeto de minar o ensino superior público e democrático o quanto antes.”

O Acadêmico Evaldo Vilela, presidente do CNPq, destacou o compromisso da parceria entre as instituições de apoio à ciência no enfrentamento das desigualdades sociais – uma pauta ainda emergencial no país. Para o cientista, a única forma de conseguir mudanças efetivas na sociedade é através da coletividade e do estímulo de debates essenciais inclusivos.

Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica

Como parte da cerimônia de abertura, foi entregue o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica na categoria “Pesquisador e Escritor” ao professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e escritor Alan Alves Brito. Concedido anualmente, o prêmio divide-se em três categorias, que se alternam a cada edição. Além de ‘Pesquisador e Escritor’, categoria deste ano, o prêmio contempla também as categorias “Jornalista em Ciência e Tecnologia” e “Instituição ou Veículo de Comunicação”. Saiba mais sobre o premiado em matéria da UFRGS

As homenagens

Em seguida, foi feita uma homenagem póstuma aos muitos grandes cientistas que o Brasil perdeu durante a pandemia e foram homenageados quatro destacados cientistas brasileiros: o historiador Roque de Barros Laraia e o veterinário Milton Thiago de Mello, assim comoos Acadêmicos José Goldemberg e Isaac Roitman.

O vice-presidente da SBPC e membro titular da ABC Paulo Artaxo afirmou que poucas pessoas tiveram uma atuação tão marcante na ciência, na política e na questão ambiental brasileira quanto José Goldemberg, e destacou seu “estilo assertivo e, muitas vezes, polêmico”. Ao longo da carreira, Goldemberg foi reitor da USP, ministro da Educação e presidente da SBPC, entre outros cargos, sendo hoje presidente de honra da entidade.

Dentre suas realizações, criou um acelerador linear de elétrons na Universidade de Stanford, que lhe deu notoriedade mundial e depois foi cedido ao Brasil. Participou ativamente do debate público sobre a questão ambiental, sendo uma liderança mundial contra a proliferação das armas nucleares e na defesa do etanol como alternativa energética. “Uma grande personalidade, que soube identificar as necessidades futuras da sociedade”, finalizou Artaxo. Através de um vídeo, Goldemberg agradeceu a homenagem e reforçou a riqueza interdisciplinar das Reuniões Anuais da SBPC.

Sidarta Ribeiro e Isaac Roitman

O Acadêmico Isaac Roitman foi homenageado pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, que destacou o pioneirismo do microbiologista na construção de um sistema de iniciação científica robusto, que formou toda uma nova geração de pesquisadores. Ribeiro lembrou também do papel crucial de Roitman no repatriamento de neurocientistas brasileiros e sua grande preocupação com a educação infantil. “Toda sua atuação demonstra a coragem de expor nossas mazelas, ao mesmo tempo que propõe soluções”, afirmou.

Professor emérito da UnB, Roitman serviu em diversos cargos na Capes, no CNPq e no MCTI, além de entidades regionais para o Distrito Federal. Aos 87 anos, continua ativo no debate público e defendendo uma revolução na educação brasileira. “Sua visão ética e sabedoria são uma referência valiosíssima para nossa sociedade”, terminou Ribeiro. Roitman agradeceu pela homenagem e trouxe uma importante mensagem para todos os presentes: “Mesmo em momentos de crise, nunca devemos abandonar nosso senso de humor”.

Sem cientistas, sem ciência, sem desenvolvimento

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Alvim, defendeu que o MCTI seja um parceiro da comunidade científica na promoção da soberania nacional e enalteceu a capacidade dos cientistas brasileiros de superarem adversidades. “A situação da CT&I no país nunca superou todas as dificuldades, nunca foi um céu de brigadeiro, mas uma coisa é certa: não faríamos nada sem vocês, pesquisadores”.

Democracia: prioridade máxima do Brasil atual

O presidente da SBPC fechou a sessão. O filósofo Renato Janine Ribeiro reafirmou o papel central da ciência e da educação como pilares do desenvolvimento nacional e defendeu a reconstrução e ampliação do orçamento dessas pastas. Para ele, a pandemia foi um exemplo histórico de apoio social à pesquisa, mesmo com as resistências e barreiras impostas pelo executivo. “A pressão pelas vacinas e a presença maciça nos postos de vacinação foram lições que a sociedade deu ao governo”, lembrou.

Entretanto, o presidente da SBPC escolheu focar sua fala final naquele que considera o problema mais urgente do Brasil no momento: a defesa da democracia. Durante toda a semana, as eleições serão abordadas em diversas conferências e mesas-redondas e estará presente de forma transversal em todas as atividades da Reunião Anual. “Soberania nacional só é possível quando todo o poder emana do povo”.

Janine convidou todos os presentes a tomarem parte no abaixo-assinado “Manifesto pelas Eleições e pelas Urnas Eletrônicas e abriu o espaço da Reunião Anual para que os candidatos do pleito de outubro possam participar e interagir com a comunidade científica nacional. Acima de tudo, defendeu que qualquer governo eleito deve agir com base na Constituição, que impõe a promoção da educação, da saúde, da cultura e o respeito à diversidade nacional. “Continuaremos lutando nessa direção, combatendo todos os tipos de negacionismos, sejam eles científicos, climáticos, democráticos ou da ética e dos direitos humanos”, enfatizou.

Para terminar, Janine trouxe uma reflexão de esperança no mundo contemporâneo. “Os avanços notáveis do século XXI mostram que a ciência, outrora voltada para a guerra, assumiu definitivamente uma vocação para a paz”. O público foi convidado a encerrar a abertura com cinco vivas essenciais: aos 60 anos da UnB, aos 74 anos da SBPC, à ciência, à democracia e ao Brasil.


Assista à gravação completa da sessão no canal da UnB no YouTube.

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