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Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

O último dia do 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5º ENMA ABC) começou com uma notícia negativa para o setor. A proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024, enviada pelo governo ao Congresso em 31 de agosto, manteve a proporção 50/50 entre recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Houve uma votação no Conselho Deliberativo do FNDCT para ter 60% em não-reembolsáveis, aquele investimento mais fácil e direto na infraestrutura científica nacional, mas não foi respeitada”, afirmou o vice-presidente regional da ABC SP, Glaucius Oliva.

Em resposta à notícia, as entidades que compõe a Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), da qual a ABC faz parte, lançou uma nota oficial manifestando sua “decepção” com a decisão do governo e lembrando que “após anos de perseguição à ciência, à educação, cultura, saúde e meio ambiente, esperávamos uma recuperação mais robusta, ainda que escalonada, no FNDCT”.

O financiamento é tema prioritário para a ciência nacional. Para debatê-lo, a ABC promoveu o encontro de seus afiliados com os presidentes de quatro instituições que são alicerces do sistema nacional de CT&I: Odir Dellagostin, do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap); Mercedes Bustamante, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); Celso Pansera, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); e Ricardo Galvão, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Odir Dellagostin, presidente da Confap e presidente da Fapergs

Bases de dados organizadas, abertas e transparentes são fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas. O presidente do Confap, o Acadêmico Odir Dellagostin, trouxe uma análise de informações obtidas nas plataformas GeoCapes, Scival e outros repositórios nacionais, apresentando um retrato do financiamento público à pesquisa.

A primeira informação para compreender o sistema nacional de C&T é a correlação perfeita da produção científica brasileira brasileira com a pós-graduação. “A pesquisa cresce na mesma proporção que a pós-graduação”, afirmou Dellagostin, que encabeça o órgão onde reúnem-se todas as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) do país.

Apesar de ainda muito concentrada no Sudeste, a ciência vem se tornando verdadeiramente “nacional” nos últimos 20 anos. No ano 2000, Rio de Janeiro e São Paulo eram 57% da produção científica brasileira, já em 2022 são 41%. Outro ponto a ser destacado é que, tanto no mestrado quanto no doutorado, nem metade dos alunos recebe bolsa (38% e 48%, respectivamente).

A área vive uma crise de financiamento que, em parte, explica a queda de 7% na produção científica brasileira em 2022 – a maior no mundo inteiro. Os números mostram que o montante investido está nos mesmos patamares desde 2006, período em que o número de doutores formados por ano mais do que dobrou. É o mesmo volume de recursos para um sistema com muito mais profissionais.

Os dados também são importantes para entendermos o que cada agência financia. Com quase 80% das bolsas, a Capes é a principal fonte de recursos diretos para pesquisadores no país – lembrando que, na pós-graduação, as bolsas funcionam praticamente como os “salários” dos cientistas. Já CNPq e FAPs têm papel maior no financiamento a projetos, cobrindo outros custos inerentes às pesquisas, para além da remuneração dos pesquisadores. Para Dellagostin, devemos ter em mente essas vocações e delimitar melhor qual o papel de cada agência dentro do ecossistema.

Mas há exceções. No Amazonas, por exemplo, quase 70% das bolsas são pagas com recursos da Fapeam. Um olhar atento às necessidades e à capacidade das Fundações de cada estado é fundamental, além da sempre presente necessidade de aumentar o investimento. “A contribuição das FAPs é de apenas 0,086% do PIB nacional. Precisamos ampliar esses valores se realmente quisermos produzir CT&I relevante em nosso país”, finalizou Dellagostin.

Mercedes Bustamante, presidente da Capes

Para a presidente da Capes, Mercedes Bustamante, o fato de dois terços dos alunos de mestrado e doutorado atuarem sem bolsas no país é consequência da rápida expansão da pós-graduação no país. “De certa forma, pagamos o preço do nosso próprio sucesso, por ter um sistema que cresceu muito mais do que as bolsas poderiam acompanhar”, disse.

Ela defendeu que, para conseguir continuar crescendo de forma racional e a longo prazo, a avaliação das pós-graduações feita pela Capes deve ser tratada como prioridade, algo que não ocorreu no último governo. “Estamos vendo um movimento preocupante de entrada de novos atores privados na pós-graduação, assim como já ocorreu para a graduação. As pressões que isso gera faz com que corramos o risco de aprovar novos cursos sem a qualidade devida”, alertou.

Entretanto, o projeto de LOA para 2024 destina à Capes um orçamento menor do que para 2023, embora mais cursos e mais bolsas precisem ser pagas. “Essas indefinições ano a ano não combinam com os ciclos longos necessários à ciência e educação. O investimento não pode ser algo pelo qual se precise brigar todo ano”, criticou.

Outro ponto abordado por Bustamante foi o acesso aberto. Em 2018, um consórcio internacional de entidades de financiamento e pesquisa – sobretudo de países desenvolvidos – criaram o Plano S, que estabeleceu que todas as pesquisas financiadas com recursos públicos deveriam ser publicadas em plataformas e repositórios de acesso aberto. A motivação é nobre, mas no atual ecossistema de publicações científicas, isso significa um acréscimo significativo no valor pago pelos próprios cientistas para publicar seus estudos, afetando principalmente os países em desenvolvimento. “Hoje somos um país rico demais para ter acesso às isenções previstas no Plano S e pobres demais para arcar com os altos custos de publicação”, lamentou.

O Brasil é um país com experiência na infraestrutura de acesso aberto, com plataformas de excelência como a Scielo e a bem-sucedida política dos Periódicos Capes, onde a agência centraliza a assinatura de centenas de revistas científicas e disponibiliza para os pesquisadores do sistema nacional. Com um orçamento de R$ 440 milhões, a plataforma tem 459 mil usuários cadastrados e foi acessada 263 mil vezes apenas em 2022. “Ao centralizarmos as negociações, ganhamos poder de barganha com as editoras e conseguimos diminuir os custos para o país”, argumentou Bustamante.

Mas com o impulso pelos novos modelos de acesso aberto, o formato da plataforma deverá ser repensado. Enquanto a Capes paga hoje pelo acesso, provavelmente terá de focar no pagamento de taxas de publicação futuramente, o que demanda todo um redesenho da plataforma. “Acima de tudo, precisamos evitar o duplo pagamento, quando pagamos para publicar e ler”, finalizou.

Os Acadêmicos Mercedes Bustamante, presidente da Capes, e Odir Dellagostin, presidente do Confap

Celso Pansera, presidente da Finep

A Finep é uma empresa pública associada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que concede recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis à instituições de pesquisa e empresas brasileiras. O apoio da Finep se dá em todas as etapas do desenvolvimento científico, desde à pesquisa básica até a inovação. “A comunidade tende a conhecer menos a Finep, pois esta financia instituições e não pessoas, como é o papel da Capes e CNPq”, relatou o presidente da entidade e ex-ministro da CT&I, Celso Pansera.

Ele argumentou que há um descompasso entre o ritmo em que o país produz ciência e o que a transforma em melhorias sociais.  Uma das consequências disso é a dificuldade da economia nacional de absorver  talentos. “É preciso gerar uma economia de inovação, até como forma de empregar e colocar para atuar na prática aqueles que se formam nas universidades”, disse.

Pansera lembrou que a Finep perdeu 30% de seus servidores desde 2015, o que afeta sua capacidade de atuação. Ele defendeu também um modelo de investimento orientado pelos grandes desafios nacionais, que em grande parte estão contemplados nos quatro grandes eixos definidos pelo MCTI, são eles: (I) Recuperação, Expansão e Consolidação do Sistema Nacional de CT&I; (II) Reindustrialização em Novas Bases e Apoio à Inovação nas Empresas; (III) CT&I para Programas e Projetos Estratégicos Nacionais e (IV) CT&I para o Desenvolvimento Social.

Em outro ponto abordado, o presidente destacou a importância dos recursos não-reembolsáveis no financiamento à CT&I. Embora essa modalidade de crédito não deva ser a prioritária – pois está mais sujeita a contingenciamentos e é de mais difícil acesso que o investimento direto – ela cumpre um papel importante tanto no fomento quanto no re-investimento no FNDCT. “Operações de créditos ao setor privado já fez com que a Finep reintroduzisse mais de R$9 bilhões no FNDCT”, destacou.

Pansera lembrou que o país investe pouco, em porcentagem do PIB, em pesquisa. Enquanto estamos num patamar de 1,2% do PIB em CT&I, a maior parte dos países desenvolvidos investe mais de 2%. Outra importante forma de fomento são as compras públicas e, de novo, estamos abaixo. Enquanto nos países da OCDE a média das compras públicas em tecnologia está em 29%, no Brasil é de apenas 12%.

Algumas ações podem servir para começarmos a mudar esse cenário. O Projeto de Lei 5876/2016, que tramita no Congresso e propõe que 25% do Fundo Social do Pré-Sal – cuja própria existência é consequência direta do investimento em ciência – seja destinado ao FNDCT. Outra alternativa são emendas à atual Lei 13800/2019, chamada “Lei dos Endowments”, que rege os usos de fundos patrimoniais e filantrópicos no país. “A Lei dos Endowments foi aprovada no último governo com vetos sobre a dedução de impostos, o que retira contrapartidas e incentivos, indo na contramão dos países desenvolvidos”.

Carlos Aragão, Acadêmico, Helena Nader, presidente da ABC e Celso Pansera, presidente da Finep

Ricardo Galvão, presidente do CNPq

A ciência brasileira é resiliente, mas está no seu limite. Foi assim que o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, abriu a apresentação final do 5º ENMA. Ele lembrou que o FNDCT é um exemplo de política de Estado bem-sucedido e de longo prazo e expôs algumas de suas prioridades à frente do CNPq no investimento do fundo.

Para Galvão, o CNPq não deveria focar em bolsas, como faz a Capes, e se fortalecer no fomento às demais etapas da pesquisa. Durante o debate, os membros afiliados da ABC defenderam a importância das bolsas de produtividade do CNPq no estímulo à prática científica dentro das universidades e criticaram os atuais valores e número de bolsas dessa categoria. O presidente do CNPq reconheceu a legitimidade na demanda dos jovens cientistas, mas reforçou que sua prioridade é o fomento.

As bolsas de produtividade possuem um caráter duplo. Além do estímulo financeiro a quem faz pesquisa de excelência, elas conferem um certo status que tem forte influência na competição por financiamento. Acadêmicos argumentaram pela criação de novas formas de reconhecimento aos cientistas, que não necessariamente envolvam recursos, para que mesmo aqueles com menos financiamento possam competir em pé de igualdade.

Outra crítica dos afiliados se deu sobre a Chamada Universal do CNPq de 2023. O incentivo a projetos interdisciplinares e com equipes maiores não foi bem recebido por parte da comunidade científica, para qual o novo modelo prejudica o caráter individual de cada laboratório. Galvão defendeu que o modelo anterior pulverizava demais os projetos, influenciando negativamente na avaliação. “Hoje temos uma quantidade menor de submissões, feitas por projetos maiores, isso melhora a qualidade da tomada de decisão e reduz a pulverização nas ações”, disse.

Por essa opção por investimentos mais focalizados em missões nacionais, o presidente do CNPq apresentou os dez programas estruturantes que nortearão os investimentos do FNDCT nos próximos três anos, são eles:

  1. Programa de Recuperação e Expansão da Infraestrutura de Pesquisa Cientifica e Tecnológica em Universidades e ICTs (Pró-Infra): Previsto para setembro, o Pró-Infra pretende empenhar recursos na recuperação, expansão e modernização da infraestrutura de pesquisa, apoio a projetos que dialogam com as prioridades estratégicas e alavancagem de investimentos no interior e sobretudo nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
  2. Programa de Inovação para Industrialização em Bases Sustentáveis (Mais Inovação Brasil): Programa integrado de apoio à inovação empresarial para a transição ecológica, visando promover a reindustrialização nacional com base em conhecimento de ponta e objetivando a transição energética, a descarbonização da economia e a proteção de nossos biomas. 
  3. Programa de Difusão e Suporte à Transformação Digital (Conecta e Capacita Brasil): Programa para promoção da conectividade digital em todo o território, integrado a um esforço massivo de capacitação digital nas escolas, sobretudo voltadas às populações em maior vulnerabilidade socioeconômica.
  4. Programa Integrado de Desenvolvimento Sustentavel na Regiao Amazônica (Pró-Amazônia): Programa visando o desenvolvimento sustentável e soberano da Amazônia, voltado à consolidação das instituições de CT&I na região, à promoção de conhecimentos sobre sua diversidade biológica e humana e ao desenvolvimento de uma bioeconomia que proteja a floresta.
  5. Programa de Repatriação de Talentos (Conhecimento Brasil): Esforço para atrair de volta pesquisadores brasileiros que saíram do país, de forma a fixá-los em instituições e empresas nacionais, com foco nas áreas estratégicas e na redução das assimetrias regionais.
  6. Programa de Apoio à Políticas Públicas Baseadas em Conhecimento Científico (Política com Ciência): Estruturação de redes cooperativas de pesquisa sobre formulação, execução e avaliação de políticas públicas com base em dados e métricas adequadas e respaldadas pela ciência.
  7. Programa de Apoio à Recuperação e Preservação de Acervos Científicos, Históricos e Culturais Nacionais (Identidade Brasil): Focado na preservação, divulgação e restauração de acervos científicos, históricos e culturais brasileiros, com foco na digitalização e difusão através de apps e novos softwares.
  8. Programa de Apoio à Projetos Estratégicos Nacionais: Promover a capacidade e autonomia científica e tecnológica em setores críticos e transversais. Exemplos são o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o Projeto de Satélite de Observação Terrestre (Missão CBERS 6) e o Laboratório Nacional de Máxima Contenção Biológica NB4 – o primeiro da América Latina e incluído no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
  9. Programa de Promoção da Autonomia Tecnológica na Área da Defesa: Objetiva promover a autonomia científica e tecnológica em áreas críticas para a soberania nacional, priorizando projetos e arranjos transversais que possibilitem superar bloqueios à transferência tecnológica do exterior.
  10. Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Segurança Alimentar, a Erradicação da Fome e a Inclusão Socioprodutiva: Visa o desenvolvimento de soluções sustentáveis no combate à miséria e à fome, estruturando arranjos produtivos locais e inovações na geração de renda e emprego, considerando as múltiplas realidades espalhadas pelo Brasil.
O Acadêmico Ricardo Galvão, presidente do CNPq

Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Evento na USP reuniu a categoria de jovens cientistas da Academia. Primeira sessão tratou da profunda integração entre o desafio climático e a preservação da biodiversidade.

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.

3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro

Projeto liderado e conduzido por afiliados da ABC buscou traçar a situação e as principais questões que afetam a vida dos cientistas nacionais em início e meio de carreira.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Para fechar o segundo dia do 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5º ENMA ABC), foram convidados três membros da categoria para falar de um tema preocupante na ciência nacional: a inovação. Enquanto o país é o 13º maior produtor de ciência no mundo, é apenas o 54º em inovação, e ainda carece de uma cultura voltada à expansão do conhecimento científico para além da academia.

Bruno Gimenez: Inovação sustentável para a sociedade

A região amazônica historicamente sofre com graves problemas socioambientais. A destruição florestal, as crises de saúde pública – como a que atingiu a Terra Indígena Yanomami – e a poluição das águas pelo garimpo ilegal são algumas questões recorrentes no bioma. Mas todas essas problemáticas não podem ofuscar seus serviços ambientais indispensáveis, responsáveis por manter o equilíbrio climático e ambiental até mesmo nas regiões mais ao sul do país.

O papel da floresta no sequestro de carbono atmosférico é um desses serviços essenciais que está ameaçado, sem o qual nenhuma meta climática é factível. Outro papel vital se dá no ciclo hídrico, servindo como dreno e estoque de água e irrigando as demais regiões através dos famosos rios voadores. “Tanto o ciclo do carbono quanto o da água estão interligados e ambos estão ameaçados com as crises conjuntas de clima e destruição florestal”, afirmou o afiliado Bruno Gimenez, doutor em ciências de florestas tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e atualmente fazendo estágio de pós-doutorado na Universidade da Califórnia/Berkeley. 

Mas estudar o bioma ainda é desafiador. A dificuldade no acesso faz com que áreas imensas de floresta ainda sejam muito pouco conhecidas e mesmo nos trechos percorridos por cientistas existam diversos empecilhos. Uma figura fundamental na pesquisa é a do mateiro – ou parabotânico –, profissionais que em sua maioria não tiveram a educação formal no assunto, mas cujo conhecimento prático converge com o dos botânicos formados.

Embora cruciais, os mateiros estão se tornando mais raros e práticas comuns, como escalar as árvores para coletar no dossel estão, corretamente, passando a adotar procedimentos de segurança mais rigorosos. “Algo que pode se considerar uma inovação na pesquisa amazônica é a utilização de gruas de construção civil para acessar o topo das árvores. Alguns profissionais se adaptaram a essas novas práticas, outros não”, contou Gimenez.

Cada vez mais empresas têm voltado seus olhos para o fornecimento de inovação para a pesquisa no bioma e algumas adaptações se fazem necessárias. O Acadêmico trouxe o exemplo de um aparelho para medição de condições do ar que ele tentou adaptar de outro bioma, mas que apresentou problemas devido à alta umidade. “Situações como essa são comuns e mostram como, cada vez mais, é preciso trazer tecnologia para a Amazônia”, finalizou.

Maurício Cherubin: Nova agricultura sustentável: conciliar segurança alimentar e mudanças climáticas

O Brasil sofre duas pressões antagonistas no cenário global. Ao mesmo tempo em que se espera do país condições de alimentar um planeta que caminha para os 10 bilhões de habitantes, também somos uma potência ambiental absolutamente fundamental na conservação de biomas que regulam o equilíbrio climático global.

“Nos últimos 45 anos, a área de lavoura aumentou em 105% enquanto a produtividade da produção cresceu em 653%”, destacou o agrônomo Maurício Cherubin. Para ele, existe uma falsa dicotomia entre as questões ambiental e agrícola. “Até 2050, o cultivo da soja, por exemplo, pode perder até 80% da produtividade devido à diminuição das terras cultiváveis”, alertou.

O perfil das emissões de gases do efeito estufa no Brasil é completamente inverso do resto do mundo. Enquanto a maior parte dos países tem sua maior fonte de emissão no uso dos combustíveis fósseis, mais da metade dos gases do efeito estufa brasileiros vêm da destruição ambiental e da agropecuária. “Para seguirmos a trajetória de mitigação não adianta só reduzir emissões, é preciso remover parte do carbono que está na atmosfera e o solo é fundamental para isso”, disse.

O Acadêmico é um dos maiores expoentes do país em pedologia – o estudo do solo – tendo recebido o prêmio Bunge em 2022, considerado o “Oscar” das agrárias. Cherubin explicou que o solo estoca duas vezes mais carbono que a atmosfera, “A planta é a chave e o solo é o cofre”, ilustrou, “o carbono é retirado da atmosfera pelos organismos e depois depositado como matéria orgânica”.

Solo com mais carbono é solo saudável, melhor para agricultura e para o meio ambiente. “Os benefícios vêm na produtividade, na regulação climática, no controle da erosão, na qualidade da água”, explicou.

O Acadêmico afirmou que o país é hoje líder no plantio direto – por cima da palhada deixada pelo cultivo anterior – e também em outras práticas sustentáveis como os sistemas agroflorestais. “Somos o único país a fazer agroflorestal em larga escala, na maior parte do mundo é feito em escala doméstica”, disse. “Nossa visão tem de ser a de um ciclo virtuoso, onde mais ciência gera mais produtividade e mais serviços ecossistêmicos”, finalizou.

Vinicius Farias Campos: Inovação como meio de transformação social

Transformar pesquisa em inovação para a sociedade é um dos desafios do Brasil no século XXI. Em 2021 foram requeridas 3,4 milhões de patentes no mundo, e o Brasil foi responsável por apenas 24 mil. Destas, apenas 21% foram depositadas por brasileiros. “Deixamos tudo na mão de depositantes externos”, criticou o biotecnólogo Vinicius Farias Campos, superintendente de Inovação e Desenvolvimento Interinstitucional da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Outra anomalia é a proporção anormal de patentes depositadas por universidades. Esse fato, muitas vezes usado para criticar as instituições públicas, para Vinicius Campos reflete apenas a falta de inovação no setor privado. “Se olharmos as universidades de ponta do mundo, estamos atrás. Precisamos é estimular uma cultura de patentes no país e as universidades têm papel fundamental em puxar esse movimento”, disse.

O Acadêmico também criticou os incentivos presentes na carreira científica, que tendem a desestimular o desenvolvimento de inovação tecnológica. Ele não enxerga uma cultura de inovação dentro da comunidade científica brasileira, com poucos Conselhos, setores e pessoal especializado. “Precisamos de um ambiente institucional favorável. É necessário cobrar as instituições para que melhorem o processo de submissão de artigos, trabalhem com prazos e protocolos definidos, contem com profissionais adequados para isso”, defendeu.

O Marco Legal de C&T determina que as instituições tenham seus próprios setores de inovação, mas muitas delas ainda engatinham nesse processo. “Muitos lugares têm criado centros voltados pra inovação apenas com mesa e tomada pro cientista trabalhar. Precisamos nos perguntar, como pesquisadores nacionais, queremos de fato investir e fazer inovação?”, finalizou.


Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Evento na USP reuniu a categoria de jovens cientistas da Academia. Primeira sessão tratou da profunda integração entre o desafio climático e a preservação da biodiversidade.

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.

3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro

Projeto liderado e conduzido por afiliados da ABC buscou traçar a situação e as principais questões que afetam a vida dos cientistas nacionais em início e meio de carreira.

Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.

3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro

Para abrir as sessões do segundo dia do 5° Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5o ENMA), as pesquisadoras Ana Chies (astrofísica, UFRGS), Jaqueline Mesquita (matemática, UnB) e Raquel Minardi (ciência da computação, UFMG) apresentaram o projeto elaborado por membros afiliados da academia para traçar o perfil do jovem cientista brasileiro.

Perfil do cientista brasileiro em início e meio de carreira

Idealizado em 2020 durante o I Workshop Online dos Membros Afiliados ABC, o projeto “Perfil do cientista brasileiro em início e meio de carreira” visou preencher uma lacuna de informação sobre a situação dos jovens pesquisadores brasileiros. Uma das dificuldades de desenvolver políticas públicas para o setor é a falta de dados, então o objetivo foi traçar o perfil de cientistas com, no máximo, 15 anos de doutorado completos até 2021.

A iniciativa contou com o trabalho voluntário de 74 afiliados, que se dividiram em sete eixos principais: financiamento, bolsas de produtividade, divulgação cientifica, diáspora científica, internacionalização, liderança científica e diversidade. Os temas orientaram reuniões periódicas de grupos de trabalho que definiram perguntas para um survey online.

Com a colaboração do especialista em pesquisas de opinião Alessandro Freire, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), as perguntas foram elaboradas com base nos temas levantados durante os debates dos grupos de trabalho e passaram pelo crivo do comitê de ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por abordar temas sensíveis, foi decidido que as respostas seriam anônimas, permitindo relevar detalhes inéditos sobre a vida dos jovens cientistas brasileiros.

A divulgação foi feita pela internet, através do site oficial e redes sociais da ABC, e também contou com a colaboração de assessorias de comunicação de universidades e programas de pós-graduação. O projeto contou também com a colaboração do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para alcançar  os cientistas brasileiros que saíram do país. O questionário foi aplicado entre 1º de julho de e 15 de agosto de 2022 e contou com 4.115 respostas válidas. Os dados coletados foram analisados e disponibilizados em relatórios.

As afiliadas Ana Chies, Raquel Minardi e Jaqueline Mesquita durante a apresentação do survey

Resultados e debate

Os resultados obtidos no survey desenham um cenário parecido com o Censo do CNPq de 2016. A ciência brasileira segue predominantemente branca e concentrada no Sudeste e Rio Grande do Sul, ainda muito homogênea considerando o tamanho e diversidade do país.

A pesquisa teve uma abordagem focada na experiência profissional dos cientistas. A maior dificuldade, para 74%, está na hora de conseguir financiamento. Outra situação preocupante aparece quando 46% dos pesquisadores considera não valer a pena seguir a carreira e 36% diz não se sentir motivado para trabalhar.

Uma reclamação difundida entre pesquisadores em início e meio de carreira, e que foi muito debatida entre os afiliados, é a dificuldade de conseguir as bolsas de produtividade do CNPq. A categoria criada para valorizar cientistas que se destacam na geração de conhecimento é vista como fundamental, tanto pelos recursos quanto pelo valor simbólico associado na hora de disputar fomento e conseguir colaborações. Entretanto, menos de 10% dos participantes estão no nível PQ2, o nível inicial das bolsas, e menos de 2% atingiram o nível PQ1, o mais alto.

Para os afiliados presentes, além da pouca renovação nas bolsas de produtividade, existe um vício nos editais de financiamento que privilegiam excessivamente a categoria sênior. “Chegamos ao ponto de, para muitas chamadas, buscarmos incluir esses cientistas apenas para ter chance de competir, mesmo sem grande participação no projeto”, confessou um Acadêmico.

A falta de estratificação nos editais foi considerado um dos problemas geradores dessa situação. “Cientistas com dez anos de doutoramento estão competindo pelos mesmos grants que pesquisadores renomados com mais de 40 anos de doutorado”, criticou o sociólogo Amurabi de Oliveira, professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Outra questão abordada pelo survey foi a liderança científica. A maior parte dos jovens pesquisadores acredita que o principal para se tornar uma liderança na área é ter reconhecida produção acadêmica, mas, ao mesmo tempo, também acredita que atividades de gestão e coordenação prejudicam a produção. Essa contradição é acentuada por uma percepção de que não há muito espaço para os jovens nessas posições, como nos comitês de assessoramento do CNPq.

Durante a discussão, os afiliados sugeriram que algumas posições nos comitês fossem reservadas a cientistas em começo e fim de carreira, caso contrário as demandas do grupo ficam represadas e demoram a ser contempladas.

Em um dos dados mais impactantes levantados pelo survey, 49% dos homens e 67% das mulheres afirmaram já ter sofrido assédio moral; e 12% dos homens e 47% das mulheres afirmaram já ter sofrido assédio sexual. No caso deste último, 99% dos assediadores eram homens.

Um relatório final com a íntegra dos resultados do survey será publicado nos próximos dias.

Afiliados presentes no 5º ENMA elencam os pontos que chamaram mais atenção nos resultados do survey

Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Evento na USP reuniu a categoria de jovens cientistas da Academia. Primeira sessão tratou da profunda integração entre o desafio climático e a preservação da biodiversidade.

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.

Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

O 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5º ENMA ABC) aconteceu entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro, no Centro de Difusão Internacional da Universidade de São Paulo (CDI/USP). A 2ª sessão da reunião seguiu na mesma linha da primeira e debateu os desafios ambientais para o século XXI.

Joana Angélica da Luz: Se não fossem as mudanças climáticas, o que estaríamos fazendo?

As mudanças climáticas são um desafio existencial, pois ameaçam a própria capacidade da espécie humana de sobreviver aos próximos séculos. Entretanto, a questão ambiental não se reduz apenas ao clima. Problemas como desmatamento, descarte de lixo e eventos extremos já existiam mesmo antes da atual compreensão sobre o imperativo climático. “Estamos preocupados com o ambiente apenas pela questão existencial, desconsiderando os efeitos prejudiciais que sempre existiram?”, indagou a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), a geoquímica Joana Angélica da Luz.

Essa é uma questão mais fundamental do que parece, provocando indagações sobre o próprio papel da ciência na nossa sociedade. Afinal, apesar de a autoridade científica ter muito prestígio, a ciência não é mãe apenas de inovações positivas. A ciência criou a bomba atômica e todas as tecnologias que hoje poluem o meio ambiente.

Uma das formas de se enfrentar esse dilema é guiar nossa ciência pelo conceito de sustentabilidade. A palavra, hoje quase um lugar-comum, foi introduzida ainda nos anos 80 e descreve um desenvolvimento econômico e social que não afeta a capacidade das gerações futuras de fazerem o mesmo. “Para isso, um novo modelo econômico que reduza desigualdades precisa levar em conta uma necessária redução no consumo”, enfatizou.

Mas reduzir consumo numa sociedade que dele depende não é trivial. No âmbito individual, a conscientização da população é algo fundamental, mas ela não ocorre com a urgência que o tema exige. É preciso precificar os danos ambientais – um exemplo é o sistema de créditos de carbono –, traduzindo para termos econômicos as necessidades do planeta. Outros âmbitos importantes são o jurídico e o político. É preciso reforçar legislaçoes e controles, e convencer outros países a fazer o mesmo através de acordos multilaterais.

“Precisamos sempre nos perguntar uma coisa,: o nosso planeta comporta um cenário em que todas as pessoas tenham o padrão de consumo da classe média de países ricos?”, indagou por fim.

A reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia, Joana Angélica da Luz

Patrícia Muniz de Medeiros: Que abordagens integram segurança alimentar, sustentabilidade e desenvolvimento das populações locais?

Um dos mitos mais difundidos da sociedade moderna é o da separação entre homem e natureza. A centralidade que a modernidade deu ao ser humano criou essa diferenciação falsa, que intensifica dois desafios profundamente interligados. “Problemas ambientais geram problemas sociais”, resumiu a etnobióloga Patrícia Muniz de Medeiros, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), eleita afiliada da ABC de 2021 a 2025. A etnobiologia é a ciência que estuda a relação entre os povos e a natureza.

A própria história ambiental dos biomas reflete milhares de anos de uso por parte de comunidades locais.  “Estratégias de conservação são fundamentais, mas devem estar associadas à preservação cultural das comunidades locais”, enfatizou.

A partir dessa abordagem, é possível conciliar duas atividades aparentemente contraditórias: extrativismo e conservação. A ideia é incrementar sistemas alimentares com plantas alimentícias silvestres, extraídas de forma racional e de acordo com práticas tradicionais utilizadas pelas comunidades locais há gerações. “Um exemplo já famoso é o do açaí, que hoje é produzido em sistemas agroflorestais sustentáveis e consumido em todo o Brasil”.

A partir do momento em que esses produtos provém retornos economicos, é mais fácil de preservar seus ambientes de origem. As próprias populações locais se tornam mais resistentes à destruição, pois esta passa a significar a destruição de seu próprio sustento. “Essas plantas já foram durante muito tempo cruciais para a sobrevivência contra a fome, agora elas são também fundamentais para a sobrevivência ambiental”, finalizou Medeiros.

Carlos Nobre – Como Ciência e Tecnologia podem contribuir para uma nova bioeconomia para a Amazônia?

A Amazônia é um dos elementos mais críticos do sistema climático da Terra. A gigantesca evapotranspiração florestal alimenta os sistemas de chuva no Brasil central e sul, são os chamados rios voadores. Outra característica fundamental é a capacidade de sequestrar carbono, o qual, se lançado na armosfera levaria a uma elevação na termperatura do planeta ainda maior.

Mas a floresta corre perigo. Há 40 anos o climatologista Carlos Nobre alerta para o risco de “savanização” da Amazônia. “A floresta corre o risco de virar uma savana, não uma rica em biodiversidade e serviços ecossistêmicos como o Cerrado, mas uma savana pobre e degradada”, alertou.

Nobre afirmou que se o desmatamento atingir 25% da floresta e a temperatura média do planeta subir 2,5°C atingiremos o ponto de não-retorno. Para evitar esse cenário, é urgente começarmos a desenvolver um novo modelo produtivo na região em bases sustentáveis, a chamada bioeconomia da floresta em pé. “Hoje existem menos de 100 iniciativas de bioprodução de produtos florestais em toda a Amazônia, é um número ínfimo perto do potencial”, destacou.

Iniciativas como a Cooperativa Mista de Tomé-Açu (CAMTA) e o Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (RECA) já fazem produção agroflorestal sustentável e permitiram a todos seus associados atingir pelo menos a classe C. “É um potencial de desenvolvimento regional muito maior que a agropecuária. Emprega mais gente e não agride o ambiente”, afirmou Nobre.

Mas para desenvolver essas práticas e descobrir novos produtos é preciso ciência. Nobre é um defensor ferrenho da criação de um instituto tecnológico pan-Amazônico robusto, que forme uma nova geração de cientistas locais e atue de forma próxima com os demais setores da economia. “Minha visão é de um AMIT, um MIT para a Amazônia”, disse em referência ao célebre instituto norte-americano. “Nosso grande desafio enquanto cientistas é construir uma Amazônia sustentável e que dê oportunidades às pessoas que nela vivem”.

Debate e síntese

A roda de conversa se debruçou sobre os incentivos individuais e coletivos à preservação no país. “Uma situação comum no Brasil é que, para muitas empresas, é mais barato pagar a multa do que cumprir a lei”, exemplificou o afiliado José Rafael Bordin.

A ideia de Carlos Nobre de levar um centro de tecnológica para a Amazônia também foi discutida a fundo, passando inclusive por tentativas frustradas anteriores. A necessidade de integrar a população local é ponto central para o Acadêmico. “Precisamos criar novas lideranças científicas entre as populações indígenas”, enfatizou.

Mas integrar o conhecimento científico aos saberes tradicionais não vem sem desafios. De início, é preciso uma abordagem mais horizontal, que respeite as culturas locais. Sobretudo, é preciso entender que essas comunidades estão sob fortes pressões externas e buscar formas de trocar conhecimento e tecnologia sem desestruturá-las.

Outro ponto levantado foi a inovação, ainda o ponto fraco da ciência brasileira. Para os Acadêmicos, falta um esforço nacional para desenvolver patentes e tecnologias. O afiliado Tiago Mendes trouxe o exemplo do Núcleo de Inovação em Tecnologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).“É preciso organizar uma estrutura de governança para acordos dentro das universidades, com regimentos, prazos e protocolos. Também é preciso uma legislação firme de propriedade intelectual e treinamento de qualidade para os cientistas interessados”.

Roda de debate após a 2ª sessão do 5º ENMA 

Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Evento na USP reuniu a categoria de jovens cientistas da Academia. Primeira sessão tratou da profunda integração entre o desafio climático e a preservação da biodiversidade.

3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro

Projeto liderado e conduzido por afiliados da ABC buscou traçar a situação e as principais questões que afetam a vida dos cientistas nacionais em início e meio de carreira.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.

Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.

5º Encontro Nacional de Membros Afiliados em SP: 1ª Sessão

Em 30 de agosto, teve início o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (5o ENMA), no Centro de Difusão Internacional da Universidade de São Paulo (CDI/USP). Os afiliados da ABC representam uma geração mais jovem de professores e pesquisadores eleitos anualmente por regiões do país e o objetivo dos encontros nacionais é integrá-los às atividades da Academia, assim como em torno das grandes questões científicas nacionais, inclusive as políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação.

O vice-presidente da ABC para a Região São Paulo, Glaucius Oliva, coordenou a organização do evento, junto com os afiliaods foi coordenado pelo vice-presidente da ABC para a região SP, Glaucius Oliva (USP), e contou com o apoio do Acadêmico Marcio de Castro Silva Filho, diretor-científico da Fapesp. O Comitê Organizador foi composto por Denise Brentan da Silva (UFMS), Denise Morais Fonseca (USP), Jaqueline Mesquita (UnB), José Rafael Bordin (UFPel), Juliana Hipólito de Sousa (Inpa), Nara Quintão (Univali), Pedro Peixoto (USP), Taissa Rodrigues (Ufes) e Thaiane Moreira de Oliveira (UFF), com o apoio dos funcionários da ABC Elisa Oswaldo-Cruz Marinho, gerente de Comunicação; Gabriella Mello, secretária-executiva de Programas Nacionais; e Fernando Verissimo, gerente administrativo. 

Oliva abriu o evento lembrando que na fase da carreira em que os afiliados se encontram há uma tendência à reclusão nos próprios laboratórios e linhas de pesquisa e, portanto, expandir esses horizontes é crucial. Em seguida, a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, lembrou que a criação de uma categoria para jovens cientistas foi uma inovação do ex-presidente Jacob Palis, que logo se difundiu por outras academias nacionais. “Agradeço efusivamente à todos os afiliados presentes, vocês fazem a ABC”, declarou.

O vice-presidente para a Regional SP, Glaucius Oliva, e a presidente da ABC, Helena Nader, abriram o 5° Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC 

Sessão 1 – Preservação Ambiental e Soberania Nacional: como as mudanças climáticas afetam a biodiversidade?

A primeira sessão do 5º ENMA focou em questões ambientais referentes a dois desafios-irmãos: as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. O debate foi precedido de quatro exposições por Acadêmicos, onde cada um teve a oportunidade de deixar uma pergunta no ar para nortear as discussões. Confira como foi:

Felipe Ricachenevsky: Como podemos integrar produtividade agrícola à sustentabilidade?

Estimativas sobre o crescimento populacional do planeta estimam que seremos 9 bilhões de pessoas até 2050. Alimentar toda essa população em um contexto de mudanças climáticas não é tarefa fácil e as soluções inevitavelmente passam por inovações na agricultura. O biólogo Felipe Klein Ricachenevsky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), eleito afiliado da ABC de 2021 a 2025, focou sua apresentação no arroz, um dos grãos mais difundidos do planeta.

O arroz que comemos hoje não é uma planta que exista na natureza, tendo sido domesticada há milhares de anos. Mais recentemente, a diversidade do gênero Oryza e seu fácil manuseio tornou a planta um modelo para estudos genéticos, o que facilita os esforços de biofortificação. Exemplo disse é o Golden Rice. “É um caso de sucesso do ponto de vista biotecnológico, um tipo de arroz enriquecido com vitamina A. Queremos fazer o mesmo para o ferro e para o zinco”, afirmou.

Esses dois nutrientes estão entre os maiores déficits alimentares no mundo. No Brasil, estima-se que uma a cada três crianças estão deficientes em ferro, e a ausência de zinco na primeira infância é um problema global. “Em nosso laboratório, já conseguimos gerar plantas modificadas por Crispr com um aumento significativo de ferro. Precisamos mostrar que é possível”, disse.

As mudanças climáticas também influenciam no valor nutricional dos alimentos. Estimativas indicam que o arroz cultivado pode perder até 10% nas concentrações de ferro e zinco, além dos efeitos óbvios que eventos climáticos extremos têm nas colheitas. Enfrentar esse problema passa por compreender os mecanismos biológicos das plantas, identificando alvos genéticos e mutações benéficas. “Nossa agricultura precisa ser produtiva, nutritiva e, ao mesmo tempo, sustentável. É um desafio cujas soluções estão na biodiversidade, só precisamos encontrá-las”, finalizou.

Juliana Hipólito: Por que, mesmo entendendo a correlação clara entre preservação e produtividade, não conseguimos priorizar a agricultura sustentável?

Um processo ecológico que está cada vez mais ameaçado pela perda de biodiversidade é a polinização. Cerca de 75% das espécies cultivadas hoje em dia dependem em algum grau de animais polinizadores, dependência estimada entre 235 a 577 bilhoes de dólares anualmente. “Esse valor é associado apenas à agricultura. Se considerarmos o papel dos polinizadores na conservação de vegetação nativa esses números seriam ainda maiores, até inestimáveis monetariamente”, disse a ecóloga Juliana Hipólito de Sousa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Políticas públicas voltadas à preservação de polinizadores aida estão espalhadas de forma desigual pelo Brasil e a maior parte carece de sólido embasamento científico. “Não temos, verdadeiramente, nenhuma legislação racional para conservação e uso sustentável dos polinizadores”, alertou Hipólito.

Esse cenário revela uma contradição fundamental na agricultura intensiva brasileira, cujas práticas afetam serviços ecossistêmicos indispensáveis para a própria manutenção da atividade no longo prazo. “A heterogeneidade de áreas naturais é fundamental para manter a diversidade de polinizadores, mas conservar esses espaços próximos ao agro está cada vez mais difícil”, disse.

Com as mudanças climáticas, ocorrem alterações importantes no comportamento e tamanho populacional de animais polinizadores, o que agrava o problema. As abelhas são o exemplo mais famoso, mas o risco existe para diversas outras espécies. “Produção agrícola em detrimento da biodiversidade é um caminho rápido para o colapso, tanto do meio ambiente quanto de nossa própria sociedade”, apontou a afiliada da ABC eleita para o período de 2021 a 2025.

Marcelo Trovó: Seremos capazes de integrar conhecimento científico às necessidades econômicas e sociopolíticas?

As mudanças climáticas são responsáveis por alterações na distribuição geográficas das populações vegetais. Modelar essas alterações com base nos diferentes cenários climáticos e pelas mudanças no uso da terra pode nos permitir um vislumbre do futuro, de modo a compreender quais plantas e habitats estão mais ameaçados. “Nosso foco precisa ser justamente nos organismos com distribuição geográfica restritas”, alertou o botânico Marcelo Trovó de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro afiliado eleito para o período de 2022 a 2026.

Esse monitoramento permite a constante atualização da lista de espécies ameaçadas do Brasil, inclusive de forma preventiva. O modelo de conservação do Brasil, em parques fechados, isola a biodiversidade, criando barreiras geográficas que não permitem que as diferentes populações se encontrem. Uma possível solução são os corredores ecológicos. “As áreas prioritárias para restauração hoje em dia devem ser justamente as que promovem conectividade entre esses espaços”, explicou Trovó.

Projetos de restauração em larga escala são cada vez mais necessários, tanto para manter biodiversidade, quanto para mitigar as mudanças climáticas. Para isso, existem várias estratégias que devem ser estudadas e planejadas com um olhar cuidadoso para o fator local. O Acadêmico avalia que a quantidade de projetos que dão errado se deve a planejamento errado, à escolha de espécies erradas e a aplicação de técnicas de plantio erradas..

Como criar essas novas áreas de preservação em regiões que hoje estão tomadas pela agropecuária é um desafio que vai muito além da ciência. Trovó apotou que é preciso criar incentivos econômicos que integrem as populações rurais ao esforço, produzindo uma nova consciência social que leve essa urgência aos tomadores de decisão. “É, portanto, um problema fundamentalmente político.”

Paulo Artaxo: Como reestabelecer a conexao vital entre humanos e o resto do mundo que nos sustenta?

As questões climáticas e de biodiversidade são inseparáveis. Essa é uma das conclusões da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e serviu de ponto de partida para a apresentação do climatologista Paulo Artaxo, membro titular da ABC. O papel central do Brasil nesses dois temas é de fácil explicação: num único hectare da floresta Amazônica são encontradas mais espécies do que em toda a Europa. Mas os efeitos destrutivos das alterações no clima já estão sendo sentidos.

“Estamos caminhando para um planeta 3°C mais quente e já é impossível limitar a 1,5°C”, afirmou Artaxo. Mas esse aumento não é uniforme: no Ártico, por exemplo, o aumento chega a quase 7°C e as consequências tendem a ser drásticas. Outra consequência é alteração nos padrões de chuva, e a região central do Brasil tende a se tornar mais seca. “Esse Brasil ‘potência agrícola’ pode simplesmente não ser mais viável”, alertou Artaxo.

Os principais vetores de destruição estão interligados e precisam ser pensados juntos na hora de buscarmos soluções e adaptações. Modelos mostram que as maiores perdas de biodiversidade se darão justamente nas regiões tropicais, logo, o Brasil é um dos países que têm mais a perder. “O risco de extinção pode chegar a 30% das espécies que temos atualmente”, disse.

Mas se os problemas estão interligados, as soluções também estão. Manter a biodiversidade, sobretudo na Amazônia, mas também nos outros biomas, é uma forma de sequestrar carbono, evitando que toda essa matéria orgânica seja mandada para a atmosfera. “O valor econômico desses serviços ecossistêmicos é altíssimo, muito maior do que qualquer coisa que se possa ganhar desmatando. Essa é uma decisão que precisamos tomar nesta década: qual caminho seguiremos?”, finalizou.

Debate e síntese

Após as palestras, os membros afiliados presentes se reuniram numa grande roda de conversa onde todos tiveram a oportunidade de deixar uma reflexão. O papel da comunidade científica – e a própria forma como a carreira científica se estrutura – foi tema central, assim como a tradução dos conhecimentos desta para o mundo político e a sociedade.

Os cientistas foram unânimes em lembrar que, num país pobre, é impossível exigir práticas sustentáveis que representem um custo de vida mais alto para a população. Ainda assim, construir consciência ambiental é fundamental e isso passa, inevitavelmente, por educação. O mundo acadêmico ainda dialoga pouco com a educação básica, sobretudo no suporte aos professores do segmento, preferindo se encastelar em seus departamentos conforme incentiva os tradicionais mecanismos de avaliação da carreira.

Outro aspecto do problema é a comunicação científica, que ainda engatinha no Brasil. Os pesquisadores argumentaram que esforços individuais dos próprios cientistas são, em sua maioria, de pouco impacto, e não podem ser o cerne da solução. Pelo contrário, profissionalizar os setores de comunicação das universidades e instituições para que estes possam dar o suporte necessário à comunidade acadêmica é muito mais efetivo, mas exemplos ainda são poucos no Brasil.

O financiamento à pesquisa também foi tema de debate. A predominância do fomento público na ciência brasileira muitas vezes faz parecer que essa é a única opção, o que é particularmente problemático em tempos de austeridade fiscal. O afiliado Maurício Cherubin, engenheiro agrônomo da Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) eleito afiiado para o período de 2023 a 2027,  fez questão de lembrar da possibilidade de financiamento privado e de parcerias público-privadas, assim como ressaltou a importância da integração em grandes projetos e redes científicas como forma de expandir o impacto da própria pesquisa. “Oportunidades existem, mas precisamos encontrá-las”, disse.

Ao final da sessão, foi organizada uma roda de debate entre os afiliados presentes no 5° ENMA 

Confira tudo sobre o 5º Encontro Nacional de Membros Afiliados ABC:

2ª Sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debateu desafios ambientais

Afiliados e os convidados Joana Angélica da Luz, reitora da UFSB, e o Acadêmico Carlos Nobre refletiram sobre os imperativos ambientais e o potencial do Brasil para ser protagonista na área.

3ª sessão do Encontro Nacional de Afiliados apresenta Perfil do Jovem Cientista Brasileiro

Projeto liderado e conduzido por afiliados da ABC buscou traçar a situação e as principais questões que afetam a vida dos cientistas nacionais em início e meio de carreira.

4ª sessão do 5º Encontro Nacional de Afiliados debate inovação no Brasil

Atividade fechou o segundo dia de encontro e contou com palestras dos afiliados Bruno Gimenez, Maurício Cherubin e Vinícius Campos.

Último dia do 5º Encontro Nacional de Afiliados ABC debate financiamento

Para fechar a reunião de jovens cientistas, a Academia convidou os presidentes das principais agências de fomento do país para ouvir as demandas de seus membros afiliados.

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