pt_BR

ABC participa de Pré-Cúpula da Science20

Nos dias 27 e 28 de julho, o Science20 (S20), grupo formado pelas Academias nacionais de ciências dos países do G20 realizou o S20 2022 Pre-Summit, encontro híbrido para discutir o último rascunho da declaração “Recuperando Juntos, Recuperando Mais Fortes”, que será lançada oficialmente durante a cúpula anual do S20, a ser realizada na Indonésia.

A Academia Brasileira de Ciências esteve representada no evento por sua presidente, Helena Bonciani Nader, que alertou para o fato de as maiores economias do planeta não estarem fazendo o suficiente para enfrentar a crise climática. “De forma preocupante, a mesma negligência que vimos prevalecer nos alertas relacionados a possíveis pandemias também é notada quando o tema é mudanças climáticas. Ações preventivas ou mitigatórias, quando adotadas, têm sido em escala muito abaixo da necessária”, disse Nader.

A presidente da ABC afirmou também que a sustentabilidade precisa andar de mãos dadas com o combate à desigualdade e a garantia de direitos fundamentais para todas as pessoas do planeta, e disse que vê com grande preocupação a difusão de valores anticiência que ocorre ao redor do mundo. “A construção de um planeta mais igualitário e sustentável só será possível se tivermos as pessoas como foco. Devemos nos recuperar juntos para nos recuperarmos de forma mais efetiva. Não podemos deixar ninguém para trás. Este é um compromisso ético que deve ser abraçado por todos”, finalizou.

Também estava presente na reunião o membro correspondente da ABC Jeremy McNeil, presidente da Royal Society do Canadá.

Afiliadas da ABC apresentam survey para traçar perfil do jovem cientista brasileiro

A afiliada Jaqueline Mesquita, que mediou o painel

Durante o último dia de atividades da 74ª Reunião Anual da SBPC foi realizado um importante painel sobre os desafios e perspectivas dos jovens cientistas brasileiros. O encontro teve a presença das membras afiliadas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Jaqueline Mesquita e Raquel Minardi, que representaram o grupo de trabalho de afiliados da ABC que vem desenvolvendo um survey para mapear o perfil do jovem pesquisador brasileiro. O trabalho contou com o apoio fundamental da presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena B. Nader. Também participou da mesa o pesquisador Alessandro Freire, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que colaborou na elaboração do survey.

Completaram o debate o ex-presidente da SBPC Ildeu Moreira; a pesquisadora do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) Sofia Aranha; e o presidente-eleito da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinicius Soares.

Histórico dos pós-graduados brasileiros

Nas últimas três décadas o Brasil viu um aumento exponencial na titulação de mestres e doutores. De acordo com dados da Plataforma Sucupira, o país passou de 10 mil mestres formados ao ano em 1996 para 70 mil em 2019, e de menos de 4 mil doutores para quase 25 mil no mesmo período. Mas a tendência de crescimento se reverteu com a pandemia. “Torcemos para que seja apenas um represamento”, disse Sofia Aranha.

A pesquisa realizada pelo CGEE mostrou também uma resiliência maior de mestres e doutores no mercado de trabalho. Estes foram menos demitidos que a média nacional durante a recessão que atingiu o país entre 2014 e 2017. Entretanto, a situação vem se deteriorando rapidamente. A tendência é de queda nas remunerações e nas contratações, sobretudo de doutores recém-formados. Some a isso o valor completamente defasado das bolsas de pós-graduação federais – que não são reajustadas desde 2013 – e temos um cenário de fuga da pós graduação. “O Brasil ainda não formou gente suficiente”, alertou Aranha, lembrando que a relação de doutores por habitantes do país ainda está muito aquém dos países desenvolvidos.

Na mesma linha, Vinicius Soares defendeu o reajuste urgente das bolsas de pós-graduação para valores compatíveis com a inflação acumulada, e a contagem dos anos de pós-graduação para o tempo previdenciário. Ele lembrou também que o país vem perdendo mão-de-obra qualificada para o subemprego ou para o exterior. “Estamos desperdiçando uma janela demográfica única. A maior parte da população está em idade economicamente ativa, mas acaba em postos de menor qualificação ou trabalhando para o desenvolvimento de outros países”, argumentou.

Dentre os problemas listados, o presidente-eleito da ANPG criticou a falta de um plano de desenvolvimento científico que valorize o pesquisador, e o modelo acadêmico atualmente praticado no Brasil, muito voltado para dentro. “Precisamos de um país onde cada pessoa seja introduzida à CT&I desde a escola, e onde os ambientes acadêmico e econômico interajam de forma que mestres e doutores sejam melhor absorvidos pelo mercado de trabalho”.

Ainda de acordo com a pesquisa do CGEE, em 2017, 75% dos pós-graduados empregados no Brasil estavam no setor da educação, e, destes, 83% se encontravam alocados no ensino superior. “Óbvio que professores são imprescindíveis, mas temos um contingente grande de mestres e doutores que poderia contribuir também com as necessidades que o mercado atual vem impondo”, concluiu.

Ildeu Moreira lembrou de uma pesquisa feita em 2019 pelo INCT em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), que revelou que dois terços dos jovens entre 15 e 24 anos têm interesse por ciência, mas a ampla maioria não sabe citar o nome de um pesquisador ou instituição científica brasileira. “Temos a necessidade de aumentar o número de pessoas trabalhando na área, e temos de onde tirar”, afirmou o ex-presidente da SBPC.

A afiliada Raquel Minardi durante apresentação no painel virtual

Perfil do Cientista Brasileiro

Raquel Minardi e Alessandro Freire apresentaram um pouco do survey que o grupo de trabalho criou para entender melhor quem é o jovem cientista brasileiro. A pesquisa é fruto do trabalho voluntário de 87 pessoas de todas as regiões do país, visando englobar a imensa diversidade nacional e as várias áreas da ciência. “Nosso público-alvo são pessoas que terminaram o doutorado a partir de 2006 e que possuem vínculo formal com instituições de ensino e pesquisa, públicas ou privadas, no Brasil ou no exterior”, explicou Minardi.

O formulário aborda diversas questões como: perfil socioeconômico, diversidade de gênero e raça, liderança científica, realização profissional, trajetória, maternidade/paternidade na academia, parcerias com o exterior, fuga de cérebros, dentre outros aspectos. “Esperamos ter resultados elucidativos que sirvam de base para comparações e análises mais aprofundadas; mas, para isso, precisamos da colaboração de todos”, disse Freire.

Participe do survey Perfil do Cientista Brasileiro até 15 de setembro.

ABC envia ofício ao MCTI com alerta sobre Mercúrio

Em maio de 2022, a Academia Brasileira de Ciências criou um Grupo de Trabalho (GT) interdisciplinar para a elaboração de um documento sobre a poluição por mercúrio no Brasil. A iniciativa partiu do vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt Andrade, que alertou para o problema durante a cerimônia de entrega do Prêmio Álvaro Alberto deste ano.

O mercúrio é um metal altamente tóxico para a saúde humana e para o meio ambiente. Apesar dos riscos representados pela poluição, esse elemento é bastante utilizado comercialmente em produtos como células eletrolíticas, lâmpadas de vapor de mercúrio, fungicidas, termômetros e equipamentos médicos. No Brasil, em particular, o mercúrio está muito associado ao garimpo ilegal, o que afeta diretamente as populações indígenas e a floresta.

Como primeira iniciativa do GT foi elaborada uma carta com recomendações ao MCTI, a pedido do ministro Paulo Alvim. O documento sugere ações que reforcem o monitoramento desse poluente no ambiente e nos alimentos, além da substituição de produtos que contenham mercúrio por alternativas tecnológicas que já existem. A ABC pede também que o Brasil retome sua participação ativa na Convenção de Minamata, envolvendo-se nos esforços globais sobre o tema.

Coordenado por Jailson Bittencourt, o grupo conta também com os Acadêmicos Adalberto Val, Alvaro Prata, Anderson Gomes, Glaucius Oliva, Luiz Drude, Mercedes Bustamante, Patricia Bozza, Paulo Artaxo, Ruben Oliven e Virgílio Almeida.

Confira o ofício enviado ao MCTI.

Espetáculo de dança homenageia Niéde Guidon

A trajetória da membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Niéde Guidon virou tema de um espetáculo de dança da Ópera da Serra da Capivara. A cientista franco-brasileira é responsável pela descoberta de centenas de sítios arqueológicos na localidade, que revolucionaram o conhecimento sobre a presença do homem na América do Sul e muito contribuíram para o desenvolvimento regional.

Um time de 12 bailarinos de São Raimundo Nonato, Piauí, performaram um número de cancã, tradicional dança francesa, para contar um pouco da história e obra da Acadêmica, desde os estudos na França até o trabalho memorável realizado na caatinga. A homenagem marcou o retorno da tradicional ópera após as interrupções causadas pela covid-19 e envolveu mais de 300 pessoas trabalhando durante três meses.

Na estreia, centenas de pessoas lotaram a arquibancada – erguida em frente à majestosa Pedra Furada – e ovacionaram Niéde Guidon. “Tudo foi feito em conjunto com a população local”, agradeceu a Acadêmica, emocionada. O espetáculo foi tema de uma reportagem especial do Fantástico, que foi ao ar em 31 de julho.

Pedra Furada vira palco para a história de Niéde Guidon (Imagem: Youtube).

Confira a matéria do Fantástico.

Alexander Kellner e Taissa Rodrigues: descolonizando a paleontologia brasileira

Nesta quinta-feira, 28 de julho, aconteceu o penúltimo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). O membro titular da Academia Brasileira de Ciências Alexander Kellner esteve junto à membra afiliada Taissa Rodrigues e ao professor Antonio Alamo Feitosa Saraiva, da Universidade Regional do Cariri (Urca), para uma importante mesa-redonda sobre Descolonização da Paleontologia Brasileira

O Brasil possuí um patrimônio riquíssimo em fósseis e aqui foram feitas algumas das mais importantes descobertas de seres vivos que habitavam a Terra há muitos milhares de anos. Esse registro é inestimável para o estudo da evolução biológica e até geológica do planeta, além de gerar um fascínio ímpar no público em geral. “Não é preciso lembrar do gosto que as crianças têm por dinossauros e outros animais de grande porte. Isso é porta de entrada para os estudos, principalmente em regiões carentes”, disse Kellner. 

Tráfico de fósseis 

Mas não são apenas crianças que são atraídas por fósseis. A demanda de colecionadores e até mesmo instituições de pesquisa do exterior, aliada à fraca fiscalização, criam um tráfico intenso desse patrimônio para fora do país. Para se ter uma ideia, em 2022 a França está trabalhando na devolução de 999 fósseis brasileiros do período Cretáceo que foram encontrados em uma loja particular. Outro exemplo foi um colecionador que pediu para ser enterrado com um fóssil de Archaeopteryx, um patrimônio valiosíssimo que poderia ajudar a ciência a entender mais sobre a ligação entre os dinossauros antigos e as aves modernas. “Sem dúvida as coleções particulares são os casos mais graves, pois esses materiais simplesmente somem”, alertou Taissa Rodrigues. 

 

 

O professor Antonio Alamo Feitosa trazendo um questionamento crucial para o debate

Os três palestrantes foram unânimes em condenar o comércio de fósseis e os pesquisadores brasileiros que facilitam essa prática. Também foram tecidas duras críticas à Agência Nacional de Mineração (ANM), que é o órgão responsável pelo controle desse patrimônio brasileiro. Para os cientistas, é um erro ter uma agência responsável apenas pela extração, sem maiores preocupações com defesa e fiscalização quando o fóssil sai da rocha. “Hoje a ANM tem apenas três paleontólogos contratados e não é como se faltasse mão-de-obra qualificada no Brasil”, resumiu Rodrigues. 

Regulação ainda deficiente 

O fluxo de patrimônio paleontológico para o exterior é histórico e remete ao Brasil Colônia e Império. O dinamarquês Peter Lund, considerado pai da paleontologia brasileira, enviou uma coleção inestimável de ossadas para o Museu de Copenhague na década de 1820, que foi inclusive citada por Charles Darwin no livro “A Origem das Espécies”. Naquela época, essa era uma preocupação compreensível, dada a falta de condições adequadas para armazenamento no Brasil. O problema é quando esse fluxo continua, mesmo quando o Brasil passa a formar seus próprios paleontólogos e instituições de pesquisa. “Precisamos urgentemente descolonizar a paleontologia brasileira e nos comportarmos como país soberano”, afirmou Alamo Feitosa. 

A primeira regulação brasileira sobre o tema data de 1942. Trata-se de um Decreto-Lei assinado por Getúlio Vargas, que determina que depósitos fossilíferos são propriedade nacional e outorga o controle da extração de fósseis ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual ANM. Em 1973 o país ratificou a Convenção da Unesco para o combate do tráfico de bens culturais e, em 1988, com a nova Constituição, definiu sítios paleontológicos como patrimônios culturais brasileiros. Entretanto, Taissa Rodrigues afirma que a definição legal de vários termos ainda é vaga, e que faltam normas que regulem melhor coleções privadas e o transporte de fósseis. 

Alexander Kellner defendeu a liberdade que a legislação atual confere aos cientistas nacionais e concordou que ainda faltam, principalmente, punições mais rígidas para quem facilita o tráfico de fósseis. “Por sua posição privilegiada, os pesquisadores devem ser mais rigorosamente punidos quando auxiliam na retirada desses materiais do Brasil”, enfatizou. 

Papel dos periódicos 

O tráfico de fósseis vem ganhando visibilidade desde os anos 2000 e são vários os casos que apareceram na mídia gerando algum tipo de comoção. Alamo enfatizou a necessidade de paleontólogos se engajarem nesse debate, denunciando práticas antiéticas de pesquisadores estrangeiros e periódicos científicos, e trazendo o debate para além da comunidade científica.  

Para Kellner, o mais eficaz é retirar do ar as publicações feitas com material traficado. “Isso dói no cientista”, afirmou. “É muito constrangedor ter um artigo retraído, ainda mais por questões éticas e legais”, lembrou, citando casos de fósseis que só foram recuperados mediante ameaça de despublicação. 

A mensagem que ficou da mesa-redonda foi que defender a paleontologia brasileira é lutar por mais investimento na exploração dos riquíssimos sítios que possuímos, combatendo o tráfico e repatriando fósseis brasileiros no exterior. Só assim aumentaremos as coleções nacionais e tornaremos nossos museus ainda mais atrativos, fazendo rodar economias locais baseadas no turismo e na cultura e estimulando crianças e jovens a escolherem a ciência e a educação como motores de transformação do futuro. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

Glaucius Oliva: fronteiras da inovação

O Acadêmico Glaucius Oliva e a professora titular da UnB Laila Espindola durante o evento (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

Na última terça-feira, 26 de julho, aconteceu a mesa-redonda Fronteiras da Inovação: Desafios para o Desenvolvimento de Novos Produtos, durante a 74ª Reunião Anual da SBPC em Brasília. A mesa contou com a participação do vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a região São Paulo, Glaucius Oliva, e de Cristiano Guimarães, representante da startup Nintx de inovação farmacêutica. A moderação ficou por conta da farmacêutica Laila Espindola, professora titular da Universidade de Brasília (UnB). 

Histórico da ciência brasileira 

“Todo o progresso humano está diretamente relacionado ao avanço do conhecimento”. Foi com essa frase que Glaucius Oliva abriu sua fala durante a mesa-redonda. O Acadêmico afirmou que informação e educação são as principais moedas do século XXI, e permitem que mesmo países com poucos recursos naturais se tornem ricos e incrementem a qualidade de vida de suas populações. “Nós vendemos matéria-prima em toneladas para comprarmos produtos de maior valor agregado em gramas”, sumarizou a situação do Brasil. 

O histórico da educação superior brasileira é curto, mesmo quando comparado a nossos vizinhos da América espanhola. As primeiras faculdades só foram surgir por aqui no início do século XIX, com a chegada da família real portuguesa, e as primeiras universidades só foram criadas no século XX. “Países como o Peru já possuíam universidades no século XVI”, lembrou o Acadêmico. 

O século XX marcou o início do processo de expansão da ciência brasileira. Organizações como a ABC, de 1916, e a SBPC, de 1948, foram fundamentais na luta pela criação de órgãos para financiar a pesquisa e educação nacional, como o CNPq e a Capes, ambos de 1951. Mas foi apenas na segunda metade do século que o setor deu um salto de produtividade, crescendo sua participação na produção científica mundial de 0,5% para 3,2% desde 1980. “Hoje em dia, temos cerca de 45 mil grupos de pesquisa atuando no Brasil, além de formarmos 65 mil mestres e 25 mil doutores por ano”, enumera. 

Mas ainda temos muito o que avançar. Atualmente, o país tem cerca de 25% das pessoas entre 25 e 34 anos com ensino superior, números muito abaixo de países que investem pesado em educação, como a Coreia do Sul (70%), e menores mesmo que países como Portugal (35%) e Colômbia (29%). “Estamos comprometendo nosso principal recurso, que são as pessoas”, resumiu Oliva. 

Patentes e inovação 

Uma das melhores formas da ciência contribuir com a sociedade é pela inovação. E inovar não significa apenas criar uma máquina revolucionária, mas qualquer forma de incorporação de conhecimento a um processo, visando torná-lo mais rápido, barato ou melhor. Isso vale tanto para produtos quanto para serviços ou políticas públicas, e as instituições de ensino e pesquisa têm papel central nesse desenvolvimento. 

Uma das formas mais testadas e comprovadas de incentivo à inovação é pelas patentes, que garantem uma janela temporal de exclusividade para que um inventor explore comercialmente sua criação. No Brasil, a concentração de patenteamentos pelas universidades é muito maior do que em países desenvolvidos, o que Oliva considera um erro. “Precisamos facilitar para que grupos de pesquisa criem startups e registrem patentes, isso ainda é raro por aqui”, afirmou. 

Na mesma linha, Cristiano Guimarães também criticou a forma como o Brasil lida com patentes. “Incomoda muito ver o superpatenteamento brasileiro, dá a impressão de que é feito apenas para ter números. Pelo menos na área farmacêutica, o patenteamento precoce, antes de ter algo robusto, é algo que mata a inovação”, criticou. 

Cristiano Guimarães durante a mesa-redonda (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC)

Casos de sucesso brasileiros 

Glaucius Oliva citou ainda três exemplares casos de sucesso brasileiros: a Petrobras, uma das maiores especialistas do mundo em extração de petróleo profundo; a Embraer, terceira maior produtora de aviões do planeta; e Embrapa, cuja criação foi fundamental para a expansão vertiginosa da agropecuária brasileira nos últimos 50 anos. “Todas essas empresas têm algo em comum: recursos humanos altamente especializados e próximos aos centros de inovação, além de forte apoio estatal”, explicou o Acadêmico. 

Oliva também defendeu o modelo de financiamento tripartite feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), no qual o financiamento de pesquisas é dividido entre empresas, governo e universidades. “É um caso de sucesso no apoio a empresas já constituídas, e no estímulo à inovação”, afirmou. O Acadêmico também criticou sistemas de avaliação focados excessivamente no impacto e produtividade científica. “É preciso também olhar para o impacto social”, finalizou. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

Maria Fátima Grossi: inovações em biotecnologia para a agricultura

A Acadêmica Maria Fátima Grossi de Sá durante a 74ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

Nesta quarta-feira, 27 de julho, acontece o terceiro dia de atividades da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). A membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pesquisadora da Embrapa Maria Fátima Grossi de Sá ministrou uma conferência sobre ativos biotecnológicos aplicados a pragas em culturas relevantes para o agronegócio, que foi coordenada pelo também Acadêmico Carlos Frederico Menck

Controle de pragas na agricultura brasileira 

Não é novidade que o agronegócio é a atividade de maior destaque da economia brasileira, e uma das grandes razões para o país manter uma balança comercial positiva. Em 2020, esse setor foi responsável por 26% do PIB nacional, e a necessidade de aumentar a produção deve se manter com o vertiginoso crescimento da população mundial. Entretanto, os impactos ambientais que essa atividade gera também são conhecidos, sobretudo quando avança sobre áreas protegidas ou realiza uma aplicação indiscriminada de agrotóxicos. Conciliar essas duas necessidades conflitantes é um dos mais importantes desafios do país para o século XXI. 

De acordo com a Food and Agriculture Organization (FAO), pragas agrícolas são responsáveis pela perda de 40% da produção mundial todos os anos, e seu controle gera um custo anual que gira em torno de 70 bilhões de dólares. A forma mais utilizada para controlar esse problema são os pesticidas, mas não sem consideráveis problemas colaterais. A organização estima que 64% da agricultura mundial esteja em risco de poluição por esses ativos. “Há a necessidade urgente de novas alternativas”, sumarizou Grossi. 

Mas para que essas alternativas se concretizem, é preciso muita ciência e tecnologia. A Acadêmica faz parte do INCT PlantStress Biotech, um dos 11 INCTs focados no desenvolvimento de inovações para a agropecuária. Esses institutos atuam no desenvolvimento de moléculas e também na criação de cultivares geneticamente modificados, visando aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais. 

O caso do bicudo-do-algodoeiro e RNAs de inteferência 

O Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de algodão, cuja produção se concentra, principalmente, nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia. Cerca de 96% do algodão brasileiro é geneticamente modificado, muito acima da média mundial, e, mesmo assim, 25% dos custos produção vão para o controle de pragas. 

Um dos maiores vilões é o bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), um pequeno besouro capaz de destruir 70% da colheita em uma única safra. Ainda não existem cultivares resistentes ao bicudo, cujo controle acaba dependendo inteiramente de pesticidas. “Estamos utilizando hoje praticamente as mesmas toxinas usadas há 20 anos atrás”, conta Fátima Grossi. Essa situação gera um contínuo aumento na resistência desses insetos, que são combatidos pela utilização cada vez maior de agrotóxicos. 

Uma tecnologia promissora que vem sendo testada pelos INCTs é a de RNAs interferentes (RNAi), que são pequenas sequências de RNA que atuam no silenciamento de genes, e podem ser utilizadas para alterar diferentes mecanismos fisiológicos do inseto. Por serem moléculas naturalmente presentes nos seres vivos, esses RNAs são muito menos tóxicos para os seres humanos e para o meio ambiente. 

Os RNAi foram descritos apenas em 1998, e as pesquisas sobre suas aplicações ainda são muito recentes. “Até a regulação ainda é pouco desenvolvida”, explica Grossi, o que gera uma série de inseguranças jurídicas, sobretudo quanto à caracterização ou não de cultivares que internalizem essa tecnologia como geneticamente modificados. “Isso é crucial para a utilização em mercados como o europeu, que são muitos resistentes a organismos transgênicos”, explica a Acadêmica. 

Mas a maior parte da aplicação dos RNAi ainda é feita de forma tópica, ou seja, borrifados no exterior das plantas. Esse tipo de abordagem gera uma série de problemas, principalmente pelo fato dessas moléculas serem muito frágeis e facilmente degradadas pelo ambiente, pelos insetos ou mesmo pelas próprias plantas. No caso do bicudo-do-algodoeiro ainda existe uma complicação adicional, que é a variação de pH entre as diferentes partes do sistema digestivo do besouro, trazendo problemas para a solubilidade dos ativos. “Estamos testando diferentes estratégias, como a utilização de RNAs dupla-fita, o englobamento das moléculas em nanopartículas de lipídio, além do estudo da variabilidade genética dos insetos alvos para construirmos moléculas cada vez mais específicas”, contou a palestrante. 

Esse caso é elucidativo para mostrar como o investimento em ciência é crucial para o desenvolvimento de novas abordagens para problemas antigos, gerando soluções inovadoras e sustentáveis. Só através da pesquisa seremos capazes de aumentar a produtividade, ao mesmo tempo em que reduzimos impactos e custos desse importante setor da economia nacional. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

Paulo Artaxo: o papel do Brasil nas mudanças climáticas

Acadêmico Paulo Artaxo durante a 74ª Reunião Anual da SBPC (Foto: Jardel Rodrigues/SBPC).

“As mudanças climáticas são inequívocas e só temos uma breve janela de oportunidade para garantir um futuro habitável”. Foi com essa mensagem que o membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Paulo Artaxo iniciou sua conferência Mudanças Climáticas, seus Impactos no Brasil e a Construção de uma Sociedade Sustentável, no segundo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). Artaxo foi apresentado pelo também Acadêmico Ricardo Galvão, que ganhou notoriedade por sua defesa da independência científica contra ataques do governo federal quando era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

O cenário atual 

Apesar de a ciência já alertar para a alteração do clima há mais de 50 anos – ou mais de 100 anos, se considerarmos os trabalhos do sueco Svante Arrhenius, que em 1896 já indicavam que o mundo poderia se aquecer em até 5°C –, quase nada de concreto foi feito. Mesmo com o Acordo de Paris e a redução das atividades humanas durante a pandemia, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) continuam aumentando a uma taxa de 4% ao ano. “A menos que zeremos muito rapidamente as emissões, limitar o aquecimento a 2°C será impossível”, lamentou Artaxo, que disse já considerar metas abaixo dos 1,5°C como irrealistas no presente cenário. 

Segundo o Acadêmico, que participou da elaboração do relatório, o mundo caminha para ficar em média 3,2°C mais quente, isso se cumprir com o acordado na COP-26. “Mas esse é um cenário otimista”, lembrou. “O caminho atual está nos levando a um aquecimento entre 3,7°C e 4,3°C, em média, comparado com antes da revolução industrial”. É importante lembrar que uma elevação de 3,2 °C global significa um aumento de 4,2°C nos continentes e de 5,6°C nas grandes cidades. “O mundo se tornará um lugar pior para se viver”, resumiu Artaxo. 

Crescimento exponencial dos principais gases do efeito estufa nos últimos três séculos.

Brasil e as mudanças climáticas 

Atualmente, o Brasil é o sexto país que mais emite gases do efeito estufa e o quarto maior emissor histórico. Por ser tropical, os efeitos do aquecimento tendem a se exacerbar, com graves consequências sociais e econômicas. As hidrelétricas brasileiras podem ser severamente afetadas pela alteração na dinâmica das chuvas e o aumento das secas e o ressecamento do solo representam uma grave ameaça ao agronegócio. Além disso, algumas regiões podem sofrer de forma ainda mais intensa. “O semiárido nordestino pode se tornar árido”, afirmou Artaxo. “Imaginem a crise migratória que isso geraria”.

Outro problema está na Amazônia. Com o aumento da temperatura e a queda na precipitação, algumas regiões ao leste da floresta já estão deixando de ser sumidouros de carbono para se tornarem fontes de emissão, e o bioma corre o risco de entrar num ciclo vicioso de degradação. 

A floresta é ponto chave da questão climática, e, nas palavras do Acadêmico, “nossa maior responsabilidade no momento”. Estima-se que 44% das emissões brasileiras venham do desmatamento, que já atinge quase 20% da área total amazônica. Na COP-26, o país se comprometeu a zerar a derrubada até 2028 e Artaxo garante que, com governança séria e empenhada, essa meta é absolutamente factível. “Nenhum outro país no mundo tem potencial para reduzir tanto suas emissões em tão pouco tempo e com enormes benefícios ambientais”, apontou. 

Manter a floresta em pé é uma enorme vantagem estratégica brasileira, que pode gerar inclusive ganhos econômicos através do mercado de carbono. O potencial energético eólico e solar, sobretudo do Nordeste, é outra capacidade ainda pouco explorada. O preço dessas tecnologias caiu exponencialmente nas últimas décadas, e países com menores incidências de luz solar e ventos já estão à frente do Brasil nessa área. “Não é mais uma questão econômica ou tecnológica, mas de vontade política”, alertou o Acadêmico. 

Evolução do desmatamento brasileiro desde 1977. Redução na primeira década do milênio mostra que um outro caminho é possível.

Eventos climáticos extremos 

Nas últimas semanas, o mundo vem acompanhando os efeitos de uma onda de calor extremo que atinge a Europa, causando incêndios de grande extensão na Espanha e um número extraordinário de mortes na Inglaterra. Tragédias como essa estão se tornando cada vez mais comuns no mundo inteiro e estão diretamente relacionadas ao aquecimento do planeta. “Dado um aumento de 4°C na temperatura continental, estima-se que eventos climáticos extremos se tornem trinta e nove vezes mais frequentes e cinco vezes mais intensos”, alertou Artaxo. 

Populações de baixa renda são historicamente mais afetadas por esse problema, o que gera uma cruel contradição. Enquanto os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de efeito estufa, os 50% mais pobres respondem por apenas 10% das emissões. “Não podemos aceitar que quem não causou o problema pague o preço”, resumiu o Acadêmico. 

Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável  

Para Artaxo, o principal objetivo do planeta a curto prazo deve ser o cumprimento dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU para guiar os esforços de construção do futuro. O combate às mudanças climáticas é o objetivo número 13, mas as ações necessárias perpassam todos os outros, desde a erradicação da pobreza até a redução das desigualdades e a garantia de direitos básicos para todas as pessoas.  

O Acadêmico alerta que a sociedade humana precisa passar por seis grandes transformações: transição para um consumo sustentável, expansão do acesso às tecnologias digitais, descarbonização da energia, planejamento de cidades sustentáveis, equilíbrio entre produção de alimentos e uso de terras e universalização do acesso à educação e capacitação humana. “A ciência vem cumprindo seu papel, que é encontrar pontes entre as necessidades básicas da humanidade e os limites do planeta”, finalizou. 


Confira todas as matérias da ABC sobre a 74ª Reunião Anual da SBPC

teste