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Pesquisas ambientais na Amazônia devem integrar questões socioeconômicas

A Amazônia está em transição. A alternância entre períodos de secas seguidos por cheias, uma das características principais da região, está mais espaçada. Estima-se que a cada década a temporada de estiagem ganhe 6,5 dias, ou um mês de seca a mais a cada 40 anos.

Houve também o crescimento de 30% do fluxo do rio Amazonas, na altura da cidade paraense de Óbidos. A mudança ocorreu nos últimos 25 anos. A região amazônica também está mais quente, e não é pouco. Observou-se um aumento de 0,9 °C na temperatura média do ar, o suficiente para mudar o comportamento de plantas, animais e do ser humano.

Mudanças no balanço energético e nos ciclos hidrológicos da região têm sido observadas em estudos científicos. Essas mudanças têm impacto profundo na composição da biodiversidade, do solo e também no cotidiano amazônico. Porém, para que haja políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social sustentável na região, estudos ambientais na Amazônia devem estar integrados a questões socioeconômicas.

A avaliação foi feita por participantes no workshop Scientific, Social and Economic Dimensions of Development in the Amazon, realizado em Washington, Estados Unidos, em 24 de setembro. O evento – continuação de outro realizado em Manaus em agosto – foi organizado pela FAPESP em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Wilson Center.

Na abertura do workshop, foi apresentado um vídeo com mensagem de Thomas Lovejoy, professor da George Mason University, nos Estados Unidos.

“A Amazônia tem um ciclo hidrológico que permite gerar seu padrão de chuva. Hoje, esse ciclo está sendo impactado pelo desmatamento, pelo uso excessivo de fogo e pelas mudanças climáticas. Com isso, existe o risco de chegarmos a um ponto de inflexão, quando o desmatamento estiver prestes a atingir um determinado limite a partir do qual regiões da floresta tropical podem passar por mudanças irreversíveis”, disse.

Em fevereiro deste ano, Lovejoy e Carlos Nobre, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas – um dos INCTs apoiados pela FAPESP no Estado de São Paulo em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, publicaram um alerta sobre o assunto na revista Science Advances (leia mais em http://agencia.fapesp.br/27180).

“Mudanças no balanço energético e em ciclos hidrológicos já são observadas em pesquisas realizadas na Amazônia. Estamos descobrindo e monitorando essas mudanças. Porém, para conseguir que políticas públicas sejam feitas para a região, é preciso integrar aos estudos científicos aspectos socioeconômicos críticos para a sustentabilidade da região”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

Mudanças no ciclo de cheias e secas afetam a biodiversidade e o cotidiano na região. “Nem todas as plantas são adaptadas ao período de seca prolongado. Com isso, a composição da biodiversidade acaba sendo alterada e ocorre maior mortandade de árvores, por exemplo, o que pode impactar no armazenamento de carbono”, disse.

Por ser tão extensa, a Floresta Amazônica é capaz de armazenar uma grande quantidade de carbono da atmosfera, questão determinante para o avanço das mudanças climáticas.

“A Amazônia armazena entre 100 bilhões e 120 bilhões de toneladas de carbono na biomassa. Porém, nos últimos anos, com o aumento da perda de árvores – por seca, enchente e desmatamento –, se uma pequena fração desse montante for para a atmosfera, vão ocorrer grandes mudanças no balanço CO2 atmosférico”, disse Artaxo.

Eventos extremos

Registros históricos recentes de dados de chuva e ocorrência de secas e cheias mais intensas comprovam essa transição no bioma. “Foram três secas muito fortes, uma após a outra, em menos de 20 anos. Isso é um indicador grave. Os dados mostram que algo importante está acontecendo”, disse José Marengo, coordenador-geral do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Esses eventos climáticos extremos têm aumentado também o risco de incêndios na floresta.

“Nem toda a seca é provocada pelo El Niño. Algumas são, outras têm relação com o Atlântico Tropical Norte mais aquecido, como ocorreu em 2005 e 2010. Em alguns casos, quem manda é o El Niño [aquecimento natural das águas do Pacífico], em outros é o Atlântico e em outros os dois vêm juntos, como em 1983 e 1998”, disse Marengo.

Ele ressaltou, no entanto, que seja por El Niño ou por aquecimento do Atlântico, essa é a parte natural. Não inclui a ação humana. “Se acrescentarmos ao El Niño e ao aquecimento do Atlântico outras condições, como por exemplo o aumento no desmatamento, veremos que a situação pode ser muito mais agravada”, disse.

As consequências da intensidade de secas e cheias vão além das fronteiras amazônicas. Estima-se que 70% dos recursos hídricos da bacia do rio da Prata, mais ao sul do continente, dependem da evaporação sobre a Amazônia. A transição passada pela Amazônia e o impacto em seu ciclo hidrológico, portanto, podem ter consequências importantes no agronegócio das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, assim como na Argentina.

Marengo também defende a necessidade de maior integração entre as pesquisas. Ele foi coordenador do projeto Metrópole, iniciativa internacional que estuda estratégias de adaptação aos impactos das mudanças climáticas. O estudo, realizado na cidade de Santos (SP), estimou perdas econômicas, modelagem dos extremos climáticos e impactos na saúde (leia mais em http://agencia.fapesp.br/25976).

“Poderíamos fazer algo nesse sentido na Amazônia. A previsão é de significativo aumento dos eventos extremos na região nas próximas décadas”, disse.

Outra participante do workshop, Rita Mesquita, pesquisadora do Inpa, concorda com a necessidade de maior integração.

“Os estudos precisam ser interdisciplinares. Modelos sociais, econômicos e ambientais nem sempre têm os interesses alinhados. Mas só quando colocarmos todos esses aspectos juntos, poderemos avançar em questões de sustentabilidade”, disse.

Estimar a ação do homem

Questionado pela plateia sobre qual seria a o peso do efeito antrópico nas queimadas na Amazônia, Artaxo respondeu: “100%. Mesmo nos períodos de seca, trata-se de uma floresta úmida, onde é difícil fazer e manter o fogo”, disse.

A destruição da floresta por queimadas tem se mostrada muito mais significativa que o corte para a exploração madeireira. “O fogo é a maneira mais eficiente para destruir”, disse Douglas Morton, do Goddard Space Flight Center, da Nasa, durante sua fala no workshop.

“O Brasil foi um dos líderes no monitoramento do desmatamento. Sistemas como o Prodes e o Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) criaram uma base, com dados históricos, mas é preciso ir além, com mais investimento”, disse.

Morton coordena um projeto para medir a degradação das florestas. Nele aviões sobrevoam a Floresta Amazônica para identificar a degradação em três etapas (alturas) da floresta.

Além disso, como Morton comentou, a Nasa dispõe de 20 satélites de monitoramento, com dados abertos. “Os satélites dão padrões sobre o que está ocorrendo. Temos modelos para previsões que podem servir para a criação de políticas públicas”, disse.

No evento em Washington, pesquisadores apresentaram outros resultados de projetos apoiados pela FAPESP, para uma plateia formada por cientistas e representantes de ONGs e de agências norte-americanas ligadas ao meio ambiente. A intenção foi trocar experiência para no futuro elaborar colaborações internacionais no estudo da Amazônia.

Mais informações: www.fapesp.br/eventos/amazon-workshop.

Acadêmico Luiz Pinguelli participa de debate sobre petróleo na UFRJ

O Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) promoverá debate acerca do tema “O Rio como capital do petróleo: desafios tecnológicos, sociais e ambientais”. A atividade acontecerá no dia 1º de outubro, segunda-feira, às 18h, na sede do colégio. O debate faz parte da programação da disciplina “Rio de Janeiro: desafios e perspectivas”, coordenada por José Sérgio Leite Lopes e Carlos Vainer e oferecida a todos os cursos de pós-graduação da UFRJ.

Participarão do encontro o Acadêmico e professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) Luiz Pinguelli e Guilherme Estrella, geólogo e conselheiro do Clube de Engenharia.

O evento é aberto ao público. Para saber mais, acesse a página oficial no Facebook.

Confira abaixo o pôster da sessão:

Acadêmico Oswaldo Luiz Alves ministrou palestra sobre nanotecnologia na UEPG

O X Simpósio de Graduação e Pós-Graduação em Química da UEPG, com o tema “Dez anos do Simpoquim: reflexão crítica e transformações”. A palestra de abertura, no dia 25 de setembro, “Nanotecnologia (NoT) nas coisas: fundamentos, oportunidades e desafios”, foi ministrada pelo professor Oswaldo Luiz Alves, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na ocasião, estavam presentes o reitor Miguel Sanches Neto e os chefes do Setor de Ciências Exatas (SEXATAS) e do Departamento de Química.

Oswaldo é professor do Instituto de Química da Unicamp e coordenador do Laboratório de Química do Estado Sólido, um dos laboratórios pioneiros do Brasil em pesquisas de nanotecnologia, credenciado na rede mundial NANoREG, faz parte do conselho de administração do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), de Campinas e é Vice-Presidente Regional da Academia Brasileira de Ciências. O professor recebeu diversos prêmios e títulos, bem como participa de outras sete sociedades científicas.

Na palestra, Oswaldo discutiu diferentes aspectos da nanotecnologia, como sua contribuição na área médica, sobretudo com novas terapias para câncer, terapias usadas para transplantes, stents e veículos de drug delivery para diferentes tipos de doenças. Também mencionou sua aplicação em eletrônica, em tecidos (como os antibacterianos) e no tratamento avançado de água.

Ao final, discutiu os grandes desafios da nanotecnologia e sua conexão com a internet das coisas, com cidades inteligentes, com big data, machine learning e inteligência artificial. área tem um impacto muito grande sobre a sociedade. “Foi significante apresentar todos esses aspectos para uma plateia jovem que provavelmente deve encontrar essa disciplina em algum momento. É essencial sensibilizá-los para a importância e para as possibilidades de atuação que a nanotecnologia traz”, destaca Oswaldo.

Coordenadora avalia evento

Segundo a coordenadora do Simpoquim X, Cássia Gonçalves Magalhães, o público foi expressivo e incluiu, além de estudantes de Graduação e Pós-Graduação em Química, professores e estudantes do curso de Farmácia. Para Cássia, a palestra foi bastante didática e um importante incentivo para o estudo desta temática, que é um novo campo em crescimento. Participaram também professores e estudantes de Ensino Médio, especialmente nas visitas técnicas promovidas pelo simpósio. Foram 216 participantes e 107 trabalhos inscritos no total, apresentados em forma de painel ou sessões orais.

A estudante Jordana Maria Lopes acredita que o evento é um espaço de disseminação de conhecimentos da área e promoção do contato dos participantes com pesquisas de destaque. Jordana está no 3º ano de licenciatura em Química e apresentou trabalhos em três edições do Simpoquim. Neste simpósio, demonstrou um dispositivo seguro de condução elétrica para uso em sala de aula.

“Checagem no WhatsApp é o trabalho mais nobre para conter ‘fake news”

Professor do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, Fabrício Benevenuto criou um projeto pioneiro no país, o “Eleições Sem Fake”. Por meio dele, tenta monitorar nas principais redes sociais e nos grupos públicos de WhatsApp o que tem sido mais discutido relacionados à política. E acaba sendo fonte primária de informações para jornais e agências de checagem de fatos. Nessa entrevista concedida ao EL PAÍS, Benevenuto diz que o “WhatsApp é uma terra de ninguém”, é difícil de se rastrear por causa de criptografia das mensagens e, por essa razão é um campo fértil para a difusão de fake news.

Paralelo a isso tudo, no Brasil não há legislação específica para punir quem difunde esses boatos. Dependendo do caso, contudo, eles podem ser enquadrados em crimes como calúnia, injúria e difamação, cujas penas variam de três meses a dois anos de prisão.

Pergunta. Acompanhamos o Monitor do WhatsApp que você e sua equipe desenvolveram e notamos que a maioria das imagens, vídeos e memes tratam da candidatura de Jair Bolsonaro. Por que isso ocorre?

Reposta. Ele monopoliza os debates na maior parte dos grupos públicos. Monitoramos 272 grupos que debatem política (37 deles só do Bolsonaro). Tentamos não entrar em todos porque senão só teríamos informações dele, mesmo. Ainda assim, somos um sistema enviesado porque há mais grupos de apoiadores do Bolsonaro do que de outros candidatos.

P. Notamos que há muita notícia falsa nesses grupos do Bolsonaro. Em sua opinião, porque isso tem ocorrido com tanta frequência?

R. Nesta eleição, o Tribunal Superior Eleitoral atuou de maneira interessante em relação aos anúncios no Facebook. O impulsionamento passou a ter que ser homologado. As coligações têm de homologar antes, a propaganda passa a ser registrada. Ele protegeu, de certa forma, a campanha política no Facebook. No Brasil não ocorre o que ocorreu na eleição americana em que Donald Trump foi eleito. Naquela, o Facebook foi abusado pelos impulsionamentos das propagandas políticas. Naquele ano (2016), o WhatsApp não era popular nos Estados Unidos. Ele é um terreno novo, popular no Brasil, um ambiente onde pouco foi feito para se proteger e é difícil de fazê-lo. As mensagens são criptografadas.

P. Pelo que você acompanha, quem são os responsáveis por esses grupos de discussão?

R. Os grupos públicos geralmente são criados por ativistas que com mesmo interesse buscam se unir. Eles se aproveitam dessa pequena proteção e dessa dificuldade em se investigar e distribuem as notícias falsas. O WhatsApp é terra de ninguém. É compartilhado de maneira privada. Só esse monitoramento acompanhado das checagens de fatos é capaz de diminuir esse dano.

P. Esses militantes são pagos?

R. Não se sabe ao certo quem são esses militantes. A impressão que tenho é de que são pessoas engajadas, voluntárias. Poderia receber algum financiamento? Sim. Mas é difícil saber quem são e por que estão encampando determinadas ideias.

P. Pelo que você tem dito, no Facebook essa onda tem sido freada. É isso?

R. Tem notícias falsas nesse grupo do Facebook? Tem. Mas hoje tem menos, porque o TSE conseguiu diminuir ao ficar de olho nos gastos da campanha. No WhatsApp isso é mais complicado porque bate de frente na liberdade de expressão e pode se caracterizar como censura de conversas privadas. Enfim, os gastos de campanha o TSE consegue controlar.

P. Qual é a importância dessa checagem de fatos, na sua opinião?

R. Parte do que temos em nosso Monitor do WhatsApp é checado pelo Projeto Comprova. Isso foi uma mudança de paradigma. Algo que serve de exemplo para outros países. A checagem de fatos é o trabalho mais nobre para enfrentar a fake news. Mas é contenção de danos. O estrago já está sendo feito, talvez de forma irreversível.

P. O que se faz para evitar esse dano?

R. Tem de atuar no mecanismo de disseminação. Mas isso depende muito do próprio WhatsApp. Não acho que deveria haver uma regulamentação pública. O WhatsApp poderia identificar conteúdo político e reduzir o seu compartilhamento. Existem formas. A fase que a gente está é que a mídia precisa fazer o alerta e mostrar o tamanho do problema. Depois de críticas o sistema seja modificado. A atuação tem de ser junto a empresa para não permitir o espalhamento do boato. O segundo caminho é o de investigação, para saber se tem alguém por trás pelo financiamento de notícias falsas. Se há caixa dois ou grupos por trás tentando influenciar as eleições através desse mercado negro. A Internet deixa rastro, e elas estão rastreados.

P. O projeto persiste após as eleições?

R. Nosso objetivo é dar transparência às eleições brasileiras neste ano. Mas o projeto pode ser útil para atuar em campanhas de outros países. O WhatsApp é uma ferramenta de disseminação que precisa ser estudado e monitorado. Tem de se lembrar que, na Índia, 22 pessoas morreram assassinadas [algumas delas linchadas] por causa de uma onda de boatos sobre traficantes de crianças. Temos de desenvolver o projeto cada vez mais para ajudar a evitar casos como esse.

Faleceu o Acadêmico Francisco Mauro Salzano

Atuante nas ciências biológicas e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), tal como o Prof. Salzano, a cientista Mayana Zatz prestou homenagem ao professor em depoimento, confira a seguir:

“Tive o privilégio de conhecer o Prof. Salzano quando ainda era estudante. Passei a admirá-lo desde o primeiro encontro e essa admiração só cresceu com o passar dos anos. Além de grande cientista, era uma pessoa preocupada com problemas sociais, sempre pronto a abraçar uma causa importante. Um dos pioneiros em genética humana e de populações, Salzano deixou um legado que será continuado por todos os seus seguidores. Dizem que o homem é eterno se a sua obra continua. Sem dúvida, querido Salzano para nós você será eterno.”

Tábita Hünemeier e Francisco Salzano

Leia a seguir o pequeno obituário e homenagem de autoria de Tábita Hünemeier, membro afiliado da ABC entre 2013 e 2017, orientada pelo Prof. Salzano em seu mestrado e doutorado na UFRGS, com sanduíche na University College London, no Reino Unido. Atua na área de genética, com ênfase em genética de populações humanas, sendo professora e pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP). 

“Francisco Mauro Salzano nasceu em 27 de julho de 1928, em Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul. Formou-se em história natural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1950), doutorou-se em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo (1955) e fez pós-doutorado pela Universidade de Michigan, nos EUA (1957). Era Professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a qual se dedicou como docente e pesquisador durante toda sua vida acadêmica.

Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico em 1995. Foi membro da Academia Brasileira de Ciências e seu vice-presidente para a Região Sul no triênio 2010-2016. Era ainda membro da United States National Academy of Sciences e do Royal Anthropological Institut, na Irlanda. Foi homenageado com o título de Professor Honoris Causa pela Universidade Paul Sabatier (França) e detentor de dezenas de prêmios e distinções acadêmicas nacionais e internacionais. Ao longo de seus 66 anos como docente, formou 41 doutores e 48 mestres. Publicou centenas de artigos científicos indexados internacionalmente e dezenas de livros e capítulos de livros.

O  professor Salzano foi pioneiro no estudo de populações nativas americanas, tornando-se a principal referência latino-americana em genética de populações humanas.

Detentor de um currículo de excelência, que o coloca mundialmente dentre os maiores de sua área do conhecimento, ele recebia estudantes do primeiro ano de graduação e acadêmicos laureados com o mesmo respeito e interesse. Extremamente disciplinado, passava longas horas diárias debruçado sobre sua mesa lendo e corrigindo manuscritos. Embora sempre muito ocupado, sua porta estava sempre aberta para discutir ciência, cultura, política, e até futebol (embora ele fosse gremista, e eu colorada!). Um grande cientista mas, antes de tudo, uma pessoa excepcional.

Professor Salzano formou, e principalmente inspirou, gerações de geneticistas. Era um entusiasta da ciência e um otimista sobre o futuro dela em nosso país, apesar dos atuais contratempos. Nosso querido professor nos deixou nesta quinta-feira, 27 de setembro, mas suas ideias e seus valores sobrevivem em nós, seus alunos, seus amigos, seus colegas.

Muito obrigada, Professor Salzano, pelo seu exemplo como pesquisador e pessoa, e pelo legado que deixaste a todos nós.”

Membros titulares e afiliados da ABC empossados e premiados pela TWAS

Fundada em 1983 pelo físico paquistanês e ganhador do prêmio Nobel Abdus Salam, a TWAS ou Academia Mundial de Ciências é uma organização internacional situada na cidade de Trieste, Itália. Era conhecida como Third World Academy of Sciences até 2004 e como Academy of Sciences for the Developing World até 2012.

No final de novembro de 2018, serão realizadas a 14ª Conferência Geral e 28ª Reunião Geral da TWAS, ocasião em que os novos membros anunciados no ano anterior são empossados e são anunciados e entregues os Prêmios TWAS.

Serão empossados, entre outros, os Jovens Cientistas eleitos em 2018. Cada representação regional – são cinco – elege cinco pesquisadores destacados com menos de 40 anos. Dentre os indicados pela Representação Regional da América Latina (TWAS-Lacrep) está a matemática afiliada da ABC Jaqueline Godoy Mesquita, da Universidade de Brasília (UnB).

Como membros titulares, serão empossados os cinco brasileiros eleitos em 2017: Carlos Menck (USP); Cesar Victora (UFPel), Lorenzo Justiniano (PUC-Rio), Siu Mui Tsai (Cena-USP) e Sylvio Canuto (USP). Todos são membros da ABC, como é estipulado pela regra da TWAS para novas nomeações.

Dentre os prêmios que serão entregues na ocasião, foram outorgados no ano passado o Prêmio TWAS para dois brasileiros, entre outros: os Acadêmicos Luisa Lina Villa e Daniel Ugarte. O Brasil levou ainda o Prêmio Jovem Cientista TWAS-Lacrep 2018 em Ciências Biológicas, cujo ganhador foi o ex membro afiliado da ABC Thiago Mattar Cunha.

Daniel Ugarte é professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi o responsável pela criação do Laboratório Multi-Usuários de Microscopia Eletrônica do laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

Luisa Lina Villa é diretora do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer em São Paulo e pesquisa a associação de papilomavírus humano ao câncer genital. Seu mais recente envolvimento nos estudos para desenvolver uma vacina profilática contra HPV vêm contribuindo para a divulgação dessas doenças e suas formas de prevenção.

Thiago Cunha foi escolhido entre 29 indicados da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Panamá, Peru e Venezuela. Ele foi membro afiliado da ABC entre 2011 e 2015, atuando hoje como professor associado do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), onde lidera um dos mais reconhecidos grupos de pesquisa sobre dor do país.

Como em 2017 não houve reunião, os premiados e eleitos em 2016 serão devidamente homenageados também em 2018.

Os empossados como membros serão Enrique Pujals (IMPA), Eliete Bouskela (UERJ), Valderez P. Ferreira (UFPE) e Vera Lucia Valente Gaiesky (UFRGS).

Os brasileiros ganhadores do Prêmio TWAS de 2016 foi Lorenzo Justiniano Diaz Casado (PUC-Rio) e Marilda Sotomayor (USP).

Morre, aos 70 anos, o Acadêmico Horacio Schneider

imagem sem descrição.Foto: Alexandre Moraes

O Acadêmico Horacio Schneider morreu na madrugada desta quinta-feira (27), aos 70 anos. Biólogo, pesquisador e professor, Schneider era professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA) e bolsista pesquisador nível 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O velório será realizado amanhã, 28 de setembro, a partir das 9h, no Memorial Max Domini (Av. José Bonifácio, 1550).

Em nota, o CNPq declarou que o professor “formou várias gerações de geneticistas, garantindo à UFPA padrão de excelência no desempenho nas Ciências da Vida, e assegurando à Genética Amazônica referência internacional”.

Horacio Schneider nasceu em 15 de maio de 1948, em São Paulo. Cursou a licenciatura em ciências biológicas na UFPA, entre 1970 e 1974. Em 1997, concluiu o mestrado em genética e biologia molecular e em 1984, finalizou o doutorado na mesma área, ambos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação do Acadêmico falecido na mesma semana, Francisco Mauro Salzano.

Entre 1990 e 1991, realizou o pós-doutoramento na Stanford University, nos Estados Unidos, sob a orientação de L. Cavalli-Sforza. Em 2005, fez pós-doutorado na University of Nebraska, nos Estados Unidos, e em 2014, finalizou o pós-doutorado na Leibniz-Zentrum für Marine, na Alemanha.

Na UFPA, o Acadêmico assumiu diversos cargos: foi professor titular, vice-reitor, chefe do Departamento de Genética, pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento e vice-coordenador do Núcleo de Meio Ambiente. Foi coordenador do campus de Bragança e o primeiro diretor do Instituto de Estudos Costeiros do campus.

Em declaração, a reitoria da UFPA determinou três dias de luto oficial na instituição e apontou que “o Prof. Horacio Schneider deixa um legado ético e intelectual de valor inestimável, que certamente inspirará as gerações futuras de pesquisadores amazônidas”.

O diretor geral, José Ricardo Vieira, e Jeannie dos Santos, diretora adjunta do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA também homenagearam o professor: “Suas conquistas acadêmicas e profissionais são inúmeras e se somam às conquistas no âmbito pessoal em que constituiu família exemplar, adotando postura política firme e democrática e construindo larga base de amizade e admiradores”.

O biólogo atuou também em vários órgãos nacionais, tendo sido membro titular do Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pronabio) e vice-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Em 2010, foi condecorado com a classe Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

Schneider foi participante ativo das sociedades científicas brasileiras e integrou como membro titular a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Sociedade Brasileira de Genética (SBG).

Como pesquisador, tinha seu trabalho voltado para a evolução de vertebrados em geral e dos primatas, e para a genética de populações animais.

Em declaração, o professor Vasco Azevedo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), prestou homenagem ao professor da UFPA:

“Fica conosco a lembrança de uma vida muito bem vivida tanto no campo profissional como no pessoal. Horacio foi uma pessoa única que sempre teve a capacidade de transformar em poesia as dificuldades enfrentadas, com humor, praticidade e otimismo. Era acadêmico, imortal da Academia Brasileira de Ciências, geneticista, professor, pesquisador, pai, avô e companheiro que nos deixa muitas saudades, mas mais do que isso, nos deixa seu exemplo de vida.”

O professor Cristovam Diniz, ex-reitor da UFPA, também se manifestou sobre a morte do amigo:

“Seu exemplo é aparente no comportamento das gerações que o sucedem no trabalho de manter a genética amazônica uma referência internacional. Reuniu a um só tempo todos os talentos necessários à liderança das transformações que empreendeu: foi competente, resistente ao isolamento científico, à burocracia cega e ao financiamento espasmódico dos tempos duros que teve que enfrentar para materializar suas conquistas institucionais. Seu lema de ‘lutar sempre, desistir jamais’ espelha bem sua fortaleza. Vá em paz caro amigo.”

Crises eventuais, ciência, tecnologia e o Brasil

Hernan Chaimovich – Bioquímico, Professor Emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, foi Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Crise, ciência e tecnologia parecem hoje estar indissoluvelmente ligadas. Parecem impossíveis reflexões e ações que dissociem a situação atual da riqueza do passado e permitam planejar um futuro distinto.

Um olhar ao passado, especialmente o último século, evidencia o impacto da ciência sobre as mudanças sociais e econômicas no Brasil. No início do século XX, o Brasil fundou Instituições como o Butantan, o Biológico, a ESALQ, Manguinhos, com missões bem definidas. Essas Instituições deveriam criar conhecimento para combater agravos como a peste em Santos ou o amarelinho do café. Já naquela época cientistas brasileiros, em colaboração com estrangeiros, demonstraram que somente criando localmente ciência de excelência com impacto internacional é possível transferir e implantar novas tecnologias e vencer os desafios de um País continental. A fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, onde pesquisa em temas da fronteira do conhecimento em todas as áreas do saber era parte do éthos institucional, representou um passo fundamental. A associação entre pesquisa de ponta, ensino e transferência de conhecimento, aceita como mecanismo eficiente de formação de uma elite intelectual e de uma sociedade moderna, se estendeu pelo país. No Brasil já houve política de Estado para Ciência e Tecnologia.

Descrevo caso exemplar para ilustrar um sucesso. O Brasil é o segundo produtor de soja, dominando hoje 30% do mercado global. A qualidade da soja brasileira é crescente, “os chineses preferem a nossa soja devido ao preço e a maior percentagem de proteína”. A contínua melhoria da qualidade do produto e sua inserção internacional teriam sido impossíveis sem a incorporação de conhecimento. A soja, originária da Manchúria, chegou na Europa no século XVII e aos EUA na segunda metade do século XIX. Plantada na Bahia em 1882, os cultivares dos EUA não se adaptaram. Oficialmente, a cultura foi introduzida no Brasil no Rio Grande do Sul em 1914. A grande expansão teve início na década de 1970 com cultivares gerados no País, produtos de pesquisa autóctone. Entre 1963 e 1969, Johanna Döbereiner iniciou um programa de pesquisas sobre os aspectos limitantes da fixação biológica de nitrogênio em leguminosas. Em 1964, com base em suas pesquisas, foi iniciado o programa brasileiro de melhoramento da soja, que representou uma quebra de paradigma. As pesquisas do Eurípedes Malavolta na ESALQ/USP foram essenciais para a remediação dos solos e aclimatação dos novos cultivares de soja no cerrado. O exemplo “soja” é somente um.

A incorporação de conhecimento a produto ou serviço, determinado pela existência local de cientistas e centros de criação que operam na fronteira do conhecimento, é evidente na agropecuária, na exploração de petróleo, na produção de aviões e veículos, nas vacinas, nos produtos da exploração da cana de açúcar, na implantação do SUS, e por aí vai.

A facilidade com que atualmente o poder executivo, com a conivência do legislativo, reduz o investimento público para Ciência e Tecnologia representa uma política de Estado, falta de legitimação social sobre a importância do investimento em ciência e tecnologia, evidente desprezo à história, à realidade atual e ao futuro.

Como explicar que a plêiade de exemplos de impacto cultural e socioeconômico não produzam legitimação social e, consequentemente, pressão para apoiar os investimentos em C&T como ferramenta eficiente para sair de crises ou aumentar a resiliência social? Uma das explicações é a ausência de dados que mostrem com clareza os impactos socioeconômicos da ciência no Brasil. Escolas de pensamento se debruçam no mundo sobre o problema de quantificar o impacto socioeconômico da pesquisa. Aliás, este tema tem dado prêmios Nobel em economia. No Brasil, são escassos os estudos que demonstrem a contribuição da ciência e da tecnologia para mudanças na sociedade ou na economia. Abundam, contudo, relatos pictóricos de exemplos de sucesso. Poucos são os estudos que podem sustentar objetivamente que “para cada real despendido em pesquisa houve um incremento no valor da produção da ordem de R$ 10 a R$ 12.

(http://www.fapesp.br/publicacoes/livro_agricultura_paulista.pdf).

Sucessivos Ministros de Fazenda e Planejamento repetem que o investimento em pesquisa é gasto, pois, além de desconhecer Prêmios Nobel de economia, alegam que não existem evidências locais que esse investimento produza algum impacto socioeconômico. O dispêndio federal em C&T aumentou somente 16% entre 2000 e 2015, para um aumento do investimento brasileiro (federal + estadual + privado) em C&T de 24% no mesmo período. O investimento em C&T do Brasil não passou de 1,6 % do PIB em 2015 e vem caindo desde então. Pode-se concluir que a política federal de descaso vem se mantendo sem descontinuidade. No mesmo intervalo nenhum país desenvolvido, e a China em particular, deixou de aumentar a percentagem de investimento em C&T e muitos já investem mais de 3% em C&T.

Poucos estudos econômicos confiáveis, pouca interação social entre cientistas e sociedade, imprensa e meios de comunicação pouco permeáveis à comunidade científica, e uma resistência suprapartidária que desconsidera a realidade internacional de priorizar o investimento em C&T, podem manter o atual status quo.A sociedade pode ser informada e exercer legítimas pressões em todos os partidos políticos para conseguir que a área econômica do próximo governo finalmente acorde, olhe para o mundo e descubra que investimento em C&T produz resultados socioeconômicos incomparavelmente mais eficientes do que muitas das proposições de mudanças ora em pauta.

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