Leia artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq, publicado no Jornal da USP em 19 de fevereiro:
A compreensão da relação entre causa e efeito é um dos pilares da ciência. A predição do efeito é quase sempre bem-sucedida quando chutamos (causa) uma pedra de certo tamanho. Esperamos, também, que chutar uma pedra idêntica nas mesmas condições leve a pedra para o mesmo lugar à mesma distância. Porém, chutar um cachorro desconhecido produz resultados inesperados, distintos e, às vezes, perigosos. Esta comparação sugere que entendemos a diferença entre um objeto macroscópico inanimado e um ser vivo que, sensível ao seu ambiente, tem história. Com esta certeza poderia se esperar que fosse trivial chegar a uma definição consensual sobre a natureza de um ser vivo, e diferenciá-lo de um objeto não vivo.
A título de exemplo apresento algumas definições de vida:
a) um sistema químico autossustentável capaz de passar por evolução darwiniana;
b) uma propriedade emergente de um sistema complexo e organizado que pode manter a homeostase, reproduzir-se e evoluir.
Vivo é também um sistema aberto que mantém baixa entropia (alta ordem) ao consumir energia do ambiente e exportar entropia. (Desta última definição se depreende que quem a fez não entende o que é entropia. Recomendo para aqueles que aceitam esta definição anticientífica que leiam Entropy, The greatest Blunder in the History of Science, de Arieh Bem-Naim.) Vida pode ser a capacidade de autossustentação, crescimento e decadência ou governada por uma “força vital” ou energia que distingue os organismos vivos da matéria inanimada.
A vida não se limita à matéria orgânica, mas pode incluir sistemas autorreplicantes e adaptativos, como organismos digitais ou IA. A vida poderia existir em formas não baseadas em carbono, como entidades baseadas em silício ou seres baseados em energia, como especulado na ficção científica e na ciência teórica. Cada definição reflete uma visão diferente por meio da qual a vida pode ser entendida, seja científica, filosófica ou religiosa. Muitas religiões definem a vida como um dom sagrado de um ser divino, muitas vezes ligado ao conceito de uma alma ou espírito que transcende a existência física e a matéria como a conhecemos.
Como se pode apreciar, a definição do que constitui um ser vivo e de como este se diferencia de um objeto não vivo não é trivial e muito menos consensual. Um grande desafio para detectar e definir a vida é que, até agora, só encontramos um exemplo no Universo: a vida na Terra.
Além do problema conceitual da falta de consenso sobre a definição do vivo, que toma sempre como referência a vida na Terra, como poderemos esperar reconhecer formas de vida extraterrestres?
Os livros-texto descrevem a vida usando uma lista, mais ou menos longa, de propriedades que seriam inerentes à matéria viva. Mas essas listagens, longe de definir o mínimo necessário para caracterizar vida, se referem, de novo e quase sempre, às propriedades daquilo que conhecemos na vida na Terra. Crescimento, reprodução, capacidade de adaptação e metabolismo (reações químicas cuja energia impulsiona a atividade biológica) são algumas destas propriedades.
Pilares da vida, por exemplo, poderiam ser: programa, improvisação, compartimentação, energia, reprodução, adaptabilidade e isolamento. É fácil, porém, encontrar exceções, em que pelo menos um desses pilares está ausente. A mula, que sabemos viva, não se reproduz. Um coelho, sem sua parceira, também não se reproduz. Entidades na fronteira entre vivos e não vivos também minam as listas. Os vírus são o caso marginal mais conhecido. Alguns cientistas afirmam que um vírus não está vivo, pois não pode se reproduzir sem sequestrar a máquina de replicação de sua célula hospedeira. Já bactérias parasitas, como a Rickettsia, são consideradas vivas, apesar de serem incapazes de viver independentemente. Assim, é possível argumentar que todos os parasitas podem não ser vivos sem anfitriões. Enquanto isso, o Mimivírus — um vírus gigante, visível em microscópio, descoberto em uma ameba — se parece tanto com uma célula que foi inicialmente confundido com uma bactéria. Humanos também têm criado casos marginais, como os organismos projetados. Um exemplo é Synthia, uma bactéria sintética que não sobrevive fora de laboratório.
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Leia o artigo completo, aberto, no site do Jornal da USP