
Um artigo co-liderado pelo membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Mychael Lourenço, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi publicado recentemente na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature, e jogou luz sobre um problema que há tempos intriga os cientistas: por que as mulheres são mais propensas a desenvolver o Alzheimer?
O estudo, uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e norte-americanos, identificou que a molécula carnitina, envolvida no metabolismo energético da gordura, está menos presente no sangue de mulheres, mas não de homens, quanto maior o nível do comprometimento cognitivo ou demência. A quantidade da molécula se relaciona também com o nível de outros marcadores tradicionais do Alzheimer, como as proteínas beta-amilóide e tau. Os resultados foram obtidos analisando dois grupos independentes, totalizando 150 pacientes, no Rio de Janeiro e na Califórnia.
Pesquisas anteriores já mostravam que a molécula desempenha um papel essencial na plasticidade neuronal, em especial no hipocampo, uma das primeiras regiões cerebrais afetadas pelo Alzheimer. Em estudos com camundongos, a manipulação do metabolismo mitocondrial pela carnitina melhorou a função cognitiva, sugerindo que essa pode ser uma via relevante para a doença. “Embora os mecanismos de regulação energética das mitocôndrias sejam pouco estudados, eles acontecem em alguma instância no nosso cérebro”, afirmou Mychael Lourenço.
Além de atuar nas mitocôndrias, parte da carnitina no nosso organismo é metabolizada no composto acetil-L-carnitina (LAC), que atua na regulação epigenética das células do nosso cérebro. O termo epigenética (do grego, “epi” é igual a “sobre a”) é usado para classificar mudanças na expressão dos genes que ocorrem sem alterar a sequência de DNA. “A LAC atua na acetilação das histonas (proteínas que ‘envelopam’ o DNA), o que deve facilitar o acesso aos genes e induzir sua expressão. Esse tipo de regulação epigenética é bem importante e estudada, e certamente contribui para o bom funcionamento do cérebro”, explicou.
Por isso, o Acadêmico acredita que a carnitina deva ter influência neurológica pelas duas vias, tanto pela regulação epigenética quanto pela metabolização energética nas mitocôndrias. Entretanto, ele salienta que não é hora de correr atrás de suplementos de carnitina e que ainda é preciso que novos tratamentos sejam desenvolvidos e testados. Lourenço também defende que mais pesquisas sejam desenvolvidas com o foco específico nas mulheres, pois, como foi observado, o metabolismo feminino possui diferenças que acabam mal compreendidas, uma vez que a maioria dos estudos realizados até hoje tendem a focar em homens.
Estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas sofram com algum grau de Alzheimer no Brasil, em sua maioria idosos. Apesar de não ainda não existir uma cura, as formas de prevenção são conhecidas e giram em torno de levar uma vida saudável, física e mentalmente. Atividades físicas regulares, alimentação balanceada, acompanhamento de doenças crônicas e estímulo social e intelectual constantes são reconhecidamente as maneiras mais eficazes de evitar a doença.
“Nossos achados sugerem que a carnitina e outras moléculas similares, quando medidas no sangue, podem contribuir para entendermos por que o Alzheimer é mais frequente em mulheres. Além disso, é importante notar que nossos resultados se replicaram em dois grupos populacionais diferentes: um brasileiro e outro norte-americano. Isso sugere que os achados são replicáveis em populações com características genéticas, socioeconômicas e culturais diferentes”, resumiu o Acadêmico.