A Advocacia Geral da União (AGU) realizou uma audiência pública no dia 22 de janeiro, quarta-feira, sobre a moderação de conteúdo nas plataformas digitais. A reunião foi convocada na esteira das mudanças anunciadas pela Meta nos algoritmos e nas políticas de moderação de suas redes sociais, Instagram e Facebook, que não contarão mais com programas de checagem contra notícias falsas. Inicialmente, o fim da checagem da Meta se dará apenas nos EUA, mas, com o início de um novo governo naquele país, especialistas temem que sejam feitas pressões para que outros países enfraqueçam suas legislações relacionadas à moderação de conteúdo nas redes.

Participaram da reunião mais de 200 espectadores e 45 especialistas, representando a academia, agências de notícias, plataformas e órgãos da sociedade civil, que puderam apresentar suas considerações. Dentre eles estava o professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (DCC/UFMG) Virgílio Almeida, vice-presidente regional da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e voz influente nos debates sobre o mundo digital no Brasil. Representantes das big techs Meta, Kwai, TikTok, X e Google também foram chamados, mas recusaram o convite.
Para Virgilio Almeida, o alinhamento atual das principais plataformas digitais com o novo governo americano traz um desafio para a soberania nacional brasileira. “As plataformas determinam o que a população vê e ouve e, de igual importância, o que deixa de ver e ouvir. Por isso, temos que discutir profundamente o que o nosso país pode fazer e como podemos criar resistência”, afirmou.
Segundo ele, as novas regras anunciadas pela Meta – cujas redes sociais estão entre as mais utilizadas pelos brasileiros e que também é dona do Whatsapp, principal aplicativo de mensagens no país – podem levar a um aumento na disseminação de notícias falsas e discurso de ódio nos meios virtuais, acelerando as divisões políticas, religiosas, raciais e sociais numa sociedade que já está polarizada. No âmbito da ciência, o novo cenário pode agravar o negacionismo contra, por exemplo, as vacinas e ter impacto na disseminação de tratamentos e remédios falsos, como ocorreu durante a pandemia.
O Acadêmico listou três grupos de ações que podem ser tomadas para tentar reforçar a posição brasileira nesse novo cenário.
O primeiro diz respeito à governança digital. “Temos algumas legislações importantes, como o Marco Civil da Internet, de 2014, e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, mas não conseguimos avançar por uma lei sobre moderação de conteúdo nas redes ou sobre governança em IA. Apesar disso, temos exemplos importantes de normas e regulações infralegais, como as estabelecidas pelo TSE durante as eleições de 2022 e que ajudaram a mitigar a desinformação naquele período. Estas não dependem de aprovação do Congresso”, defendeu.
O segundo ponto se refere à governança dos algoritmos, os mecanismos pelas quais as redes sociais decidem o que mostrar e o que omitir de seus usuários. Essas ferramentas atuam como verdadeiros “editores”, mas os motivos por trás de sua tomada de decisão são obscuros. “É preciso ter como auditar os algoritmos, ter mais transparência para que possamos entender seus impactos sociais e políticos. A União Europeia possui regulações, como o Digital Services Act, que vai nessa direção e demanda informações das big techs”, exemplificou o Acadêmico. “Outro ponto é a institucionalização dos algoritmos, precisamos criar estruturas que permitam uma maior participação social na avaliação desses mecanismos”, complementou.
O terceiro ponto aborda a governança dos dados pessoais, que são a chave para que os algoritmos saibam o que cada pessoa prefere e direcione conteúdo de acordo. “O modelo de negócios das big techs depende dos dados pessoais, por isso é mandatório sabermos como essas plataformas estão coletando esses dados e garantir que estejam de acordo com a LGPD”, enfatizou.
O pesquisador defendeu também maiores investimentos em pesquisa no campo digital e de inteligência artificial, aumentando o número de pós-graduandos atuando na área. “Além do investimento, é importante criar mecanismos legais para acesso aos dados das plataformas e algoritmos pelos pesquisadores, assim como já existe na Europa. Ensaiamos fazer isso na última tentativa de passar uma lei de regulação das redes, mas não foi pra frente. Isso é essencial para avançarmos”.
Por fim, Virgilio Almeida acredita que, para se fortalecer, o Brasil precisa se unir aos países democráticos que estão avançando com legislações semelhantes, como os países da União Europeia e a Austrália. “É importante que o Brasil estabeleça acordos com regimes democráticos que criem interdependência e assim reforcem suas legislações digitais. Dessa forma teremos um peso maior”, defendeu.
Assista à audiência pública na íntegra: