Leia artigo do Acadêmico Isaac Roitman*, publicado em 8/1 no Monitor Mercantil:

A premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro foi importante para a recuperação da autoestima do povo brasileiro, que percebe que ainda está muito longe de extinguir a pobreza e a desigualdade social. Convivemos com um elevado contingente de analfabetos, com um ambiente de extrema violência, falsos discursos, um egocentrismo agudo e uma corrupção permanente. Nossos jovens, em sua maioria, têm uma educação precária. Os serviços de saúde são deficientes, e as oportunidades são para poucos. Nesse quadro, a saúde física e mental da sociedade brasileira é abalada por um sentimento de inferioridade.

Em 1950, quando a seleção brasileira foi derrotada pela seleção uruguaia de futebol na final da Copa do Mundo, em pleno Maracanã, o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues criou a expressão “complexo de vira-lata”, que se refere a um sentimento de inferioridade por parte dos brasileiros em relação a outros países, especialmente os desenvolvidos. Isso é percebido na crença de que o Brasil, sua cultura e suas realizações são inferiores às de outras nações. Após 74 anos, já é hora de enterrar esse sentimento negativo.

A premiação coloca na pauta uma importante reflexão: apesar de ser desprezada pela maioria dos governantes, a arte brasileira ainda sobrevive e brilha. Vamos tentar fazer um pequeno recorte em três dimensões das artes em nosso país: literatura, artes plásticas e música.

Na literatura brasileira, temos escritores e escritoras excepcionais que deixaram um legado extraordinário. Entre eles: Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Manuel Bandeira e Machado de Assis.

Nas artes plásticas, destacam-se artistas como Arthur Bispo do Rosário, Djanira da Motta e Silva, Hélio Oiticica, Cândido Portinari, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral.

Na música, tanto clássica como popular, podemos citar gênios que encantaram várias gerações, como Ary Barroso, Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Lupicínio Rodrigues, Luiz Gonzaga, Claudio Santoro, Vinicius de Moraes, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Heitor Villa-Lobos, Carlos Gomes, Renato Russo, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Milton Nascimento, Gilberto Gil, entre outros.

Todos os artistas citados merecem as nossas homenagens e representam matéria-prima para a construção da autoestima da sociedade brasileira. Todos e todas merecem ganhar um Globo de Ouro ou uma homenagem semelhante.

A cultura do Brasil é uma síntese da influência dos vários povos e etnias que formam a nossa sociedade. Ela não é perfeitamente homogênea, mas um mosaico de diferentes vertentes culturais. A diversidade cultural do Brasil pode ser uma fonte de riqueza e criatividade. Além de proporcionar saúde mental à sociedade brasileira, pode promover o turismo e a exportação cultural.

Além disso, a arte é um importante veículo de comunicação que detém um papel terapêutico significativo, constituindo-se como uma ferramenta da arteterapia. As artes são adequadas para ajudar a compreender e comunicar conceitos e emoções, estimulando todos os sentidos e até mesmo a capacidade de empatia. Assim, permitem que as pessoas se conectem emocional e intelectualmente com o mundo ao seu redor.

A premiação no Globo de Ouro, além de alimentar o orgulho de ser brasileiro ou brasileira, pode ser um estopim para um salto no financiamento para os artistas e suas atividades. Um povo que se alimenta da arte é um povo solidário e amoroso. Obrigado à dupla – Fernanda, mãe e filha – por deixar nossos corações cheios de alegria e iluminar caminhos para que, no futuro, tenhamos um país justo e feliz. Esse é o nosso sonho. Vamos todos, como um coral, cantar bem alto e com alegria: “Ainda estamos aqui”. Esse será o nosso mantra.

* Isaac Roitman é professor emérito da Universidade de Brasília e da Universidade de Mogi das Cruzes, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e membro do Movimento 2022 – 2030 o Brasil e o Mundo que queremos.