No dia 26 de novembro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizaram a última edição do Fórum Permanente ABC/SBPC de Educação Superior de 2024. Os convidados foram os físicos Ives Solano Araújo, professor titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em ensino de física pela mesma instituição; e Ronaldo Mota, professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-secretário nacional de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC).
As edições anteriores do Fórum focaram, principalmente, nos desenhos institucionais possíveis para o sistema de educação superior nacional. A partir delas, foi elaborado um primeiro documento, “Um Olhar sobre o Ensino Superior no Brasil”, cujo lançamento aconteceu no dia 7 de novembro. Nesta edição, o foco foi na sala de aula e nas inovações que podem ser incorporadas à prática docente.
Aprendizagem ativa: metodologias e desafios
Para o professor Ives Solano Araújo, inovar em sala de aula não é trivial e pode significar a diferença entre permanência e evasão para alguns alunos. “Falamos muito sobre atualização de currículos para nos adaptarmos ao século 21, mas raramente falamos em atualizar a metodologia de ensino. Não se trata de querer substituir o método tradicional, baseado na transmissão unidirecional de conhecimento, mas de entender que o método é apenas um meio e deve ser escolhido com base no resultado que queremos obter em cada disciplina”.
Uma alternativa apresentada pelo palestrante foi o método de instrução por pares (Peer Instruction, do inglês), na qual os alunos são estimulados a formularem teorias e respostas e depois discuti-las uns com os outros, gerando um feedback que permite ao professor entender melhor onde estão os entraves para o aprendizado. Um fluxograma de como se dá essa metodologia, em condições ideais, pode ser visto abaixo:
Entretanto, Araújo reconhece que o contexto local de cada sala de aula precisa ser considerado. Questões como excesso de conteúdo obrigatório em relação ao tempo, falta de infraestrutura tecnológica, resistência dos alunos e professores a inovações e falta de apoio institucional são alguns dos desafios para a implementação. “Conversando com outros professores, já ouvi muitos relatos de tentativas de aplicar o método com adaptações, que costumavam ser justamente na eliminação da interação entre os alunos. Assim não adianta”, explicou.
Por isso, o palestrante alerta para o perigo de se encantar com a técnica e não com seus princípios pedagógicos. “Novas metodologias não se encerram na introdução de novas dinâmicas ou softwares, precisam sempre ser pensadas no contexto local. Sobretudo, a melhoria da qualidade do ensino superior só será possível se valorizarmos o ensino tanto quanto valorizamos a pesquisa, com mecanismos de incentivo e reconhecimento aos bons professores”, defendeu.
A importância do pós-prova
Para Ronaldo Mota, a crise da educação superior é um fenômeno global relacionado a mudanças sociais que vão além dos muros da universidade. “Nos acostumamos com a ideia de que as novidades surgiam nos campi e que tínhamos que levá-las para a sociedade. Isso parecia natural, hoje já me parece arrogância. Cada vez mais, tanto do ponto de vista da produção de conhecimento quanto da transmissão, o movimento é de fora pra dentro, com as universidades assimilando as mudanças sociais”, afirmou.
Enquanto o século 20 foi extraordinário na produção de conhecimento e avanço tecnológico, no século 21 a informação deixou de ser um artigo de luxo e se tornou banal. “Adentramos um mundo de informação acessível e instantânea. Logo, instituições que se caracterizem só por transmitir informação perderam valor. Nesse mundo, a arte de ensinar se tornou mais complexa, como podemos adaptar os nossos professores?”, indagou o palestrante.
Existem várias maneiras, mas uma que Ronaldo Mota considera de fácil implementação depende apenas de se aproveitar uma dinâmica já velha conhecida dos alunos. “A maioria dos cursos se estrutura ao redor de provas. Imediatamente após as avaliações temos algo precioso: os alunos estão no centro e em diálogo uns com os outros sobre o que fizeram bem e o que fizeram mal. Esse é um momento que poderia ser de muito aprendizado e, em geral, não gastamos um minutos sequer com ele. É um crime pedagógico”, avaliou.
Por isso, Mota sugere que os professores reservem um espaço de tempo pós-prova para se debruçar sobre o desempenho dos alunos, incentivando o raciocínio crítico de cada um sobre seu próprio processo de aprendizado. “Eu prefiro um aluno nota sete que, após refletir sobre o resultado da prova, se torna nota nove, do que um aluno nota oito que nunca mais vai olhar para aquela avaliação na vida”, refletiu.
Novas tecnologias: educação híbrida e personalizada
Os palestrantes também discutiram sobre os efeitos das novas tecnologias de inteligência artificial no ensino. Ambos concordam que o atual estágio de desenvolvimento já permite uma abordagem mais personalizada por aluno, cabendo ao professor aproveitar os dados à sua disposição. Entretanto, surge também o desafio de não permitir que a IA se torne uma forma de burlar as atividades propostas. “Quando surgiu o Google muitos professores também se preocuparam, mas, mesmo com a informação instantânea, o aluno ainda precisava saber o que fazer com ela. Agora, modelos de linguagem como o ChatGPT já auxiliam até mesmo na articulação e exposição das ideias”, refletiu Araújo.
Para Mota, essa adaptação faz parte da realidade atual e tem mais a ver com a atividade do professor em sala de aula do que quaisquer mudanças institucionais ou curriculares que possam ser impostas de cima para baixo. “Caminhamos em direção a uma educação hibrida, integrando ensino presencial e remoto, inevitavelmente digital, flexível e, principalmente, com a inteligência artificial, personalizada”, avaliou.
Assista ao Fórum completo: