No dia 21 de novembro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) recebeu em sua sede, no Rio de Janeiro, o lançamento de dois novos policy briefs do Painel Científico para a Amazônia (SPA, da sigla em inglês). São eles:
- Saúde na Amazônia: Desafios Ambientais, Sociais e Econômicos
- Estratégias para Restauração Florestal em Larga Escala na Amazônia
Criado em 2020, o Painel é uma iniciativa pioneira que reúne 280 cientistas do mundo inteiro e visa analisar o conhecimento científico existente sobre o bioma, com o objetivo de fornecer subsídios para políticas públicas e ações de preservação e desenvolvimento sustentável. Seu primeiro relatório de avaliação, lançado em 2021, é considerado o mais completo levantamento já feito sobre o tema e ganhou a alcunha de “Enciclopédia da Amazônia”. Desde então, o SPA tem focado na publicação de policy briefs com recomendações para os diferentes atores sociais sobre as principais demandas da região. O SPA é organizado sob os auspícios da Sustainable Solutions Network (SDSN), das Nações unidas.
Participaram do lançamento, representando o SPA, a coordenadora estratégica, Emma Torres; os co-presidentes Marielos Peña-Claros e Carlos Nobre, este último membro titular da ABC; e as autoras dos policy briefs sobre restauração, Catarina Jakovac, e sobre saúde, Ylana Rodrigues. A ABC foi representada por seu ex-presidente Luiz Davidovich; a Fiocruz por seu coordenador-estratégico para a Agenda 2030, Paulo Gadelha; e a PUC-Rio por sua vice-reitora, Jackeline Farbiarz. Ao final das apresentações, também foi realizada uma roda de conversa com representantes de empresas e organizações não-governamentais que atuam na conservação e restauração do bioma.
O ex-presidente da ABC Luiz Davidovich abriu a reunião lembrando que a ciência tem papel fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis que possam se tornar alternativas rentáveis para a região. “Qualquer solução, para ser eficaz, precisa envolver e conquistar as comunidades locais, do contrário elas continuarão trabalhando em modelos não sustentáveis. Não faltam exemplos de pesquisadores estrangeiros que vão para a Amazônia e descobrem, através dos povos indígenas e tradicionais, quais espécies valem a pena investigar. Precisamos de um grande projeto nacional com relação à biodiversidade amazônica”, avaliou.
Na mesma linha, a coordenadora do SPA, Emma Torres, defendeu que a biodiversidade deve ser o motor do desenvolvimento brasileiro. “Somos uma superpotência nessa área”. A vice-reitora da PUC-Rio, Jackeline Farbiarz, trouxe exemplos de projetos da universidade na Ilha de Marajó e afirmou que “desenvolvimento sustentável só acontece quando há diálogo com as comunidades locais”.
Já o representante da Fiocruz, Paulo Gadelha, enfatizou a abordagem da Saúde Única, que entende saúde humana e ambiental como duas faces da mesma moeda. “A questão climática é tão central para a saúde que o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, classificaram o Acordo de Paris como o ‘mais importante acordo internacional em saúde do século 21’”.
Saúde na Amazônia: Desafios Ambientais, Sociais e Econômicos
O policy brief enfatiza que a destruição florestal, seja legal ou ilegal, tem impacto direto na saúde da população local, seja a partir da contaminação de alimentos ou água, do impacto respiratório das queimadas ou do aumento do risco de doenças infecciosas. A destruição também gera impactos indiretos, ao intensificar as mudanças climáticas, que trazem um novo leque de pressões sobre a saúde humana. O problema é agravado pelo fato de as populações amazônicas estarem entre as mais vulneráveis e, em alguns grupos, isoladas do continente, enfrentando acesso precário aos sistemas de saúde e ao saneamento básico.
O documento traz as seguintes recomendações:
- Fortalecer os sistemas de saúde e de saneamento, com foco na erradicação da pobreza e no apoio aos estratos sociais mais vulneráveis.
- Priorizar populações indígenas, ribeirinhas e isoladas no desenho de políticas públicas.
- Desenvolver urgentemente planos de adaptação e mitigação climática que incorporem o monitoramento epidemiológico e climático e o combate ao desmatamento.
- Criação de redes internacionais de monitoramento de doenças infecciosas que integrem, pesquisa, monitoramento e saberes tradicionais.
- Promover a restauração e a conservação florestal e sistemas sustentáveis de produção de alimentos.
“É preciso levar infraestrutura e capacitação para as populações isoladas, em particular, investindo nas unidades móveis de saúde, devidamente equipadas, e na telemedicina. Também é preciso ter sistemas integrados de monitoramento climático, ambiental e epidemiológico. Outros pontos cruciais para a saúde são o fim imediato do desmatamento e a promoção de uma transição energética justa” – Ylana Rodrigues, uma das autoras do documento
Estratégias para a Restauração Florestal em Larga Escala na Amazônia
O policy brief alerta para o fato de a Amazônia estar se aproximando de um ponto de não-retorno, quando a perda de biodiversidade e biomassa se torna tão grande que o bioma entra numa trajetória de transformação de uma floresta tropical para uma savana degradada e pobre em recursos. Para enfrentar esse problema, diferentes estratégias de restauração florestal devem ser empregadas de acordo com as necessidades de cada local. Regiões menos destruídas tem potencial de recuperação natural, com baixo custo e emprego de mão-de-obra. Nas regiões mais desmatadas, como no Arco do Desmatamento que corre pela fronteira sul da floresta, estratégias ativas de restauração são necessárias, que requerem um alto investimento mas também podem criar oportunidades econômicas e geração de empregos. Para ambas estratégias, a integração com os saberes tradicionais é fundamental.
O documento traz as seguintes recomendações:
- Criar planos nacionais de restauração, em linha com os compromissos internacionais e integrando diferentes planos regionais
- Incluir a preservação de florestas primárias e secundárias nos planos públicos e privados de conservação
- Promover a restauração natural em áreas de baixa degradação
- Desenvolver uma “linha de produção da restauração”, com os incentivos certos para produção de mudas e sementes e para o surgimento de uma logística e infraestrutura para transporte e trabalho de plantio
- Fortalecer a bioeconomia acabando com incentivos à atividades predatórias e substituindo-as por atividades que gerem valor sem destruir a floresta
- Promover capacitação e a integração entre o conhecimento científico e os saberes tradicionais
- Garantir mecanismos de financiamento que considerem as necessidades e demandas dos diferentes atores envolvidos em todas as etapas do processo de restauração
“Precisamos de diferentes estratégias de restauração para diferentes localidades. Projetos de restauração não podem chegar com uma estratégia pronta, mas desenvolvê-la junto às populações e aos atores que já estão no território. O futuro da Amazônia depende de ações imediatas e integradas de questões ambientais, sociais e econômicas” – Catarina Jakovac, uma das autoras do documento
Roda de conversa entre cientistas e representantes da iniciativa privada e do terceiro setor
Durante a metade final da reunião, foi realizada uma roda de conversa entre os representantes do SPA e de empresas e organizações não-governamentais que atuam com a restauração florestal na Amazônia. O climatologista Carlos Nobre, co-presidente do SPA, detalhou o que significa dizer que o bioma está chegando perto do não-retorno.
“Algumas regiões da floresta já deixaram de ser estoques de carbono e se tornaram emissoras. Tivemos o pior ano da história com relação a queimadas. Se isso continuar, será impossível limitar o aquecimento do planeta em 2°C, chegaremos em 2,5°C e, se isso ocorrer, não tem mais volta. Por isso o projeto do Arco da Restauração é tão fundamental, para segurar a temperatura e, se concluído, retirar 240 toneladas de CO2 da atmosfera”, afirmou o Acadêmico.
Falando sobre o ambicioso projeto, o chefe do Departamento de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Marcus Cardoso, que está realizando a captação e o investimento de recursos, afirmou que a meta é ter, até 2030, a restauração de 6 milhões de hectares com o investimento de R$ 58 bi. Até o momento, foram destinados R$ 1 bi, sendo R$ 450 milhões pelo Fundo Amazônia e R$ 550 milhões pelo recém criado Fundo Clima. “O grande desafio é como fazemos para dar escala. Existem grandes projetos dispersos, mas poucos que pensam em integração. Como agrupar todos eles?”, refletiu.
Para Pedro Moura, fundador e diretor do Instituto BVRio, que busca soluções baseadas no mercado para o cumprimento de metas ambientais, o grande desafio é trazer investimentos pra uma atividade que não gera retornos imediatos diretos. O valor gerado pela conservação se dá pelos serviços ambientais, que, embora fundamentais para a economia, são difíceis de mensurar numa lógica de mercado. Por isso, ele acredita, mecanismos como os créditos de carbono são importantes e precisam ganhar robustez.
“Se realmente queremos ganhar escala precisamos de esforços governamentais. Se o Brasil diz que vai restaurar milhões de hectares, com investimento contínuo e parcerias público-privadas, isso direciona esforços. Pequenos projetos continuam tendo espaço, são muito bons para as empresas, mas não resolvem o problema. É preciso de um programa governamental de grande escala, usando por exemplo a emissão de títulos verdes, que são mais dinâmicos e ajudam a atrair dinheiro”, avaliou.
Para Renato Crouzeilles o diretor científico da Mombak, startup brasileira que negocia créditos de carbono para viabilizar projetos amazônicos, o problema de atrair investidores está no retorno de longo prazo, que gera juros mais altos por conta do risco. Dessa forma, ele acredita que mecanismos como o Fundo Clima, que oferece empréstimos a juros mais baixos, são fundamentais para reduzir o custo dos projetos
Já Eduardo Rimolli, diretor de finanças e administração da Fundação Black Jaguar, NGO que atua com projetos de restauração no Cerrado e na Amazônia, trouxe exemplos de projetos no estado do Pará que mobilizaram a comunidade local na produção de sementes e mudas para a restauração, realizando educação ambiental para crianças e incentivando os produtores rurais a adotar práticas sustentáveis.
“O custo por hectare restaurado passa dos R$ 90 mil e os créditos de carbono não cobrem todo esse valor. Por isso, é preciso ser extremamente criterioso com recursos. Outro problema é que as fazendas com que trabalhamos muitas vezes não estão incluídas nos programas de incentivo governamentais por critérios técnicos que poderiam ser revistos. Há uma oferta reprimida de serviços de restauração por parte de pequenos produtores, que veem com bons olhos esse complemento de renda. Também é fundamental envolver seguradoras no processo, o que é difícil, pois há poucas nesse mercado”, explicou.
Para Carlos Nobre, os créditos de carbono são importantes e devem ser aprimorados, mas devemos criar novos mecanismos de financiamento, já que não se trata apenas de reduzir emissões. “Serviços agroflorestais de produção, que estão integrados na nova bioeconomia, têm potencial de mercado na casa dos bilhões de dólares. Estudos recentes mostram que a evaporação em áreas índigenas conservadas respondem por 10 a 20% das chuvas na bacia do Paraná, uma região intensamente agrícola. A pandemia de covid-19 causou um prejuízo de 18 trilhões de dólares no mundo, portanto, há valor econômico em impedir que novas aconteçam. E quanto valem todos esses serviços ecossistêmicos hoje? Nada!”, refletiu. “É preciso começar a calcular todos os serviços para além do carbono”.