*Matéria publicada originalmente pela UFRGS
Na manhã desta quinta, 17 de outubro, em sessão solene presidida pela reitora [a Acadêmica] Marcia Barbosa, foi entregue o título de Professor Emérito a [o Acadêmico] Ruben Oliven, docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade. Compuseram a mesa cerimonial o vice-reitor Pedro Costa, o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Hélio do Couto Alves e o orador Jean Segata, professor do Departamento de Antropologia.
Na abertura do evento, a reitora expressou sua alegria redobrada, porque a cerimônia é a primeira de sua gestão e pelo fato de o homenageado ser o professor Oliven. Na sequência, convidou o diretor do IFCH a conduzir o novo emérito até a mesa cerimonial.
O orador Jean Segata iniciou sua saudação a Oliven frisando que “os mais de 50 anos de dedicação do professor à UFRGS são também os 50 anos de uma história da antropologia que se constrói a partir dessa universidade, e que ganha o mundo como referência respeitada pelo compromisso com a tradição do ensino e pela originalidade sempre renovada na sua vanguarda de pesquisa”.
Lembrando que a trajetória do docente e a história da antropologia no Brasil se misturam e se produzem mutuamente, Segata contou que Oliven ingressou na UFRGS como estudante de Ciências Econômicas e de Ciências Sociais em 1964, ano do golpe que instalou a ditadura civil-militar no país. Tendo concluído seu mestrado em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, com a dissertação A cidade como local de integração sociocultural: a integração dos moradores da Vila Farrapos na cidade de Porto Alegre, aprofundou esse trabalho durante o doutorado em Ciências Sociais, realizado na Universidade de Londres, Inglaterra. “Marcada pela inovação, rigor científico e pelo carinho pela nossa cidade, a tese Urbanização e mudança social: um estudo de caso de Porto Alegre, defendida em 1978, se imortalizou como um livro de referência, que definitivamente abriria caminhos para diversos outros trabalhos e que consolidaria Ruben Oliven como um dos maiores expoentes da constituição da antropologia urbana no Brasil”, sinalizou.

Conforme Segata, o professor Oliven teve participação decisiva na criação do Curso de Pós-Graduação em Sociologia e Política, em 1972. Dois anos depois, o curso incorporaria a Antropologia, passando a se chamar Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia. “É por isso que o nosso Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social comemora seu cinquentenário neste ano. Ruben Oliven coordenou a especialização em Antropologia Social, na sua origem, em 1974, e foi também com o seu protagonismo que foram criados o mestrado, em 1979, e o doutorado, em 1991”, pontuou.
Formador de gerações
O papel como formador de uma nova geração de excelência em Antropologia foi igualmente saudado pelo orador, ao comentar que Oliven tem ex-alunos atuando na África, na Europa, nos Estados Unidos e por toda a América Latina.
Segata finalizou seu discurso afirmando que quem conhece o professor Oliven “sabe que ele tem um coração que não cabe no próprio peito nem nos currículos ou nas métricas acadêmicas. Além de um intelectual de primeira grandeza, é um colega e amigo, um conselheiro preciso e generoso, uma liderança incontestável e um entusiasta incansável. Em outros termos, ele é mais uma prova de que uma carreira acadêmica irretocável não se faz apenas com publicações de impacto, cargos administrativos e aulas mundo afora, mas com respeito pelos colegas docentes, técnicos, estudantes e administração; com zelo pelo serviço público e com comprometimento social. Ruben é prova de que uma carreira admirável também se faz com afeto e carinho, com vontade de luta e com o dom da pacificação. Eu genuinamente me emociono quando vejo o professor Ruben chegar cedo ao Campus do Vale, às terças de manhã, para dar um curso obrigatório aos estudantes de doutorado. São 54 anos de dedicação ao nosso Programa.
Múltiplos interesses
Ao cumprimentar os presentes à cerimônia, Ruben Oliven manifestou sua satisfação por receber o título das mãos da nova reitora, eleita democraticamente pela comunidade da UFRGS. Também saudou os familiares, colegas e amigos e os agora colegas eméritos ali presentes: Céli Jardim Pinto, José Roberto Iglesias e Philippe Navaux.
O professor iniciou sua fala agradecendo à memória de seus pais, que estimularam a curiosidade e o interesse pela diversidade cultural e pelas questões sociais. Agradeceu igualmente à esposa, Arabela Oliven, professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, aos filhos e demais familiares, bem como aos colegas de departamento e do PPG em Antropologia Social, pelo encaminhamento da homenagem ao Conselho Universitário.
Definindo a UFRGS como sua alma mater, Oliven disse que foi na Universidade que desenvolveu a maior parte de sua vida acadêmica. Relembrou ter vivenciado a Reforma Universitária promovida pela ditadura, que pôs fim ao sistema de cátedras e promoveu forte repressão política, ao mesmo tempo em que implantou o sistema de organização por departamentos e estimulou a criação de programas de pós-graduação.

Relembrou seus interesses de pesquisa pela questão das identidades nacionais e regionais – destacando a cultura dos festivais de música nativista e dos CTGs entre uma população marcadamente urbana – e, também, por questões urbanas, pela cultura popular brasileira, pela música popular brasileira, o jazz e o blues.
Oliven celebrou seus colegas da Antropologia pela disposição ao diálogo e pela capacidade de negociação das diferenças e divergências. Comemorou também o fato de, depois de ter orientado mais de 50 teses e dissertações de mestrado, ver vários de seus ex-alunos terem seus trabalhos reconhecidos e premiados por diferentes agências de fomento.
Ao comentar sua participação na Academia Brasileira de Ciências, frisou que sem ciência não há justiça social, ressaltando a responsabilidade inerente ao trabalho dos cientistas. “A presidente da ABC Helena Nader costuma brincar dizendo que sou o único humano da atual diretoria da Academia, já que os demais membros são oriundos das Ciências Exatas. Afirmo que todas as ciências são humanas, pois elas são praticadas por seres humanos, frequentemente lidam com seres humanos e, mesmo quando não o fazem diretamente, têm consequências para a humanidade. O Brasil é um país viciado em desigualdades de todos os tipos: sociais, econômicas, raciais, de gênero, sem falar nos preconceitos contra a população LGBTQIA+. A chamada índole pacífica dos brasileiros não passa de uma grande cortina de fumaça que oculta na realidade uma crescente intolerância”, observou.
Ruben Oliven finalizou seu discurso afirmando que a ciência pode manter o pessimismo em suas análises, mas tem a obrigação de ser otimista em suas ações. “Os cientistas têm uma responsabilidade crucial de se fazerem ouvir, traduzindo suas descobertas em linguagem acessível e contrapondo-se ao negacionismo e à desinformação e alertando a respeito das consequências de não respeitar a natureza”, concluiu.
Ao final da sessão, a reitora Marcia saudou as presenças dos ex-reitores [os Acadêmicos] Hélgio Trindade e Carlos Alexandre Netto, cumprimentou o homenageado por sua trajetória acadêmica e por sua capacidade de se dedicar a uma grande variedade de temas. “Ele é um acadêmico movido pela ousadia, conseguindo atuar em diferentes áreas com igual excelência. Uma amostra inequívoca disso foi quando colocou em discussão na Academia Brasileira de Ciências um código de ética e de conduta. Ao modificar os estatutos da Academia e incluir a possibilidade de expulsão por mau comportamento ou conduta antiética, ele se tornou a ‘kriptonita’ dos acadêmicos”, brincou.
A reitora lembrou ainda que foi Oliven quem trouxe para a ABC o pensamento de [o Acadêmico] Davi Kopenawa, principal liderança do povo Yanomami, que tem colaborado para que a ciência se amplie e passe a considerar não apenas um, mas vários métodos científicos. “Por ser esse parceiro e nos ensinar tantas coisas novas, a nós da UFRGS nos honra que o professor Ruben Oliven aceite a maior homenagem desta instituição a quem constrói cotidianamente o conhecimento, não só no Brasil, mas no mundo.”
Leia o original no site da UFRGS.
