A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Bonciani Nader, ministrou no dia 3 de outubro a Haddad Distinguished Lecture no David Rockefeller Center for Latin American Studies em Harvard. Ao lado da também Acadêmica Marcia Caldas de Castro, que coordenou o evento, Nader trouxe um histórico do desenvolvimento científico nacional para abordar o tema “Por que o Brasil deve priorizar investimentos estratégicos em ciência, tecnologia e inovação para um futuro sustentável”.

O Brasil começou atrasado a desenvolver sua ciência. Mesmo na América Latina, no México e no Peru, universidades já existiam no século 16. Por aqui, as primeiras instituições de pesquisa foram surgir no século 19, e as primeiras universidades só no século 20. As primeiras agências de fomento, Capes e CNPq, surgiram em 1951, e só no fim da década de 60 e início de 70 começaram a surgir com mais força os programas de pós-graduação.

Esse sistema se consolidou até o fim do século 20. Até que, no século 21, passou por uma expansão, tanto territorial quanto no conjunto da população que passou a alcançar. “A expansão dos programas de pós-graduação de qualidade nesse novo século é real e deveria ser mais comentada, pela mídia e por todos nós”, defendeu a presidente da ABC.

Mas o Brasil ainda tem muito a avançar. Apesar de ser o 13º maior produtor de artigos científicos do mundo, o país é apenas o 49º no Índice Global de Inovação, mostrando que a pesquisa de ponta feita nas universidades ainda não chega na sociedade. Nos últimos anos, o país viu a sua produção científica e o seu número de graduandos e pós-graduandos encolher. “Precisamos urgentemente entender o que está acontecendo”, alertou Nader.

O número de jovens que não estudam nem trabalham cresce cada vez mais, enquanto os que ainda procuram o ensino superior são, em maioria, absorvidos por um sistema privado no qual o país tem muito pouco controle sobre sua qualidade. Esse fenômeno se intensificou durante a pandemia, com essas instituições adotando em peso o modelo de ensino à distância (EaD). “O EaD é importante, veio para ficar, mas é preciso existir algum tipo de contato presencial que a maioria desses cursos não oferece”, defendeu Nader.

Helena Nader, Claudio Haddad e Marcia Castro (Foto: Harvard)

Para além da ciência, ainda ocupamos apenas o 89º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e temos uma economia que cresce aos solavancos, incapaz de atingir todo seu potencial. Esse cenário é agravado quando consideramos que o crescimento populacional caiu muito, fazendo com que o país esteja no fim de sua janela demográfica. Isso quer dizer que teremos uma população envelhecida, menos capaz de desenvolver, mais cedo do que gostaríamos. “Temos um grande caminho a percorrer”, sumarizou a presidente da ABC.

Para avançar, o país precisará alavancar seu investimento em ciência. Hoje o Brasil investe cerca de 1,3% de seu Produto Interno Bruto (PIB) no setor, enquanto países desenvolvidos, em média, ultrapassam os 2%. A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI) estabeleceu como meta chegar a 1,6% em 2028 e 2,5% em 2035, resta saber se seremos capazes de cumprir. “A China nos anos 2000 investia menos do que nós e hoje está em torno de 2,4%. No Brasil temos o Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que é excelente, mas virou uma tábua de salvação. O FNDCT sozinho não será capaz de investir o tanto que precisamos”, afirmou.

Para isso, será preciso alavancar o investimento privado, cuja ausência é uma das principais razões da disparidade entre produção cientifica e inovação no país. “Estou cansada de citar a Petrobras e a Embraer, temos exemplos de qualidade mais recentes, como a WEG e a Natura, duas líderes mundiais que investem muito em pesquisa e desenvolvimento. Temos também a Embrapii, cujo modelo de investimento conjunto entre Estado, instituições de pesquisa e setor privado já é um grande sucesso”, listou.

A presidente da ABC lembrou também que o país já é uma liderança no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para a agricultura e tem todas as vantagens comparativas para ser um exemplo global em energia renovável e biocombustíveis. “Temos áreas em que fazemos muito, mas em outras fazemos muito pouco. Na saúde temos uma dependência de empresas estrangeiras que geram zero inovação no país. A ideia do Ministério da Saúde de fortalecer o complexo econômico e industrial da saúde visa melhorar isso. Não beneficiaria só o Brasil, mas todo o Sul Global, que ficou de mãos atadas na pandemia”, exemplificou.

Por fim, Nader defendeu uma maior colaboração com o exterior, fazendo um apelo à plateia, onde estavam pesquisadores brasileiros que deixaram o país para seguir suas carreiras. “O que peço é que vocês colaborem com o Brasil e com os pesquisadores que lá estão. Não é preciso voltar, claro que seria ótimo, mas há muito que vocês podem fazer pelo país estando no exterior”, defendeu.

Assista à palestra na íntegra: