O pai de Gabriel Schleder era atleta olímpico e foi um dos primeiros grandes maratonistas do Brasil. Tanto ele quanto a mãe trabalhavam como professores de educação física, majoritariamente na rede pública, no estado de São Paulo. Tiveram o filho Rafael e três anos depois, em 1992, em Santo André, veio Gabriel. Quando ele tinha sete anos, a família mudou-se para Bragança Paulista. Nosso protagonista considera que teve uma ótima infância, sempre junto com o irmão. Faziam diversos esportes e outras atividades físicas, além do videogame, que os ajudou a aprender inglês sem ter aulas. Gabriel chegou a se destacar no hipismo, tendo sido campeão regional das categorias iniciais.
Na infância, já no interior, em Bragança Paulista, com família paterna de origem sulista, tiveram vivências típicas de fazenda. “Num final de ano, nosso presente foi poder escolher qualquer coisa de uma loja de R$1,99. Escolhemos facões para cortar plantas e árvores, que usamos muito no sítio, também no Sul, participávamos da desossa e corte de carnes diversas, o que naquele contexto era comum”, contou o Acadêmico.
Além disso, sua escola em Bragança Paulista, tinha uma proposta interdisciplinar e ecológica, num enorme espaço com um ribeirão, muitas árvores, animais, construções ecológicas e atividades muito variadas. “Essa vivência acabou imprimindo fortemente em mim valores ecológicos e interdisciplinares, que impactaram no resto da minha vida”. Gostava de quase todas as disciplinas, muito de educação física e artes, mas com destaque para as da área de exatas. Gabriel conta que nessa época, os anos 2000, ocorreu a democratização do acesso à internet e o acesso a computadores se tornou comum. Antes dos 15 anos ele já fazia versões nacionais de jogos de futebol customizadas e sua equipe de edição chegou a ter o terceiro maior jogo em vendas não-oficiais em alguns locais.
Ainda na infância, interessou-se também pela música e escolheu o contrabaixo elétrico. Poucos anos depois, passou a trabalhar como músico profissional em uma banda de casamentos, onde ficou por mais de dez anos. “Minha primeira carteira de trabalho, tirada na adolescência, foi da Ordem dos Músicos do Brasil”. Por conta dessa atividade, desenvolvida então já há quase cinco anos, no momento de escolha da faculdade Gabriel tinha dúvida entre seguir na música ou fazer algum curso ligado à ciência e tecnologia. Envolveu-se num processo de orientação vocacional, no qual ficou claro que um ponto central para ele era a criatividade expressada na solução de problemas. Então decidiu pela ciência e ingressou no bacharelado em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do ABC (UFABC), um curso altamente interdisciplinar e inovador, com ampla exposição à áreas diversas e uma base formativa sólida.
Até o meio da graduação, Gabriel avalia que era um aluno bastante mediano. Os fatores de virada foram o hábito da leitura de não-ficção e o treino da musculação. As dezenas de leituras anuais e os treinos resultaram em uma intencionalidade e comprometimento nas atividades qualitativamente diferente, permitindo então considerar que o caminho científico seria possível. Quando cursou uma disciplina de introdução à pesquisa científica, entendeu o que era pesquisa de verdade e realizou o que é a ciência de fronteira. Uma das atividades da disciplina era conversar com professores para orientação sobre possíveis projetos. Achou a nanotecnologia interessante e fez uma iniciação científica (IC) com o professor Carlos Scuracchio na área experimental de nanocompósitos poliméricos.
No ano seguinte, quis explorar outras áreas dentro da nanotecnologia e fez uma IC com o professor Wendel Alves, também na área experimental, de síntese e caracterização de nanotubos e nanopartículas de metais e óxidos. Já ao final da graduação em engenharia de materiais, fez seu trabalho de conclusão de curso (TCC) na área de caracterização avançada de materiais, num projeto com o professor Demétrio dos Santos, que deu origem ao seu primeiro artigo científico, em 2016, sobre desenvolvimento de poliuretanos de origem vegetal partindo de lignina e óleo de mamona, trabalho que recebeu mais de 100 citações.
Ainda durante a execução do TCC, cursou a disciplina de Tópicos Computacionais em Materiais com o professor Jeverson Arantes. “Foi quase uma revelação pessoal descobrir esse universo das simulações computacionais e suas possibilidades, e logo soube que queria seguir nessa área”, contou o Acadêmico. Fez então o mestrado com Arantes, com quem diz que aprendeu a fazer pesquisa de excelência na área de simulações quânticas de nanomateriais e o salvou, em suas palavras “de ser um cientista experimental medíocre”.
Durante o mestrado, participou de um workshop sobre publicações científicas internacionais com o professor Gilson Volpato, à época livre-docente da Unesp Botucatu. Gabriel relata que lá aprendeu sobre a importância do planejamento e estratégia antes de iniciar qualquer ação em pesquisa ou escrita científica. Nesse período passou a integrar uma rede de pesquisadores mais ampla, com quem aprendeu muito, direta e indiretamente. Conheceu então o orientador do seu orientador, o Acadêmico Adalberto Fazzio, que já havia sido reitor da UFABC e estava temporariamente na universidade como professor visitante sênior – o que abriu o próximo capítulo da sua vida acadêmica, o doutorado.
Logo no início do doutorado de Schleder, em 2017, o professor Fazzio foi convidado para dirigir o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), que é parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, local que abriga o maior e único laboratório de luz síncrotron da América do Sul. Como Gabriel já havia cursado todas as disciplinas do doutorado durante o mestrado, mudou-se para Campinas também.
“Foi um período excepcional de crescimento pessoal e profissional. Tive o ônus e bônus da liberdade de ter um supervisor muito ocupado, assim como da autonomia e responsabilidade da escolha e gestão dos meus projetos científicos, onde ganhei muita experiência com os erros e acertos”, contou o cientista. Colaborou e publicou com quase todos os grupos experimentais do LNNano, tendo publicado 26 artigos que entraram na tese, finalizada em 2021, que venceu tanto o Prêmio Capes de Tese como o Prêmio José Leite Lopes da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Posteriormente, com o vínculo criado durante o doutorado, Schleder foi para a Universidade de Harvard para um estágio de pós-doutorado a convite do professor Efthimios Kaxiras, então diretor do Departamento de Física, e passou lá todo o período da pandemia fazendo pesquisa, co-supervisionando alunos e também lecionando disciplinas na graduação.
Desde 2023, Gabriel Schleder é pesquisador no LNNano-CNPEM, liderando a área de Teoria e Ciência de Dados. Trabalha com inteligência artificial aliada à simulação computacional de nanomateriais, física de materiais e ciência de dados de maneira geral. “Um dos meus interesses é em como essas ferramentas nos permitem descobrir informações que não são possíveis de ver com os métodos tradicionais, em particular para descobrir e fazer o design de novos materiais com propriedades melhores do que os que já existem, para aplicações em áreas de energia, saúde, ambiental, e tecnologias quânticas”, explicou.
Para Schleder, a ciência é a maior conquista humana. “É o único processo criado até hoje que nos permite evoluir sistematicamente à medida que o tempo passa. O ato de criticar e comparar empiricamente as ideias com a realidade é poderosíssimo. Na minha área, é muito interessante ver que as máquinas aprendem ‘apenas’ a tarefa que nós propomos e os desafios principais são pensar em como definir e formular esses problemas. Nesse processo, lidamos com os limites de complexidade que são possíveis de se alcançar por meio de operações simples, repetidas muitas vezes”, avaliou.
Ele considera o título de membro afiliado da ABC como uma celebração, um reconhecimento pelas realizações do passado e um convite aos desafios futuros. Diz que gostaria de poder contribuir na ABC no contínuo trabalho de planejamento estratégico, pensando sobre formas de valorização da ciência e do cientista para o benefício da própria sociedade.
Ciência à parte, Schleder tem muitos interesses, como já mostrava na infância. As atividades físicas, a leitura e a música sempre estiveram em sua vida, e vivendo hoje com a esposa e duas cadelas pastoras mantém um apreço pelo conceito de slow life, sendo um grande apreciador do mundo do café especial.
Ao passar o durante e pós-pandemia em Harvard, conta que desenvolver grande gosto pelo hiking urbano, histórico e arquitetônico na região Boston, algo que hoje ele e a mulher, Carol, exploram bastante em São Paulo e em viagens, além de gastronomia, shows e espetáculos.
Para finalizar, Gabriel lembrou-se de uma bela frase do físico Freeman Dyson: “O público tem uma visão distorcida da ciência porque as crianças são ensinadas na escola, falsamente, que a ciência é uma coleção de verdades firmemente estabelecidas. Na verdade, a ciência não é uma coleção de verdades. É uma exploração contínua de mistérios.”