Acesse aqui a versão digital do livro “A Evolução é Fato”!


Nos dias 19 e 20 de setembro, na sede da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ambos no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) lançou seu novo livro, “A Evolução é Fato”, fruto do trabalho de 28 cientistas sob coordenação do Acadêmico Carlos Frederico Menck, que juntos compilaram histórias e descobertas da ciência que não deixam dúvidas sobre a ocorrência da evolução biológica.

“Decidimos por criar um livro bonito, ilustrado, voltado para não-especialistas, em que procuramos utilizar, sempre que possível, exemplos brasileiros. Essa uma resposta da Academia para a sociedade, deixando muito claro qual sua posição nos debates públicos em torno da Evolução”, afirmou Menck.

Conforme reforçou a presidente da ABC, Helena Bonciani Nader, a obra deverá ser uma ferramenta para professores em sala de aula. Ela lembrou que não se trata de uma disputa entre ciência e religião, já que grandes cientistas – como o próprio Gregor Mendel, o pai da genética – eram religiosos. “A ciência não é uma questão de fé, é uma questão de dados. Essas duas coisas não rivalizam, a fé é pessoal de cada um”, afirmou.

Como parte desse esforço, o segundo dia do lançamento recebeu alunos de ensino fundamental da Escola Municipal Olga Benário Prestes, de Macaé, cuja vinda foi viabilizada pelo Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem – UFRJ). Os alunos puderam acompanhar apresentações sobre a origem do universo e da vida na Terra; a evolução das plantas, dos animais e dos microorganismos; a extinção dos dinossauros e muito mais. Ao final, cada um dos alunos recebeu uma cópia do livro de presente!

Alunos da Escola Municipal Olga Benário Prestes, de Macaé, participaram do lançamento

 

 

 


Uma viagem desde os primórdios da Terra


O livro começa antes mesmo da vida surgir e, por isso, conta com geólogos entre seus autores. Entre eles o professor Umberto Cordani, que nos traz para o período Hadeano, entre 4,5 e 4 bilhões de anos atrás, quando a Terra ainda era uma bola de fogo inabitável. Só após um grande resfriamento, que levou a formação dos primeiros oceanos, é que a vida tornou-se possível. “Isso se deu no período seguinte, que chamamos de Arqueano, quando começaram a surgir as primeiras evidências de carbono orgânico e as primeiras bactérias”, explicou.

A origem da vida e o “mundo do RNA”

Mas como exatamente a vida surgiu? Para começar a responder essa pergunta, precisamos olhar para as três moléculas fundamentais da vida: o DNA, o RNA e as proteínas. As três são cadeias de carbono compostas por pequenos “blocos” que se repetem. No caso do DNA e do RNA, são os nucleotídeos, e no caso das proteínas, os aminoácidos. Na maioria dos seres vivos atuais, a informação hereditária – aquela capaz de ser transmitida na reprodução – é armazenada no DNA, mas essa molécula sozinha não é capaz de formar um organismo. Para isso, a informação contida no DNA é transcrita em RNA e depois traduzida em proteínas, essas sim, capazes de realizar as funções do nosso corpo.

Isso só é possível graças ao que chamamos de código genético, cuja descoberta foi um marco na história da biologia. Resumidamente, cada sequência de três nucleotídeos sempre corresponderá a um mesmo aminoácido, permitindo que seja possível olhar para uma molécula de DNA ou RNA e saber exatamente qual proteína ela irá produzir. Esse código é compartilhado por todos os seres vivos e é a prova de que todos somos descendente de um único ancestral comum.

Portanto, numa ponta temos o DNA, que é capaz de se replicar mas não de formar um organismo, e do outro as proteínas, que formam os organismos e catalisam processos metabólicos, mas não se replicam sozinhas. E no meio temos o RNA, o qual também é capaz de se replicar e catalizar funções metabólicas – como os ribossomos, as “máquinas” responsáveis por traduzir um RNA em uma proteína, eles próprios feitos de RNA.

O professor Sávio Torres de Farias explicou que, por conta disso, acredita-se que a origem da vida reside no RNA. “Há cerca 4 bilhões de anos, o cenário era de um ‘mundo do RNA’, onde essas moléculas replicavam-se e também realizavam funções. Nesse mundo, só posteriormente surgiram o DNA e as proteínas. Mas existe uma hipótese alternativa onde as proteínas surgiram junto com o RNA, e o DNA veio depois”.

A fotossíntese, os eucariotos e o primeiro roubo de tecnologia da História

Uma vez estabelecida essa primeira forma de vida, ela logo se encapsularia e começaria a desenvolver as primeiras atividades metabólicas, surgindo as primeiras células sem núcleo – procariontes – não muito diferentes das bactérias que conhecemos hoje. Durante cerca de dois bilhões de anos esses organismos habitaram os oceanos primordiais e evoluíram.

Nesse período, um dos desenvolvimentos mais notáveis foi o surgimento da fotossíntese, pela qual algumas bactérias, chamadas cianobactérias, passaram a utilizar a luz solar para produzir energia, liberando oxigênio no processo. Conforme esse novo gás se acumulava na atmosfera, muitas bactérias não adaptadas acabaram extintas, mas algumas tinham o necessário para usar o oxigênio para gerar energia, nas primeiras formas de respiração aeróbica.

Então, por volta de 1,9 bilhões de anos atrás, surgiu um novo tipo de célula dividida em “compartimentos”, entre os quais um núcleo para o DNA. Eram as primeiras células eucarióticas. “Com isso, essas células se tornaram capazes de regular a expressão dos seus genes, criando novas formas de diversidade. Os eucariotos puderam formar organismos extremamente variáveis e complexos, o que é ótimo para a seleção natural”, explicou a professora Lucille Winter.

Uma das primeiras inovações dos eucariotos foi a absorção de bactérias fotossintetizantes e aeróbicas, as ancestrais dos plasmídeos e das mitocôndrias, respectivamente. Essas duas organelas celulares se tornaram responsáveis por realizar essas mesmas funções dentro dos seus novos hospedeiros. “Essa endossimbiose foi o primeiro caso conhecido de roubo de tecnologia”, brincou o professor Daniel Lahr.

Outra inovação foi a pluricelularidade, cujas primeiras evidências aparecem há cerca de 1,4 bilhões de anos atrás. Pela primeira vez, um único organismo passou a ser formado por mais de uma célula trabalhando em conjunto. A partir daí, o cenário estava preparado para uma verdadeira revolução da vida na Terra.

Parte do time que produziu o livro durante o 1o dia de lançamento, na Finep

A Explosão do Cambriano e a importância do registro fóssil

O pesquisador Thomas Fairchild lembrou que uma das forças da geologia é o seu poder para desvendar o tempo profundo. Algumas evidências de formas de vida primitiva são marcantes há bilhões de anos, como os estromatólitos, formações características das cianobactérias. Esses e outros tipos de microfósseis dominaram o registro geológico até cerca de 500 milhões de anos atrás, quando, no período imediatamente anterior ao que chamamos de Cambriano, uma profusão de fósseis pluricelulares começou a aparecer.

Muitos desses organismos são diferentes de tudo o que conhecemos hoje em dia, mostrando que houve uma fase de intensa “experimentação evolutiva” antes de que os grandes grupos de animais e plantas se estabelecessem. “Há toda uma diversidade de organismos que ocorrem no registro fóssil e que nos contam sobre o processo evolutivo”, explicou o paleontólogo Alexander Kellner. “Como se derrubaria a Evolução? Nas palavras do geneticista britânico John Haldane: ‘só se descobríssemos um coelho no pré-Cambriano’”, brincou.

Chegamos ao Ser Humano

A partir daí, a evolução seguiu seu rumo dando origem à biodiversidade que conhecemos hoje. Até que muito recentemente, apenas 5 milhões de anos atrás, um grupo de primatas divergiu de seu ancestral comum com os chimpanzés, passou a andar em dois pés e, após deixar um vasto número de espécies-primas para trás, se tornou o Homo sapiens, o ser humano moderno.

Apesar de ser apenas um sopro na história da vida, a evolução humana é o ponto mais sensível do debate. Mesmo Charles Darwin não teve coragem de abordá-la em seu clássico A Origem das Espécies, vindo a fazê-lo apenas em seu livro posterior, A Descendência do Homem, pelo qual foi hostilizado. O próprio Alfred Russel Wallace, que divide com Darwin o mérito de ter primeiro descrito a seleção natural, morreu sem aceitar as inferências óbvias que a teoria trazia para a nossa própria espécie.

Mas a conclusão é inescapável. Seja nos traços que compartilhamos com os outros primatas, seja no fato de compartilharmos 98,5% de DNA com os chimpanzés, as evidências científicas não deixam dúvidas. O ser humano é um animal como outro qualquer, produto de um processo de evolução por seleção natural que vem ocorrendo há 4 bilhões de anos.

Com mais de 20 palestras, os dois dias de lançamento são um prato cheio para quem quer saber mais sobre evolução, origem da vida e muito mais. Confira!