Após a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em maio deste ano, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) se juntaram em um grupo de trabalho para discutir a relação entre clima e saúde. Como parte desse grupo, foi realizada neste dia 8 de agosto, de forma híbrida, a Sessão Científica Saúde e Clima, com palestras de vários Acadêmicos.
A biomédica Helena Nader, presidente da ABC, esteve presente abertura do evento e deixou claro que é preciso unir a ciência à prática científica, lembrando que não é possível falar de saúde no Brasil sem falar de sustentabilidade ambiental e climática. Nader também sugeriu que o conteúdo das discussões seja sintetizado em publicações conjuntos das duas academias.
O psiquiatra Antonio Egidio Nardi abordou o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) na recente tragédia. A doença está relacionada à memória e tem sintomas parecidos com a ansiedade e a depressão, mas com peculiaridades, sobretudo quanto à gatilhos e flashbacks ligados ao trauma. “Além de cuidado psiquiátrico, será necessário muito suporte social para que essas pessoas retomem as suas vidas”, afirmou.
Em seguida, a médica italiana Federicana Sancassiani, especialista em terapias para reabilitação psicossocial, trouxe exemplos de tratamentos utilizando realidades virtuais e aumentadas para a recuperação cognitiva de pacientes. “Nossos estudos mostraram avanços na recuperação de funções cardiovasculares, musculares e neurológicas e no tratamento de ansiedade. Há também um interesse crescente para tratamento de esquizofrenia e demência”, afirmou.
O psiquiatra Flávio Kapczinski alertou para o fato de que crises psicóticas, hospitalizações por questões de saúde mental e tentativas de suicídio aumentam durante ondas de calor extremo. Ele alertou também que, no caso de crises humanitárias como a que ocorreu no RS, é normal que mesmo pessoas saudáveis experienciem problemas psicológicos. Para ele, nessas horas de atenção dividida, o foco prioritário da atenção deve ser àqueles que já apresentavam condições prévias.
Já o epidemiologista gaúcho Cesar Victora, trouxe um panorama da relação entre mudanças climáticas e saúde, com as diferentes formas de impacto. Ele enfatizou os efeitos indiretos, como o colapso dos sistemas de saúde, de água e de comida, como se verificou na tragédia em seu estado. Victora também fez duras críticas à ideias anticientíficas na classe médica e argumentou por um incremento nas pesquisas na interação entre clima e saúde. “Precisamos fazer mais ciência local, ter mais estatística para todas as regiões, não adianta se ater ao que é feito nos países ricos”, defendeu.
Por sua vez, o climatologista Paulo Artaxo trouxe um panorama do aquecimento do planeta nas últimas décadas, alertando para o fato de que eventos climáticos extremos ficarão 40 vezes mais frequentes e cinco vezes mais fortes. Além disso, o efeito das mudanças da temperatura já aumentaram a seca no Norte e Nordeste e as chuvas no Sul. “Nas áreas continentais já ultrapassamos os 2% de aumento, o limite de 1,5% só existe na cabeça dos diplomatas”, alertou.
O médico e biofísico Marcelo Morales criticou o fato de o Brasil não possuir ainda um plano nacional integrado para gerir o risco climático. Para ele, é urgente criar um marco regulatório que consiga orientar todo os municípios do país a como proceder. “No Brasil temos apenas a Defesa Civil, que fez um grande trabalho no RS, mas cuida apenas do durante e do depois do desastre. A Defesa Civil não foi feita para a parte de prevenção e gerenciamento de risco, precisamos de novos órgãos específicos para isso”, afirmou.
Para terminar, o médico Paulo Buss focou no conceito de Saúde Única, que concebe a saúde humana e do planeta como interligadas. Ele lembrou que a ideia está no cerne de deliberações da Organização Mundial da Saúde e enfatiza não só os riscos relacionados ao ambiente, como surgimento de novos vírus na natureza, mas os riscos da desestabilização social que as mudanças climáticas podem causar. “Ideias semelhantes já existem e existiram em diversas outras culturas e precisamos resgatar na nossa. O próprio Hipócrates, ‘o pai da medicina’, já concebia essa relação em seus princípios”, concluiu.
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