A Amazônia é uma história de mudanças climáticas e tectonismos. Espécies desapareceram e outras surgiram nessa área dinâmica em que hoje rios secam e enchem de forma mais intensa a cada ano, mas que carregam consigo a maior biodiversidade do planeta.
Ocupando todo o norte da América do Sul, com o mesmo tamanho da área continental do Estados Unidos, sua história impacta na “personalidade” dos seus habitantes. Biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia especializado em peixes, Adalberto Val relata que o pirarucu, uma espécie muito antiga, tem respiração aérea, ou seja, tem que ir à superfície respirar, pois morre afogado se ficar embaixo d’água por mais de 5 a dez minutos. “É uma espécie cujas características hoje são fruto de um longo processo evolutivo em condições dinamicamente singulares”, explicou.
Para Val, um exemplo simbólico da diversidade de cenários da Amazônia é o encontro das águas, onde o rio Negro se encontra com o Solimões. “As águas do rio Negro são quase inóspitas para a vida, por conta da acidez de suas águas e pobreza em nutrientes, mas são ricas em carbono orgânico dissolvido que caracteriza sua cor e seu nome. Já o Solimões tem o pH próximo ao neutro, que caracteriza um ambiente quase que oposto, onde abundam plantas, peixes e microorganismos.”
Embora seja especializado em peixes, Adalberto Val tem outra espécie como prioridade: a humana. “São 25 milhões de pessoas vivendo na região norte, que gera 9% do PIB brasileiro, mas tem baixo índice de desenvolvimento humano”. E a espécie humana, tanto quanto os peixes e as plantas, é afetada por desafios singulares, como a mineração e o desmatamento. “É muita pressão ambiental”, ressalta Val.
Ele explicou que o mercúrio usado na mineração contamina toda a região, porque é deslocado pelo ar e se precipita até onde não foi usado. “E ao desmatamento soma-se a uma série de outros desafios ambientais, como as mudanças do clima, causando imensa mortandade de peixes, responsáveis por 90% da proteína da alimentação da população regional. Sem eles, acaba a segurança alimentar na Amazônia”, apontou.
Com se não bastasse, atualmente há outro vilão na Amazônia: os plásticos. “Encontramos microplásticos na musculatura de inúmeras espécies de peixes, inclusive de espécies de uso corrente na alimentação”, disse Val. Ele relatou que os plásticos saem dos rios da região e formam uma correnteza no oceano Atlântico que se desloca para a costa da África e para o norte, podendo causa inúmeros problemas diplomáticos.
“As características singulares da Amazônia precisam ser consideradas per se e não com uma perspectiva de integração num cenário desenvolvimentista descolado da realidade da região” alertou Adalberto Val.
Como coordenador do INCT ADAPTA (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Adaptação da Biota Aquática da Amazônia), o time de Val coleta informações direto da mata, as transmitem para os computadores e encaminham para as salas climáticas de seu laboratório. “São quatro salas: uma sala controle, que reproduz as condições atuais, e três que simulam cenários diferentes, com baixa, moderada ou alta emissão de gases estufa, como previstos para o ano 2100 pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change)”, explicou o Acadêmico.
Entre as inúmeras observações que foram feitas, uma delas é que num cenário drástico para 2100, os tambaquis, por exemplo, não aguentarão. “Eles adquirem diversos distúrbios esqueléticos que, se estivessem na natureza, fariam com que fossem predados”. Isso faria com que as populações naturais diminuíssem, o que prejudicaria o processo de produção de alimentos”, relatou Val.
Recomendações
Os estudos de Val mostram os problemas, mas também apontam caminhos. “Diante dos novos cenários mundiais, a Amazônia é central e precisa de investimentos estratégicos e não nos padrões históricos”, alerta o pesquisador. Um caminho importante é a implantação da bioeconomia, e para alcançar esse objetivo ele lista sugestões, como o estímulo ao desenvolvimento de ciências ambientais, ecológicas e da biodiversidade com foco nas políticas públicas de proteção e uso dos biomas. À Bioeconomia devem somar-se ações para incorporação da Inteligência Artificial, da Transição Energética, dos conceitos da Saúde Única, e da Justiça Social, como previstos nas forças tarefa do S20.
Val ressalta que precisam ser desenvolvidos e apoiados programas e projetos que investiguem a importância dos biomas em prevenir e atenuar as mudanças climáticas, assim como outros de valoração e valorização dos serviços ecossistêmicos. Para o cientista, “necessitamos urgentemente de novas instituições, revigoradas com abordagens inovadoras, buscando novas soluções, com interações com as sociedades locais. precisamos de novas abordagens, em busca de novas tecnologias.”
Manter a conexão dos jovens com seus ambientes, na visão do palestrante, é fundamental. “Olhar para as gerações mais jovens da Amazônia é vital, para que os processos de conservação ambiental, inclusão social e geração de renda possam perdurar”, concluiu.
Tudo isso, ele sabe, envolve recursos de grande monta. Adalberto Val propõe a criação de fundos setoriais de financiamento da CT&I focados na conservação e uso sustentável dos biomas. “É preciso que haja um Fundo Pan-amazônico para Ciência e Tecnologia, garantindo um financiamento estável compatível com a grandeza da Pan-Amazônia e compatível com os desafios da região”, apontou o cientista.