0A sessão plenária da Reunião Magna da ABC 2024 na tarde de 8 de maio contou com o Acadêmico Renato Janine Ribeiro (USP), Teresa Ludermir (UFPE) e Naomar Monteiro (UFBA).
“Da tabuada à redação: como ficará a expressão com a IA?”
O Acadêmico Renato Janine Ribeiro é doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), onde é professor sênior de Ética e Filosofia Política. Atua na área de filosofia política, com ênfase em teoria política. Professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi ministro de Estado da Educação (2015). É pesquisador sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Sua apresentação era intitulada Ele faz uma comparação bastante pertinente: quando a calculadora se tornou portátil, veio um grande medo das crianças nunca mais aprenderem a fazer contas. “Hoje tem calculadora no celular. Alfabetização em matemática inclui fazer contas, mas não é preciso ter a tabuada na ponta da língua. Não tem mais sentido que as crianças façam cálculos. A matemática é uma linguagem, tem que aprender o raciocínio. O que as pessoas vão aprender é a interpretar dados, a fazer programação, a explorar a matemática em toda a sua utilidade”, argumentou o filósofo.
Mas e na redação? Nesse caso, a expressão pessoal é a meta. Então, o argumento de Janine se inverte. “O Chat GPT produz textos razoáveis, mas não faz nada original. Se não treinar, como escrever? Se não aprender, como criar? Como haverá expressão?”
De fato, a IA não inova. “Ela não fala sobre o que o homem faz, mas sobre o que o homem fez. [O grande matemático e cientista da computação inglês] AlanTuring disse que ‘uma máquina infalível não será inteligente’. Aprendemos de modo geral por ensaio e erro. É preciso errar para aprender. O ChatGPT não pensa, não cria nada – ainda”.
Apesar de toda essa argumentação, Janine ressalta que na nossa cultura existe o fantasma da criatura que escapa ao criador, como o monstro do Dr. Frankenstein, de Mary Shelley,o Pigmaleão de Bernard Shaw e o robô do filme de Kubrick 2001, Uma Odisseia no Espaço. “Esse é um medo que o mundo da IA pode despertar”, alerta o Acadêmico.
Como a IA e o ChatGPT podem ajudar na educação?
A Acadêmica Teresa Bernarda Ludermir é doutora pelo Colégio Imperial Imperial de Ciência, Tecnologia e Medicina da Universidade de Londres, na Grã-Bretanha. É professora titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), coordena o Instituto Nacional de Inteligência Artificial (INCT) e dirige o Centro de Pesquisa Aplicada em Inteligência Artificial para Segurança Cibernética. É membra da Academia Pernambucana de Ciências, membra sênior do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), membra da International Neural Network Society (INNS) e membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Refletindo sobre como o IA e o ChatGPT podem ajudar na educação, ela aponta que o Brasil não pode correr o risco de ser apenas um usuário de soluções de IA concebidas no exterior. “O desenvolvimento de uma IA ética e responsável para a educação é crucial para construir um futuro em que a tecnologia contribua para a democratização do conhecimento e a formação de cidadãos críticos e engajados”, apontou.
Ela explicou que o ChatGPT não é uma IA de propósito geral: é um sistema de IA gerador de textos como bom desempenho. Porém, o uso enorme de poder computacional ainda consome muita energia, não é sustentável.
Sobre as possibilidades de uso na educação, Teresa defende a IA como um parceiro do professor. “Não é substituir o professor por um programa e sim integrar o ensino de IA no currículo da educação básica e superior”, explicou.
A IA está fazendo diferença em diversas áreas na educação. A principal é a personalização do aprendizado. Com ajuda da IA, é possível de fato promover uma educação inclusiva. “Primeiro, ela pode ajudar o professor sugerindo novos métodos de ensino, melhorias do processo de avaliação e na criação de conteúdo. “Os jovens de hoje têm dificuldade de concentração, só dão atenção a pouquíssimos minutos de aulas. Os tutores propõem jogos e novas atividades, podem dar ao professor um feedback. Dão assistência na preparação de materiais didáticos, ajudam o professor”, destaca Teresa. “E no caso do aluno com dificuldade, a IA oferece tutores individuais que acompanham individualmente cada um e ele consegue evoluir. Além disso, os benefícios na gestão escolar são imensos. E dá acesso à educação de qualidade em locais distantes, onde não há professores suficientes”, complementa.
O desenvolvimento de uma IA ética e responsável para a educação é crucial para construir um futuro em que a tecnologia contribua para a democratização do conhecimento e a formação de cidadãos críticos e engajados. Mas Teresa sabe que nem tudo são flores. Os desafios da implementação da IA na educação são grandes, especialmente na formação de professores e engajamento dos alunos, assim como há questões no uso da IA com ética e responsabilidade. “A desigualdade digital, em vez de ser reduzida, pode aumentar, por conta de falta de infraestrutura e dos custos de implementação. E há pontos fundamentais, como a regulamentação e políticas públicas. Estas têm que promover a inclusão digital para não perdermos esse bonde.” Ela defende a promoção de campanhas de conscientização pública sobre os benefícios e riscos de IA.
Além destes desafios, existe a própria questão tecnológica. “Precisamos melhorar o desenvolvimento de modelos. Nem toda IA é uma IA responsável, porque precisamos de mais ciência nos modelos para reduzir o viés algorítmico, avaliar a qualidade dos dados. Dados tem erros. E precisamos saber reduzir o tamanho dos modelos”, apontou a palestrante.
E para tudo isso, evidentemente, é preciso financiamento. Primeiro. para a formação de recursos humanos qualificados em inteligência artificial. Segundo, mas ao mesmo tempo, para o aumento imediato da capacidade computacional do país. “Temos que estabelecer centros internacionais de pesquisa no Brasil, atraindo especialistas em IA e estabelecendo política para fixação de talentos, com remuneração competitiva com mercado internacional”, finalizou Teresa Ludermir.
Inteligência Artificial na Saúde: Desmitificar para Avançar
O médico Naomar Monteiro é Ph.D. em Epidemiologia e doutor honoris causa pela Universidade McGill, no Canadá. É professor aposentado do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação, Tecnologia e Equidade em Saúde (Inteq-Saúde). Também atua como professor visitante no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), onde ocupa a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, desenvolvendo estudos sobre a relação entre universidade, educação, história e sociedade. Ele desenvolve pesquisas no campo da epidemiologia de transtornos mentais, particularmente o efeito de raça, racismo, gênero e classe social sobre a saúde mental.
Naomar apresentou um mapa conceitual de 2022 do campo da saúde digital, no qual a inteligência artificial (IA) é o centro de tudo: saúde móvel, saúde eletrônica, telemedicina e telessaúde. “No mapa de 2016, a IA nem aparecia”, observou. Naomar apontou que o uso de IA em saúde tem sido mostrado como uma das aplicações positivas. “Porém, está sendo feito com pressa, sem muita reflexão. A otimização visa a lucratividade, sem dúvida, e não a equidade no atendimento.”
Sobre os desafios e perspectivas do uso pedagógico de IA na educação superior, Naomar destacou que é preciso promover transversalidades, reinventar a ideia de competência crítica e pautar a formação de formadores numa cultura digital sensível. “E superar a confusão conceitual, como a noção de letramento digital. ‘Letramento’ é uma tradução do inglês, de ‘literacy’, que significa ‘alfabetização’. Então, rigorosamente, ‘letramento digital’ é alfabetizar pessoas para programar, mas não é como o termo vem sendo usado: ele vem sendo usado como a capacidade de lidar com os dispositivos mínimos, como o celular e o laptop”.
“Promover transversalidades”, de acordo com Naomar, envolve operar em torno de eixos temáticos e vetores do conhecimento coerentes com a complexidade de organização do saber científico na atualidade. “O repertório curricular deve ser menos rígido, sem caráter obrigatório, mais inter e transdisciplinar, incorporando conhecimentos e valores relativos às humanidades, ciências sociais e artes. Para a formação de um indivíduo é fundamental buscar equilíbrio entre conhecimento e imaginação, entre efetividade e excelência, entre racionalidade e sensibilidade”, apontou.
Sobre a priorização das competências tecnológicas críticas, a educação deve envolver a compreensão de lógicas, mecanismos e efeitos das técnicas e instrumentos de práticas, a fim de possibilitar intervenções nos corpos sociais, individuais e coletivos com propriedade e qualidade. Para Naomar, o professor do século XXI deve desenvolver habilidades para aplicar tecnologias no máximo de eficácia, focando na eficiência (custo-benefício), na efetividade concreta (qualidade-equidade) e, assim, promovendo uma transformação social sustentável.
“Professores devem ser capazes de utilizar saberes, práticas e técnicas, a partir de avaliação crítica dos seus aspectos operativos, principalmente o potencial de valorizar a sensibilidade ecossocial”, explicou. Esta “sensibilidade ecossocial” envolveria, entre outros pontos, a consciência planetária, a ética e respeito à diversidade humana e aos diferentes saberes, assim como o estímulo à solidariedade e empatia.