No dia 9 de maio, durante a última tarde de sua Reunião Magna 2024, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) teve o prazer de receber a primatóloga Karen Strier, professora da Universidade de Wisconsin, EUA, e autoridade global sobre os macacos muriqui, da mata atlântica brasileira. Por conta de seu campo de estudo, a palestrante tem uma relação muito próxima com o Brasil e com a ABC. Strier também é co-presidente da Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas), ao lado de Helena Nader.

Os muriquis são os maiores primatas do Novo Mundo, podendo chegar a 70 centímetros de altura, com o mesmo tamanho de cauda. Atualmente existem duas espécies, os muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), que habitam os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; e os muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), que se espalham por Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Estes últimos são considerados os primatas em maior risco de extinção do mundo. “São espécies em alto risco porque moram na mata atlântica, onde sobrou apenas 12% de área conservada. Mas estudá-los me ensinou muito sobre resistência e resiliência, por isso sou muito otimista quanto ao futuro deles”, avaliou a palestrante.

Segundo ela, atualmente existem cerca de 15 populações desses primatas na natureza, mas a maior parte delas é muito pequena, com dezenas de indivíduos, e por isso têm pouca viabilidade de sobrevivência a longo prazo sem intervenção humana. Mas também existem entre duas a quatro populações viáveis, com centenas de macacos, e uma delas se tornou o ponto focal dos estudos de campo da pesquisadora. “Essa população está num fragmento de floresta conservada em Caratinga, Minas Gerais, onde o proprietário, o senhor Feliciano Abdala, decidiu criar um santuário de primatas. Essa é uma história que vale a pena ser contada, pois mostra o impacto que uma pessoa sozinha consegue ter”.

Uma família de muriquis-do-norte (Foto: Marcos Amend)

É lá que Karen Strier e sua equipe trabalham monitorando os animais, sempre da forma menos invasiva possível. A utilização de tags e outros aparelhos físicos de identificação foi preterida pelo monitoramento por câmeras e pela análise de fezes, fazendo com que os cientistas não precisem tocar nos animais. Esse bom relacionamento se reflete no comportamento e a maioria dos muriquis é curiosa e não tem medo de humanos. “Acabamos por nos apegar a eles, reconhecê-los como indivíduos que não são nossas cobaias, damos até nomes”, conta a pesquisadora.

Mas esse comportamento dócil também reflete a própria natureza dos muriquis, que diferentemente de outros primatas, são menos territorialistas e possessivos. Ao contrário de outros macacos, os machos não são expulsos do bando quando se tornam adultos e também não há disputas por fêmeas, com cada macaco possuindo vários parceiros. Raramente se observam brigas ou agressões entre eles. “A National Geographic certa vez os chamou de ‘macacos hippies’”, brincou Strier.

A análise contínua e não-invasiva foi o que permitiu que o grupo de Strier descrevesse esses comportamentos atípicos dos muriquis, bem como definir que a gestação dura sete meses e que os filhotes levam nove anos até chegar a idade reprodutiva. Análises genéticas posteriores possibilitaram confirmar o que já se pensava a muito tempo: os muriquis do norte e do sul constituem duas espécies distintas.

“Acho que a contribuição cientifica mais importante dos muriquis é a identificação de quais características de seu comportamento são flexíveis. Eles são muito flexíveis ecologicamente, nas dietas, na forma de socializar. Ao mesmo tempo, eles são vulneráveis a certas mudanças em seu habitat. Por exemplo, quando a população cresce demais o fragmento de floresta se torna pequeno, e observamos macacos descendo das árvores para comer restos de frutas. Observar isso é de partir o coração”, contou.

Por conta dessa fragmentação, Strier defende a importância dos corredores ecológicos conectando diferentes fragmentos, o que ajuda na proteção e na diversificação genética da população, algo fundamental para a sobrevivência a longo prazo. Além disso, avalia que as novas tecnologias de inteligência artificial – tema principal da reunião deste ano – podem dar contribuições fundamentais à conservação, sobretudo para lidar com o alto número de dados e regiões focais num país tão extenso quanto o Brasil.

Mas sobretudo, conservar espécies nativas tem a ver com vontade política. Por isso, cientistas que trabalham nessa área precisam ser ativos no debate público mais do que qualquer outro, para que suas demandas não caiam no esquecimento. “É um trabalho sobre resiliência, persistência, otimismo e esperança. Mas também sobre a responsabilidade que precisamos ter para com estes animais”, concluiu.