Leia o artigo de opinião publicado no jornal O Globo, no dia 5 de março, de autoria da presidente da ABC, Helena B. Nader, professora titular da Unifesp:

Embora ainda exista um longo caminho a percorrer até alcançarmos a plena paridade de gênero nos campos da educação e da produção científica brasileira, especialmente quando falamos de cargos de liderança, podemos considerar que temos evoluído nos últimos anos, ao menos em termos quantitativos.

No relatório Global Gender Gap, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em julho do ano passado, o Brasil, com outros 28 países, ganhou nota máxima no pilar Educação, que leva em consideração exclusivamente os dados de taxa de alfabetização e de número de matrículas nos três níveis educacionais.

Em relação à produção científica, o Brasil também vem se destacando positivamente nos levantamentos realizados pela empresa editorial Elsevier em 2017 e 2020. No estudo publicado há seis anos, já éramos referência de país que havia alcançado um bom nível de paridade, uma vez que 49% dos pesquisadores eram mulheres. O relatório mais recente mostra ainda que o Brasil passou a ter muito mais autoras em seu ambiente acadêmico. No início do século, havia pouco mais de 50 autoras de artigo científico para cada cem autores homens. No final da década passada, essa proporção ficou mais equilibrada, com 80 autoras para cada cem do sexo masculino.

O avanço desses grandes números é relevante, mas precisa ser analisado com lupa, principalmente do ponto de vista qualitativo. Quando isso é feito, constatamos que os desafios ainda são imensos.

Apesar de certa paridade quantitativa, vemos que a presença feminina se torna mais escassa à medida que se sobem os degraus da carreira científica. Dados recentes mostram que, embora as mulheres recebam a maior parte das bolsas de mestrado e doutorado da Capes, elas ficam com apenas 35% das bolsas de produtividade, atribuídas a pesquisadores no topo da carreira.

Salta aos olhos, ainda, o impacto que a covid-19 teve especificamente nas pesquisadoras. Um artigo publicado no Nature Index aponta um nítido declínio da produção feminina no auge da pandemia. Entre as economistas, já em março de 2020 houve queda de 12% na quantidade de artigos e relatórios submetidos. Em abril, a queda foi ainda maior, de 20%. Essa e outras estatísticas levantadas pelo estudo sugerem que as mulheres acadêmicas estão bem mais propensas a enfrentar intensificação das responsabilidades domésticas quando confinadas ao lar — o que acontece, claro, em prejuízo de seu trabalho científico.

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Apesar de termos conseguido pontuação máxima nos níveis de paridade na educação medidos pelo Fórum Econômico Mundial, amargamos a 94ª colocação entre 146 países no ranking geral de paridade de gênero da organização. E, contrariamente a outros vizinhos, como Guiana, Chile e Peru, que melhoraram sua pontuação de um ano para o outro, praticamente estacionamos. No mercado de trabalho, a falta de mulheres em posições de liderança é ainda mais acentuada que na esfera científica. Das 90 empresas de capital aberto que compõem o Ibovespa, apenas duas têm uma mulher na presidência.

Todos esses gargalos de representação feminina e de atuação das mulheres na sociedade precisam ser monitorados e divulgados, sem deixarmos de lutar pelas questões básicas e mais urgentes, tocantes ao próprio direito à vida. No primeiro semestre do ano passado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou o maior número de feminicídios desde 2019: 699 casos entre janeiro e junho, uma média de quatro mulheres mortas por dia.

Só um trabalho conjunto de toda a sociedade possibilitará que passemos da estagnação ao progresso, rumo à plena inclusão das mulheres. O empoderamento feminino passa de maneira primordial pela transformação na educação dos meninos e homens. Isso significa uma mudança principalmente qualitativa na educação, entendida não só do ponto de vista escolar, como também familiar. Em casa e na sala de aula, a tônica precisa ser cada vez mais a igualdade de direitos, notadamente à vida, e de potencial de desenvolvimento intelectual.

Leia a coluna em O Globo.