No dia 1º de dezembro, 5ª feira, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu o Simpósio e Diplomação dos Membros Afiliados da ABC da Regional Norte, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, no estado do Amazonas.

Na ocasião, os membros afiliados eleitos pela Vice-Presidência Regional Norte da ABC, liderada pelo Acadêmico Adalberto Val, apresentaram suas linhas de pesquisa e foram diplomados.

Veja a matéria sobre a cerimônia e conheça os novos afiliados:
INPA recebe evento dos membros afiliados da ABC 2022-26 da região Norte

Conferência temática: “O inútil desmatamento da Amazônia Legal”

O Acadêmico Niro Higuchi, pesquisador do INPA, fez a primeira conferência temática do evento. Ele apresentou dados oficiais sobre o desmatamento anual desde 1988, o desmatamento acumulado até 1977 e o desmatamento médio anual do período de 1978-1988.

“O desmatamento da Amazônia começou com a descoberta do Brasil, mas se intensificou especialmente nos anos 60, quando cresceu o desenvolvimento da região”, relatou, citando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) como fonte.

A relação entre o desmatamento e o desenvolvimento do Brasil a Amazônia legal contribuiu com 8% do PIB brasileiro, de acordo com Higuchi, que é engenheiro florestal. “Desmatou-se muito, mas contribuiu-se pouco para riqueza do país. O IDH da Amazónia legal é inferior à média nacional, que já é baixo. Mas vem contribuindo muito com a emissão de CO2. Para que serviu esse desmatamento então?”, inquiriu o palestrante. 

O pesquisador acha meio sem sentido associar o desmatamento na Amazônia Legal com o aumento da temperatura média de superfície da Terra. “Não é isso que está acontecendo, mas a grande mídia insiste nessa perspectiva”. Ele afirma que o foco da atenção deve ser a perda de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos causados pelo desmatamento. “A floresta amazônica poderá, inclusive, ser vítima das emissões globais de GEEs”, alertou.

Para Higuchi, o desmatamento está relacionado ao aumento de temperatura e às mudanças climáticas, mas contribui apenas em 2% para esta última. “Então os 98% é que estão causando o desequilíbrio climático da região amazônica. Acho que estamos focando no meliante errado: eleger o desmatamento na Amazônia como o principal vilão do aumento de emissões de gases de efeito estufa [GEEs] não é inteligente”, ressaltou o Acadêmico.

Higuchi não concorda com as previsões que dizem que em 20 ou 30 anos a Amazônia vai acabar, que chegamos a um tipping point e traduzem essa expressão como ‘ponto de não retorno’. “A meu ver, é de fato um ponto de inflexão que, como tal, pode ser mudado para cima ou para baixo. Não concordo com a cortina de fumaça que considera essa a única possibilidade. Precisa haver mais interação entre a comunidade científica que estuda o tema.”

Desmatamento e degradação florestal na Amazônia: causas, impactos medidas urgentes

Já o Acadêmico Philip Fearnside, também pesquisador do INPA, abordou em sua conferência temática a explosão de queimadas e desmatamento na região de fronteira entre Amazonas, Acre e Rondônia, chamada de AMCARO. “A situação é, sim, trágica. Se perde biodiversidade, água e o estoque de carbono, o que leva ao aquecimento global. No início as queimadas eram apenas na franja da floresta o início, mas agora estão entrando na floresta. Os serviços ecossistêmicos são muito afetados”, ressaltou o pesquisador.

O biólogo relembra o verão de 2014, em que São Paulo ficou sem água, numa seca que afetou todo o sudeste brasileiro. “Esta ocorrência evidenciou a importância de manter a floresta amazônica em pé, porque ela é que leva água às outras regiões, transportada pelos ventos. Da água que cai na floresta, metade percola no solo e metade é reciclada. Quando as árvores, que são feitas de carbono, queimam, está se liberando os gases efeito estufa; quando a árvore está caída, a ação do sol libera o carbono no solo”, explicou.

Essa ação do sol sobre as árvores caídas é facilitada pela exploração madeireira. “Elas deixam os resíduos em foram de árvores abandonadas e assim ocorrem muitos incêndios florestais”, relatou. O pesquisador mostrou que há terras que não foram desmatadas propositalmente. “Mas os incêndios decorrentes da exploração madeireira acabam com a floresta. Como não é proposital, parece que não é responsabilidade de ninguém”, salientou Fearnside.

Nilmar Lage, 30/08/2022 | Greenpeace

Para evitar esses incêndios “acidentais”, é preciso criar áreas protegidas e preservar as terras indígenas, de acordo com o Acadêmico. E a dúvida sobre o impacto isso tem nas mudanças climáticas globais continua, dado que foi calculado por Higuchi em 1% e Fearnside discorda, acha que o número é maior. “De todo modo, é muito importante controlar esse cenário da redução do estoque de carbono”, destacou.

Leia os artigos de Philip Fearnside sobre o tema no site Amazônia Real.

Conferência temática: O impacto do meio ambiente sobre as doenças infecciosas

O infectologista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda é médico da Fundação de Medicina Tropical Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), especialista em saúde pública do Instituto Leônidas & Maria Deane (Fiocruz-Amazonas), professor do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e professor adjunto da University of Texas Medical Branch (UTMB). Ele foi membro afiliado da ABC entre 2012 e 2016.

Para abordar a dinâmica das doenças infecciosas no Brasil e os cenários de transmissão, Lacerda começou sua conferência explicando que o ser humano convive com os microrganismos em relativa paz, quando não há um desequilíbrio. “O meio ambiente degradado por nós é um desses desequilíbrios que traz doenças”, apontou.

Doenças são causadas pela combinação de vários aspectos: ambiente, microrganismos, humanos e outros hospedeiros, como marsupiais, aves, primatas etc. “Quando mexemos em algum desses elementos e provocamos um excesso de interação indesejável, surgem as doenças”, relatou. Lacerda lembrou que, para se fixar, o homem procura as áreas em que há mais alimento, próximas ao mar e a rios, onde há maior biodiversidade. “A prática da agricultura faz com que se junte água para manter as plantações, o que provoca superpopulação de caramujos e mosquitos, que trazem doenças infecciosas. Apenas mexendo nos biomas, produzimos doenças.”

Os países mais pobres, tropicais, produzem commodities, como soja, cacau e dendê, para os países ricos. “Assim que se estabelecem as plantações, há uma intensa produção de malária nessas regiões”, explicou Lacerda, apontando que, com o passar do tempo, a frequência da doença se reduz. A combinação do mercado estimula essa situação. “Compramos chocolate caro da Suíça que foi feito com o cacau dos países pobres. Porém, nunca houve prioridade pra que os agricultores dos países explorados tenham acesso à saúde integral. Vacinas usadas em viajantes, por exemplo, deveriam ser aplicadas com prioridade nos habitantes locais” defendeu Lacerda.

No entanto, não é só em regiões agrícolas que as doenças ocorrem. Áreas desmatadas para garimpo, criação de peixes e turismo, na beira dos igarapés, também. Nesse último caso, como são regiões desmatadas, os animais desaparecem. “Na falta dos animais de sangue quente que fornecem alimento para os mosquitos, os banhistas passam a ser a fonte e se contaminam”, esclareceu.

Apresentação Marcus Lacerda / Fiocruz Amazônia

E as ações necessárias para proteção dessas populações de agricultores nem sempre são caras nem difíceis de executar. Para combater o vetor principal da Amazônia, os mosquitos do gênero Anopheles, jogar veneno nas paredes é eficaz. “Para se alimentar, a fêmea desse mosquito costuma sugar 40 vezes seu peso em sangue”, contou Lacerda. “Aí ela fica muito pesada e, para conseguir voar, vai para as paredes urinar o plasma do sangue. Nesse momento, o veneno na parede entra em ação e acaba com a cadeia reprodutiva do mosquito”, explicou o médico.

Além do veneno, o uso de mosquiteiros é eficaz e extremamente necessário. “Mas a adaptação é difícil para a população, porque as regiões onde ocorrem as doenças são quentes e o mosquiteiro abafa ainda mais e aumenta a temperatura em dois ou três graus”, lamentou Lacerda. A chegada de eletricidade ao interior também foi um fator negativo para o crescimento da malária. “Os hábitos mudaram. As pessoas passaram a ver televisão e dormir mais tarde, ficando fora do mosquiteiro no horário de maior pico de contaminação, o início da noite”.

A distribuição de mosquiteiros não garante seu uso adequado. Em áreas de garimpo ilegal, segundo Lacerda, muitas vezes os mosquiteiros são usados como rede de pesca e  não há o trabalho de identificação e tratamento de malária. “É muito difícil o acesso. É no início do processo de desmatamento que a malária cresce. Quando se sabe do processo de desmatamento há como prevenir a contaminação”, relatou o médico.

Além da malária, a região Norte também concentra os maiores números da doença de Chagas, que é causada pelo mosquito barbeiro, como descobriu Carlos Chagas, em 1909. Lacerda contou que as residências em adobe, cheias de frestas, eram foco dos barbeiros. Então, mudar a forma de se construir casas resolveu o problema na época, na região. “Hoje ela está endêmica na região Norte, especialmente nas áreas de produção de piaçava”, informou.

A produção de açaí também atrai barbeiros, que algumas vezes caem nas bacias de trituração do açaí ou no liquidificador. “Testamos vários lotes comercializados de açaí e identificamos o Tripanossoma Cruzi, que é contaminante até nessa situação. Foi a forma de transmissão oral de doença de Chagas na Amazônia, assim como o caldo de cana, pois o lugar onde se armazena a cana atrai os barbeiros, no momento de moer a cana o barbeiro vai junto e o caldo fica contaminado com o Tripanossama Cruzi.”

Reconstruir: transitivo e coletivo

Adalberto Val também fez uma das conferências temáticas do evento. O vice-presidente da ABC para a região Norte apontou que é preciso pensar a Amazônia não só na forma mais básica, mas também de forma filosófica. Nesse sentido, referiu-se às seis propostas para o próximo milênio de Ítalo Calvino: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência.

“É preciso tratar com leveza a realidade difícil dos tempos em curso; agir com rapidez, como no caso das vacinas desenvolvidas em um ano para enfrentar a covid-19; abordar os temas com precisão, o que é o norte da ciência, mas que está sendo extremamente dificultado por conta das notícias falsas; investir em visibilidade, como nesse momento em que precisamos de informação decodificada para colocar a ciência no colo da sociedade; multiplicidade, o que mais há na Amazônia, mas que requer uma inserção mais forte do homem no contexto; e consistência, que envolve no momento construir políticas públicas baseadas em ciência de qualidade.”

Falando sobre o que vivenciou na 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), realizada na cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito, entre os dias 6 e 18 de novembro último, Val ressaltou que a presença brasileira nos temas internacionais do meio ambiente foi resgatada. “Nosso país voltou a ser protagonista no tema”, afirmou.

No entanto, as soluções para os problemas climáticos requerem mudanças de costumes em todo o mundo. “A evolução dos processos é muito pequena e foi muito cobrado dos países ricos o cumprimento das promessas feitas nas COPs anteriores, pois os recursos prometidos na COP26, por exemplo, nunca chegaram aos países em desenvolvimento”, apontou.  Adalberto Val ressaltou a questão da justiça climática. “Muitas sociedades desses países já vivem no limite ambiental, não é a eles que temos que pedir nada, e sim aos países que contribuem mais, de forma negativa, com as mudanças climáticas.” 

No Brasil, Val ressaltou a necessidade de uma coalizão amazônica, com interlocução efetiva com todos os países amazônicos. “Nesse aspecto, a COP27 foi muito útil, pois houve muita conversa no sentido de desenharmos ações que atinjam todo o bioma amazônico”. Outro aspecto que o vice-presidente da ABC destacou foi a relação da ciência contemporânea com os conhecimentos dos povos originários. “Eles não competem, pelo contrário, se completam, interagem. Precisamos criar espaços para isso, confio na criação do Ministério dos Povos Originários”.

Além desse tema, Val referiu-se ao problema da fuga de cérebros que atingiu a ciência brasileira nos anos recentes. “No próximo governo precisamos criar condições para atrair de volta os profissionais qualificados que foram para outros países por conta da falta de oportunidades aqui”, ressaltou. Finalizando, o biólogo pontuou que reconstruir é um verbo transitivo – um país, uma região e uma sociedade. “O norteador deve ser a liberdade com responsabilidade”, apontou. Porém, Val destacou que reconstruir é também um verbo coletivo, “no sentido de atuar junto ao conjunto da sociedade para que todos vivam com as condições básicas de dignidade que todo ser humano deve ter por direito.”