Um trecho do documentário de Jorge Bodanzky mostra Alessandra Munduruku, em manifestação no Congresso Nacional, afirmando que “as pessoas têm que saber o que está acontecendo e é por isso que a gente não para de lutar. Vocês estão matando os nossos filhos”.
“Todos nós já sabemos da questão da contaminação do mercúrio na bacia amazônica, mas eu não fazia a menor ideia da dimensão e do desastre irreversível que é. O mercúrio ataca o sistema neurológico, também passa pela placenta e os bebês já nascem com alto índice de contaminação. O mercúrio a gente não vê, não cheira. Ele também demora a aparecer. Às vezes a pessoa mora há 30 anos no local, está contaminada, mas isso não é visível”, disse Bodanzky.
A fala do diretor é confirmada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no documento “Contaminação por mercúrio – Por que precisamos de um plano de ação?”, publicado no dia 11 de outubro de 2022.
Os cientistas explicam que o mercúrio é tóxico por conta de sua alta afinidade com compostos de enxofre presentes em proteínas e em muitas enzimas essenciais para o metabolismo das células humanas. Quando o metal se liga a enzimas e outras proteínas, elas são inativadas de forma irreversível, o que pode gerar graves complicações clínicas, como vertigens, tremores e danos aos pulmões e ao cérebro.
O estudo faz um diagnóstico das emissões do metal no país e lista oito recomendações para lidar com esse desafio, iniciando um debate sobre a gestão do metal no Brasil. Para a ABC, o combate à contaminação por mercúrio deve ser encarado como um desafio nacional que deve mobilizar todos os níveis governamentais, o setor privado e as organizações sociais.
“A contaminação por Mercúrio representa uma grave ameaça a todo o ecossistema do nosso país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste”, alerta o professor Jailson Bittencourt de Andrade, vice-presidente da ABC e coordenador do estudo.
Mercúrio e ouro
O Grupo de Trabalho que realizou o estudo aponta que, apesar de várias localidades brasileiras serem afetadas pela contaminação, o mercúrio está fortemente associado ao garimpo ilegal e ao uso do metal para extração do ouro. É a atividade que mais contribui para as emissões de mercúrio no país.
A técnica usada particularmente na extração ilegal faz com que o ouro e o mercúrio se fundam em um amálgama, para que o metal precioso possa ser extraído de rochas e areia. Depois, o amálgama é aquecido, fazendo o mercúrio evaporar e passar a circular na atmosfera.
Exposição humana
“O mercúrio é um legado da irresponsabilidade no trato do meio ambiente que vai ainda assombrar a humanidade por gerações”, ressalta Luiz Drude de Lacerda, Membro Titular da ABC e integrante do Grupo de Trabalho.
O grupo observa, no entanto, que muitos problemas de contaminação ambiental por mercúrio são devidos não apenas ao aumento das emissões, mas também à tendência de maior concentração do metal em peixes, humanos e outros organismos, observada ao longo dos últimos 20 anos. O fenômeno é atribuído à alteração do uso do solo, particularmente na conversão de florestas para extração de madeira e para a agropecuária.
A exposição humana ao mercúrio se dá principalmente pela ingestão de pescados. Assim, os riscos à saúde são ainda maiores em populações ribeirinhas da Amazônia e em pescadores artesanais do litoral brasileiro. O Grupo de Trabalho da ABC recomenda que sejam subsidiadas medidas para melhorar a segurança alimentar dessas populações, com um esforço continuado de monitoramento da contaminação de peixes e outros produtos da aquicultura.
O grupo defende que o Brasil volte a ser participante ativo na Convenção de Minamata, que traz uma série de medidas de controle sobre o uso do mercúrio em todo o mundo. O tratado internacional foi firmado em 2013 e tem por objetivo proteger o meio ambiente dos efeitos adversos do metal. O texto ressalta que o Brasil chegou a sediar a Conferência sobre Mercúrio como Contaminante Global, em 1999, mas que as iniciativas do país no âmbito multilateral vêm se reduzindo drasticamente nos últimos anos.
Outras sugestões presentes no documento são a atualização dos inventários de emissões de mercúrio, a substituição de produtos que contêm o metal por alternativas e ainda o desenvolvimento e a implementação de tecnologias voltadas à redução de emissões de fontes incidentais de mercúrio. Por fim, a ABC se compromete a realizar reuniões regionais, nacionais e internacionais, identificando gargalos e propondo mais soluções.
Invasão de Terras Indígenas
Dados do MapBiomas mostram que a área de garimpo no Brasil passou de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021 e que, no mesmo período, o avanço do garimpo sobre as terras indígenas foi de 632%. As informações dos pesquisadores revelam ainda que essa expansão tem endereço certo: o Bioma Amazônico.
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a que a área ocupada até 2010 encontrava-se abaixo de 20 mil hectares. Em 2021, já eram quase 60 mil hectares. Desse total, quase dois terços ficam na APA do Tapajós, onde o garimpo já ocupa 43.266 hectares. Em segundo lugar vem a Flona do Amanã, com 5.400 hectares, seguida pela Flona do Crepori (1.686 hectares), a Parna do Rio Novo (1.637 hectares) e a Flona do Jamari (1.191 hectares).