Filho do meio de um comerciante e uma professora, José Rafael Bordin nasceu em 1985, na cidade interiorana de Cerro Largo, na região das Missões, no estado do Rio Grande do Sul. Quando José Rafael tinha dez anos, sua família mudou-se para acompanhar o filho mais velho, aprovado para cursar odontologia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A mudança também visava dar mais oportunidades para os filhos mais novos – além de uma universidade federal, Pelotas contava também com duas escolas técnicas federais. O investimento deu certo: seguindo os passos do irmão mais velho, tanto José Rafael quanto o irmão caçula ingressaram na UFPel: o primeiro para física e o segundo para odontologia.

A vivência na nova cidade afetou também os hábitos de José Rafael, que havia passado os primeiros anos de vida jogando futebol no meio da rua e descendo lombadas de carrinho de rolimã. Como uma “criança de cidade maior” e morando no centro, suas principais fontes de entretenimento passaram a ser a TV, videogame, RPG e quadrinhos – “ou seja, virei nerdão”, relata Bordin, com bom humor.

Desde menino, José Rafael tinha curiosidade por entender como as coisas funcionam. Não do tipo que abria os aparelhos pra entender o que tinha dentro, como muitos pequenos cientistas, mas sim lendo e assistindo a conteúdos científicos. Diz que uma de suas grandes influências foi a série educativa estadunidense “O Mundo de Beakman” (“Beakman’s World”, 1992-98). “Essa série foi o primeiro contato que tive com alguém explicando as coisas de verdade, tentando entender e explicar porque usamos sabão para limpeza ou porque a Terra gira. Para mim, que estava saindo de uma escola no interior onde aprendi o criacionismo, ver isso lá pelos dez ou onze anos de idade foi algo meio que revolucionário”, lembra o Acadêmico. “Conceitos que vi pela primeira vez na série, como átomos e moléculas, começaram a me intrigar. Lembro de comprar revistas sobre ciência junto com os quadrinhos. Depois assisti “Cosmos” [série documental de 1980], li [Carl] Sagan e [Stephen] Hawking e outros livros de cientistas que se dedicavam a fazer divulgação científica. Isso mostra a importância dessa prática para atrairmos jovens para as carreiras científicas”, destacou Bordin.

Embora tenha se formado em física e seja apaixonado pela ciência, o curso nem sempre foi a primeira opção do Acadêmico. Influenciado pelo convívio com os animais no sítio do pai em Cerro Largo, Bordin almejava tornar-se veterinário. Chegou, inclusive, a iniciar o ensino médio integrado com o curso técnico em agropecuária no Instituto Federal Sul Rio-Grandense. Porém, ainda na metade do curso técnico, descobriu que não era aquilo que queria. Não que seu interesse em ciência tivesse diminuído, pelo contrário. “Meu interesse até aumentou, devido ao meu ‘lado nerdão’, mas havia a questão de que eu não queria correr o risco de ter que fazer uma inseminação artificial em uma vaca”, diverte-se o Acadêmico.

Inspirado na mãe, ele optou por ser professor de ciências. Contudo, não conseguia decidir entre química ou física, suas duas disciplinas preferidas do ensino básico: “Então, aos 16 anos decidi o meu futuro na ‘cara ou coroa’”, confessou Bordin. “Deu coroa, e assim fiz o vestibular pra física.” Ele diz que um dos motivos para ter escolhido a carreira científica foi o fato de a ciência ser guiada pela curiosidade e pelo questionamento. “Isso me motiva a seguir pesquisando, seguir questionando e buscando respostas que ainda não temos”, refletiu o Acadêmico. “A física me permite compreender e descrever fenômenos extremamente complexos a partir de modelos relativamente simples”, completou.

Durante a graduação, o Acadêmico acabou se envolvendo em um projeto chamado Desafio, onde alunos das licenciaturas da UFPel davam aulas em um curso preparatório para o vestibular/Enem para estudantes de baixa renda. Somente no último ano do curso, ele decidiu buscar uma iniciação científica (IC) voluntária, já visando o mestrado em física. Acabou escolhendo a modelagem molecular por conta da afinidade com computadores e física computacional.

Bordin concluiu sua graduação em 2006 e, na mesma instituição, cursou o mestrado (2010). Finalizou o doutorado em 2013, também em física, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com estágio sanduíche no Institute for Computational Physics, na Universidade de Stuttgart, na Alemanha. Entre 2013 e 2018, foi professor na Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Atualmente, é professor adjunto de física e docente permanente do programa de pós-graduação em física da UFPel.

Em seu laboratório, Bordin utiliza modelagem molecular para entender como o movimento e a organização estão relacionados em um sistema com competições. Nestes sistemas, pelo menos duas características brigam para dominar o comportamento geral. Partindo dessa ideia simples, ele estuda as propriedades de sistemas da chamada matéria mole, que estão na interface entre química, física e biologia – algo que se relaciona com o fato de não ter conseguido escolher entre as duas primeiras disciplinas para a sua graduação. Entre seus objetos de pesquisa está o uso de soluções aquosas e novos nanomateriais para descontaminação da água, visando compreender o comportamento básico da água e de misturas.

O que mais o diverte em sua área é a possibilidade de transcender a barreira da física e trabalhar também com sistemas químicos e biológicos. “Isso me permite compreender e descrever a matéria mole a partir de modelos computacionais, além de utilizar a ciência básica para achar soluções de problemas que vão desde o desenvolvimento de materiais visando purificar a água até o comportamento de células cancerígenas na metástase.”

A maior parte do tempo do Acadêmico fora da ciência é dedicado aos verdadeiros donos da sua casa: seus seis gatos. “Quando eles permitem, posso tirar um tempo pros meus outros interesses”, brinca o Acadêmico. Entre suas paixões, está a música – ele é um colecionador de discos de vinil – e tatuagens – ao todo, Bordin possui mais de 20, o que faz com que, muitas vezes, pensem que ele é tatuador. “Na verdade, nunca perguntaram se sou cientista, afinal não me encaixo no estereótipo clássico”, comenta o pesquisador de 37 anos. Como um bom nerd, o Acadêmico é um grande fã de livros de fantasia medieval – as obras de J. R. R. Tolkien são, inclusive, inspirações para suas tatuagens – e de ficção científica. Para relaxar, Bordin conta que gosta de inovar na cozinha, e segue tentando se aperfeiçoar como churrasqueiro.

Do ponto de vista pessoal do cientista, ser membro afiliado da ABC é uma grande alegria, que prova o reconhecimento de sua trajetória desenvolvida no extremo sul do país, em uma instituição jovem como a Unipampa e depois na UFPel. “A possibilidade de efetivamente lutar pela ciência brasileira, atuando junto à ABC, vai ao encontro da minha decisão de permanecer no Brasil e trabalhar duro para promover o avanço científico e tecnológico que nosso país precisa, além de contribuir para a educação científica – que se faz mais necessária que nunca”, arremata Bordin.