Quantas coisas nos influenciam na hora de escolher uma carreira? E quantas histórias conhecemos de pessoas que escolhem uma área por um motivo, mas se apaixonam por ela por uma razão completamente diferente? A representação do cientista na ficção é, na maioria das vezes, romântica, mas quem consegue viver sem um pouco de arte para colorir a realidade? 

Foi assim com a bioquímica Taícia Pacheco Fill, nascida no ano de 1983. A paulistana conta que, embora brincasse de professora na infância, o que a levou a cursar química e se tornar docente foi outra paixão: as séries policiais. Nesses programas, sempre existe uma personagem cientista que é crucial para a resolução dos casos. Seja na identificação de um assassino por DNA ou na análise de resíduos de pólvora da arma do crime, a figura do químico forense se faz presente com grande destaque. E foi exatamente essa a carreira que Taícia imaginou para si quando escolheu uma faculdade. 

Com apenas 18 anos, Taicia saiu da casa dos pais em São Paulo e se mudou para São Carlos, onde cursou química na Universidade Federal de São  Carlos (UFSCar), que descreve como “maravilhosa, acolhedora e gentil”. A mudança de vida foi brusca, mas ela não era a única nessa situação. Muitos outros estudantes vinham de fora e acabaram formando “uma enorme família”, que resultou em amizades para o resto da vida. 

Com exceção de um período de doutorado-sanduíche na Universidade de Cambridge, Inglaterra, Taicia trilhou toda sua vida acadêmica na UFSCar. No segundo ano de graduação ingressou no laboratório do professor Edson Rodrigues Filho, a quem considera um mestre. “Através do entusiasmo e do olhar dele, acabei me apaixonando pelo meu projeto de iniciação científica, e foi muito natural seguir para a pós-graduação”. Outra figura importante na carreira foi o professor Peter Leadlay, que a orientou em Cambridge. “Um dos cientistas mais brilhantes que já conheci, além de muito humilde e respeitoso”, contou. 

Se a química forense a motivou na escolha de curso, foi o estudo de microorganismos que despertou de vez sua vocação científica. “A primeira vez que olhei num microscópio, me apaixonei”, lembrou. Logo descobriu que sua motivação não eram crimes, mas uma sede pela descoberta e a possibilidade de contribuir com a sociedade. “O universo microscópico é apaixonante e produz inúmeras moléculas importantes para nós. Poucos se lembram, mas o primeiro antibiótico, a penicilina, é produzido por um fungo e salvou milhares de vidas”, explicou. 

Mas nem só de ajudar os seres humanos vivem os fungos: muitos também são responsáveis por perdas consideráveis nas lavouras. A forma usual de combatê-los ainda é com fungicidas, que podem fazer muito mal para a saúde humana e para o meio ambiente. Taicia Fill diz que é aí que entra seu grupo de pesquisas do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Tentamos compreender os mecanismos químicos e bioquímicos da doença causada pelo fungo. Uma vez que entendemos quais as armas utilizadas no ataque à planta, podemos desenvolver estratégias específicas para desarmar estes microrganismos e controlar estas doenças de outras formas”, explica Taícia. Sua pesquisa é financiada pela Fapesp, Fundação Alexander von Humboldt e Instituto Serrapilheira (grantee 2020),

E seu trabalho vem sendo reconhecido seguidamente. Em 2019, foi a vencedora na categoria Ciências Químicas do prêmio Para Mulheres na Ciência concedido pela L’Oréal-ABC-Unesco. Em 2020, foi professora visitante no Instituto Leibniz de Pesquisa em Produtos Naturais e Biologia Infecciosa do Hans Knöll Institute (HKI), na Alemanha, onde havia feito um estágio de pós-doutorado em 2017, também sob supervisão do Prof. Dr Christian Hertweck. 

Quanto ao título de membro afiliado da Academia Brasileira de Ciência, Taícia Fill se diz muito honrada. “Acredito que este reconhecimento trará visibilidade, credibilidade aos nossos trabalhos e sou muito grata pela oportunidade”. Também destacou o fato de ser mais uma mulher cientista ganhando espaço na Academia, pauta com que pretende colaborar com aABC, na questão da igualdade de gênero na ciência. “O que me deixa mais feliz é inspirar jovens cientistas na área da química”, finalizou.