Leia o artigo escrito pelos representantes do Painel Científico para a Amazônia (SPA) Mercedes Bustamante, Carlos Nobre e Emma Torres. Texto foi publicado originalmente pelo Nexo Políticas Públicas e Agência Bori.
Em agosto de 2019, queimadas criminosas e organizadas devastaram uma área significativa da Amazônia. A poluição atmosférica gerada viajou o Brasil e atingiu o Sudeste. Em São Paulo, a poluição das queimadas, em associação com uma frente fria, transformou o dia em noite.
Naquele ano, a partir da comoção provocada pelo avanço das ações predatórias na maior floresta tropical do globo, cientistas trabalhando na região se reuniram sob os auspícios da SDSN (Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas na sigla em inglês), e formaram o Painel Científico para a Amazônia. A tarefa era produzir a mais completa síntese do conhecimento científico sobre a Amazônia incluindo aspectos antropológicos, culturais, socioeconômicos, ecológicos e ambientais para então indicar potenciais soluções para a crise socioambiental que se agrava rapidamente na região com impactos negativos sobre a estabilidade climática, a biodiversidade e o bem-estar humano.
Mesmo diante da pandemia de covid-19 ao longo de 2020 e 2021 e que tão seriamente atingiu a região amazônica, mais de 240 cientistas – 65% dos países amazônicos e 42% mulheres – trabalharam à distância espalhados por diferentes países, fusos horários, idiomas e especialidades para construir o primeiro relatório do Painel. Em comum, a motivação ferrenha e o senso de urgência para indicar ações para conservar os mais de 50 ecossistemas terrestres e aquáticos da região e seus povos (350-400 grupos indígenas além de comunidades quilombolas, ribeirinhas, entre outras) e promover sua resiliência frente às mudanças ambientais que podem comprometer definitivamente a floresta como hoje a conhecemos e tornar ainda mais grave a emergência climática que o planeta atravessa.
Lançado durante a COP (Conferência das Partes) da Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima em Glasgow em novembro de 2021, o relatório apresentou quatro recomendações chave para tomadores de decisão imbuídos de responsabilidade e grandeza para mudar a trajetória de desmatamento e degradação manifesta em todos os países amazônicos: (1) moratória imediata sobre desmatamento e degradação em áreas próximas de atingir um ponto de não retorno 1 no sul da Amazônia; (2) eliminar o desmatamento, degradação e incêndios na bacia até 2030; (3) restauração de ecossistemas aquáticos e terrestres; e (4) promoção de uma bioeconomia de “saudáveis florestas em pé e rios fluindo” baseada em ciência, tecnologia, inovação e conhecimentos Indígenas e de comunidades locais.
Equidade, ética e justiça moral são centrais na correção de rumos em um processo colaborativo de desenho de alternativas inovadoras e viáveis para a região. Políticas justas e inclusivas são mais facilmente implementadas e aceitas pela sociedade.
Em 2022, comemoramos os 200 anos da independência do Brasil. Mesmo entrando em meados do século 21, perpetuam-se na Bacia Amazônica ciclos de exploração predatória de seus ecossistemas assentados na visão colonial de que a floresta deveria suprir bens e serviços às custas de sua própria manutenção e do bem-estar de seus povos. O que a ciência destaca, em consonância com o conhecimento de povos originários da região, é que a conservação dos ambientes terrestres e aquáticos é que será o pilar do desenvolvimento humano e econômico sustentável da Amazônia, mantendo concomitantemente significativos processos do funcionamento do planeta. Adicionalmente, hoje, temos também clareza de que, se a floresta influencia processos ecológicos e econômicos além de suas fronteiras, as mudanças globais representam um risco crescente que atua em sinergia com as mudanças locais, acelerando a degradação e a perda de resiliência de seus ecossistemas.
Mudanças recentes na política sul-americana começam a indicar a possibilidade de novos arranjos para um trabalho conjunto na Pan-Amazônia. O Brasil, como detentor de aproximadamente 60% da floresta Amazônica, é um ator vital e deve retomar seu papel como catalisador da transformação sustentável necessária. É por isso que a Amazônia precisa ser um tema central nas eleições majoritárias no país em 2022. O panorama de violência, crime ambiental, degradação e descaso do poder público que resultou no avanço acentuado do desmatamento e degradação nos últimos anos irá requerer um pacto nacional de reconstrução da governança socioambiental para a Amazônia. O tempo é agora.