Nesta terça-feira, 23 de agosto, a Academia Brasileira de Ciências retomou a série Mentorias da ABC, cujo objetivo é reunir pesquisadores de todas as áreas para debater temas comuns e atuais da prática científica. O tema desta edição foi “Ciência para Todos… Como comunicar?” e o convidado foi o climatologista e membro titular da ABC Paulo Artaxo, que compartilhou sua experiência de anos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) e outros fóruns mundiais sobre mudanças climáticas. A mediação ficou por conta dos membros afiliados da ABC José Rafael Bordin e Nara Quintão.
Profissionalização da comunicação
“Sucesso profissional não é mais só publicar bem, mas conseguir se comunicar com a sociedade”. Foi com essa frase que Paulo Artaxo abriu a mentoria, ressaltando que, a seu ver, as universidades e instituições científicas brasileiras estão atrasadas no tema. Poucas possuem equipes especializadas em jornalismo e divulgação de ciência, capazes de fazer o meio campo entre o pesquisador e a sociedade. Um exemplo é a Diretoria de Divulgação Científica da UFMG, criada em 2010, que visa coordenar e dar suporte às várias iniciativas de divulgação existentes na universidade e também contribuir para o desenvolvimento da capacidade de comunicação de pesquisadores interessados através do curso de especialização profissional em Comunicação Pública da Ciência Amerek. Em setembro de 2021, o coordenador do Amerek, Yurij Castelfranchi, participou do 45º Webinário da ABC.
O suporte institucional e profissional à divulgação é fundamental, mas não basta. Artaxo destacou repetidamente a necessidade de os próprios cientistas internalizarem a comunicação na sua rotina de trabalho. “Publicou algo interessante? Divulgue, envie para a assessoria de comunicação da sua instituição, para as agências de fomento e sociedades científicas, para jornalistas especializados”, exemplificou. “Se eu soubesse como minha carreira ficaria mais interessante depois que passei a me comunicar, já teria feito há muito tempo”, acrescentou.
Tão simples quanto possível, mas não mais que isso
O mundo hiperconectado caminha cada vez mais para uma ciência aberta feita com dados compartilhados. Artaxo defendeu esse processo, que torna as pesquisas mais dinâmicas e colaborativas. Nesse cenário, entretanto, a preocupação com uma boa comunicação aumenta, uma vez que o conteúdo passa a ser mais visto pelo público não-especializado. “É preciso explicar de forma tão simples quanto for possível – mas não mais simples que o possível!”, refletiu. “Como cientista, eu preciso saber explicar meu trabalho para minha mãe ou para minha filha”.
O IPCC, entidade internacional da qual o Acadêmico faz parte, passou quatro anos investindo em media training para seus membros, o que resultou na publicação Princípios para comunicação efetiva e engajamento público sobre mudanças climáticas, um manual para os pesquisadores do Painel. Esse preparo resultou em mudanças concretas no último relatório climático publicado pelo grupo. “Até o quinto relatório, de 2013, os efeitos dos gases de efeito estufa eram expressos em ‘watts por metro quadrado’. Já no sexto, de 2022, passamos a traduzir esses efeitos para ‘aumentos efetivos de temperatura’”, exemplificou. “É preciso simplificar a mensagem com conceitos do dia-a-dia”.
Artaxo trouxe algumas sugestões de ações efetivas que melhoram o a compreensão do público:
“Destacar as mensagens principais”
Além de simplificar a linguagem, os relatórios mais recentes sobre clima e meio ambiente passaram a dar bastante ênfase a recomendações concretas para os tomadores de decisão. Por exemplo, o Painel Científico para a Amazônia (SPA, em inglês), em seu relatório de 2021, destacou quatro medidas urgentes a serem realizadas: (I) Moratória do Desmatamento; (II) Zerar a destruição da Amazônia até 2030; (III) Restauração das áreas já degradadas; (IV) Promoção de uma bioeconomia que desenvolva a região com a floresta em pé. “São mensagens rápidas, simples e que vão direto ao ponto”, resumiu Artaxo.
Assim como o IPCC, o SPA também disponibiliza um manual de media training para seus colaboradores.
“Imagens são mais fortes que gráficos e tabelas”
Gráficos e tabelas são partes cruciais de artigos e apresentações científicas, condensando informações e tornando mais fácil a visualização de tendências e conclusões. Entretanto, dependendo da plataforma e do público que se quer engajar, uma simples foto pode ser muito mais impactante. “Por exemplo, uma foto da enchente de 2021 em Manaus, com uma legenda de duas linhas dizendo quando e onde, mostra muito melhor os impactos desse evento na vida local que um gráfico da série histórica”, afirmou.
“Utilize resumos gráficos [infográficos]”
Se a maioria dos gráficos feitos para artigos não serve para o público geral, existem formas de melhorá-los para a própria comunicação entre cientistas. Um recurso que vem sendo cada vez mais utilizado no estudo de ecossistemas é o Graphical Abstract, ou Resumo Gráfico, que acompanha o resumo do paper na primeira página, facilitando a visualização dos processos descritos. Para funcionar, um resumo gráfico precisa passar por um profissional de design, que deve ser parte integrante de qualquer equipe ou departamento de comunicação científica.
Mudança de cultura
Para o Acadêmico, o ponto principal é que a ciência brasileira precisa de uma mudança cultural, que valorize a divulgação e o contato com o resto da sociedade. A extensão continua sendo o elo mais fraco no tripé das universidades brasileiras (ensino, pesquisa e extensão), cujos currículos ainda dão pouca atenção à comunicação. Essa falta de interesse se reflete até mesmo na busca por bolsas. “Os Projetos Temáticos da Fapesp oferecem bolsas para jornalismo científico, mas só 5% dos aplicantes as utilizam”, afirmou Artaxo. Para além da mudança no papel, é preciso transformar a mentalidade dos próprios cientistas, e enriquecer a formação dos alunos. “Somos financiados pela sociedade, prestar contas é nossa obrigação”, finalizou o palestrante.