O primeiro dia da programação científica da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada na Universidade de Brasília (UnB), ocorreu em 25 de julho e contou com uma mesa-redonda sobre Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).  A presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Bonciani Nader, compôs a mesa, junto com o Acadêmico e presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela, a presidente da Capes, Cláudia Mansani de Toledo, e o diretor da Finep Marcelo Bertolini. A discussão foi coordenada pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro

Marcelo Bertolini, Evaldo Vilela, Renato Janine, Cláudia de Toledo e Helena B. Nader

Ciência e soberania nacional 

Evaldo Vilela abriu as discussões lembrando de um dos pontos focais da Reunião Anual: a necessidade de o Brasil ter um projeto nacional para ciência e tecnologia. Para o presidente do CNPq, país soberano é país que tem base tecnológica; no Brasil, no entanto, impera uma noção que valoriza mais o que vem de fora, estimulando a importação. “A pandemia expôs cruelmente esse problema, não conseguíamos fornecer respiradores para os nossos doentes”, apontou. 

Mesmo numa área que o Brasil é protagonista, a agropecuária, a dependência externa vem aumentando. Se grandes avanços, iniciados com a Embrapa na década de 70, foram conquistados com base tecnológica 100% nacional, hoje em dia, nos melhores cenários, o Brasil depende em cerca de 70% de tecnologia importada. “O conhecimento em genética utilizado para produção de frangos no Brasil vem inteiramente de fora. Suínos, soja e milho também são produtos de áreas quase totalmente dependentes”, elencou Vilela. 

O impacto desse cenário é sentido no bolso e contribui para que um gigantesco produtor de alimentos como o Brasil tenha voltado ao mapa da fome. O presidente do CNPq trouxe o exemplo positivo da produção de trigo, que vem se expandindo no país até em áreas antes inimagináveis, graças à pesquisa nacional. “Valorizar a ciência é também ligá-la ao mercado, dando retorno à sociedade”, afirmou Vilela, “O que estamos vivendo não passa apenas pela não compreensão de seu valor, mas sim por um projeto que reúne interesses que não almejam um país soberano”. 

Capes e Finep 

A presidente da Capes, Claudia de Toledo, e o diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep, Marcelo Bertolini, avaliaram o trabalho realizado em suas respectivas instituições nos últimos anos. Toledo defendeu que a Capes segue financiando projetos nas mais diferentes áreas e reconheceu a histórica falta de continuidade nas estratégias públicas brasileiras. “A ciência tem memória, não é só sobre barrar retrocessos, mas defender políticas vinculantes”, disse. 

Já Bertolini afirmou que encontrou uma Finep altamente endividada em 2019, o que impossibilitou novos financiamentos, mas que a chamada por projetos foi progressivamente retomada nos anos subsequentes. Ele defendeu o financiamento de empresas como forma de fixar mão-de-obra no Brasil. “Um terço dos mestres e um quarto dos doutores estão desempregados e são pessoas qualificadas, tanto é que conseguem vagas no exterior”, exemplificou. 

Brasil na contramão do mundo 

Em fala bastante contundente e aclamada pelo público, Helena Nader afirmou que faltavam representantes do Ministério da Economia, de onde partem a maioria dos cortes orçamentários. “O ministério sempre se abstém quando votamos algo contrário à visão dele nos conselhos, continuam achando que ciência e educação são gastos; curiosamente, são os mesmos que acreditam que bolsa de valores é investimento”, afirmou.

Nader alertou para o não cumprimento das estratégias votadas pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) e para a previsão de mais cortes no MEC, afetando profundamente as universidades. “Já estão acabando com os auxílios para permanência. A inclusão dos mais pobres no ensino superior vai deixar de acontecer, aquela mobilidade que vimos na última década não existirá mais”, alertou. 

Remetendo à fala de Evaldo Vilela sobre a agropecuária, a presidente da ABC lembrou que até a Embrapa está sendo afetada pelos cortes. “A Embrapa é a nossa galinha dos ovos de ouro, daqui a pouco vamos passar a ser importadores de alimentos”. Segundo Nader, o desenvolvimento agropecuário se deu quando o Brasil percebeu que precisava de uma ciência adequada ao clima tropical. “Essa mesma ciência poderia ser utilizada na África, com muito a se ganhar geopoliticamente para o Brasil, mas estamos deixando a China fazer isso. Perdemos oportunidade atrás de oportunidade, estamos na contramão da história”, enfatizou. 

Ela ressaltou que o histórico protagonismo do Brasil na questão climática foi perdido e hoje o país é visto no mundo inteiro como um derrubador de florestas. A destruição também se dá na democracia, e o país vê ameaçado o legado de três décadas de eleições legítimas e reconhecidas internacionalmente. “A ciência já comprovou a segurança das urnas eletrônicas”, reforçou Nader, e Janine reiterou a divulgação do abaixo-assinado Manifesto pelas Eleições e pelas Urnas Eletrônicas para o público.

Encerrando, Helena Nader defendeu um papel mais ativo do Estado na reindustrialização do país. “São quinhentos anos vendendo commodities, isso só vai mudar aumentando o poder de compra do Estado”, finalizou. 

Ciências humanas 

A atuação das agências de fomento nas ciências humanas foi muito abordada no debate que sucedeu a mesa-redonda. O tema foi levantado pelo professor Thiago Henrique Silva, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que afirmou que a área está relegada ao segundo plano. Foi apontado que as humanidades passaram por um período de risco extremo devido às tentativas de homogeneizar os sistemas de avaliação. “Qualis único aniquila a diversidade e destrói as ciências humanas”, afirmou uma participante. 

O presidente do CNPq, Evaldo Vilela, garantiu que uma nova chamada específica para as humanidades está sendo desenvolvida em parceria com o MCTI e que deve ser publicada em breve. “Só tecnologia não adianta, é preciso articulá-las com os problemas sociais”, afirmou. 


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