O primeiro dia de palestras da 74ª Reunião Anual da SBPC ocorreu na segunda-feira, 25/7, reunindo cientistas, pesquisadores e representantes de órgãos públicos para debates multidisciplinares relacionados ao tema central do evento, “Ciência, Independência e Soberania Nacional”. 

Lícia Mota, Zelinda Hirano, Marcelo Knobel e Emmanuel Tourinho

O painel “Desafios do ensino superior no pós-covid” reuniu o Acadêmico Marcelo Knobel (Unicamp) e os cientistas Licia Maria Henrique da Mota (UnB), Emmanuel Z. Tourinho (UFPA) para compartilharem suas experiências. Ao longo do debate, mediado por Zelinda Maria Braga Hirano (Furb), os pesquisadores enumeraram as principais provações que o ensino superior enfrentou durante a pandemia e quais lições podem ser aproveitadas para o futuro. 

Flexibilização e comunicação para o futuro da ciência 

Para o físico Marcelo Knobel, a palavra-chave para o futuro da academia pós-covid é flexibilização –começando com as questões burocráticas. Citando sua própria experiência como ex-reitor da Unicamp, durante a pandemia foram extintos naquela universidade o prazo para trancamento de disciplinas e a presença obrigatória, algo que “deu muito certo”, de acordo com ele.

Uma mudança cogitada por Knobel diz respeito à formação interdisciplinar: para ele, as universidades poderiam colaborar entre si, disponibilizando aulas on-line para pesquisadores de outras instituições. “Esse trabalho em rede facilitaria a formação tanto de docentes quanto de discentes. Avançaríamos muito caso isso acontecesse”, ressaltou. No entanto, considera que esse é um grande desafio a ser enfrentado, já que muitos docentes conservadores se opõem às novas práticas. 

Outro aspecto que apontado por Knobel diz respeito ao uso das novas tecnologias, como a conciliação entre sistema remoto e presencial, de forma que seja conveniente tanto para alunos, quanto para professores. Knobel afirma que falta modernização nas universidades brasileiras e avalia que esse modelo ultrapassado de educação é uma das principais causas de evasão dos cursos.“É claro que o convívio, o contato, a presença são importantes. Deveríamos aproveitar essa alavanca que foi dada com a educação remota e incorporá-la para nosso próprio bem, e utilizar o tempo juntos para realizar atividades produtivas, em vez de projetar uma apresentação feita há 20 anos”, propõs o cientista. Segundo ele, é preciso utilizar a criatividade para “quebrar o gesso” do ensino superior e conseguir propor alternativas “mais livres” para os alunos, criando, dessa forma, um modelo híbrido de qualidade. 

O Acadêmico argumentou que outro fator indispensável para a sobrevivência das universidades é a comunicação. A seu ver, há uma falha na forma como a unversidade se comunica com a sociedade. “Não usamos o mecanismo da comunicação de maneira efetiva”, observa Knobel. “Em pleno 2021, ainda há uma grande parcela da população que acredita em cloroquina, na ausência de eficácia da vacina e em Terra plana. Certamente, um dos nossos principais desafios para o futuro é estudar, nos engajar e buscar novas formas de comunicação efetiva com a sociedade.” 

A pandemia nos hospitais universitários 

Lícia Mota lembrou que a covid-19 não foi a primeira pandemia já enfrentada pelo mundo – e também naõ será a última. Segundo a professora da Faculdade de Medicina da UnB (FMUnb), a doença catalisou uma série de projetos de pesquisa na pós-graduação. Alguns ocorreram dentro das salas do Hospital Universitário de Brasília (HUB), onde Mota atua como médica reumatologista.

Em questão de semanas, ela relata que “um hospital de pequeno para médio porte, que apenas realizava assistências, que não tinha experiência com pesquisa, aprovaou 34 linhas de pesquisa em 12 semanas”, recordando como o período foi difícil para médicos e residentes. 

Segundo ela, outra catálise fundamental proporcionada pela covid está associada com a forma que os  médicos compreendem a pesquisa na área. “A pandemia trouxe também uma nova visão sobre a importância da pesquisa nos hospitais, que tornou-se uma atividade tão essencial como as atividades assistenciais.” 

Entre os múltiplos desafios enfrentados, Mota comentou a dificuldade de divulgar os feitos médicos durante o isolamento social, o comprometimento com a saúde mental e a necessidade de captar recursos. Mas avalia que, no fim, o saldo foi positivo: com mais de 20 publicações em pesquisas de alto impacto e sete grupos de pesquisa, o HUB está no caminho para tornar-se, em breve, referência também em pesquisa. 

As principais questões do ensino remoto 

O psicólogo Emmanuel Z. Tourinho, professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPA),  identificou os desafios enfrentados pelas universidades durante a pandemia em três grandes nichos: pedagógico, econômico e político. Ao longo de quase dois anos de paralisação das atividades presenciais, discentes e docentes precisaram lidar com os novos usos das tecnologias, preocupação com o processo formacional e alternativas para manter o ensino – tudo isso conciliado com uma grave crise econômica, que afetou o cotidiano de todos os brasileiros e brasileiras.   

Enquanto a modalidade remota mostrou-se a única forma de garantir que os alunos não desistissem de seus cursos, havia também outras questões que precisavam ser pensadas: “Muitas regiões do país não possuem internet de qualidade, o que ocorre em largas faixas do território amazônico. Nessas regiões de vulnerabilidade socioeconômica, o letramento digital também é restrito”, comenta o professor, expondo um pouco de sua realidade enquanto ex-reitor da Universidade Federal do Pará. Em seu ponto de vista, uma das lições que a universidade precisa aprender é a estabelecer um formato para conciliar as questões das populações socioeconomicamente fragilizadas. 

Segundo Tourinho, que atuou em diversos órgãos como Capes, CNPq e Copropi, “é impossível ignorar que a cultura do fascismo avança em nosso país – algo dramático e pouco falado”, alertou, ao criticar as frequentes tentativas de interferência nos principais conceitos que compõem a universidade pública, um espaço de inclusão e resistência. “Hoje, nossa realidade é de mercantilização do ensino superior e de pressão por cortes nos financiamentos, além de constantes questionamentos sobre o valor da ciência”. O professor defendeu que o ensino superior é um bem público, que precisa ser protegido e preservado. 


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