A abertura da 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na Universidade de Brasília (UnB) ocorreu no domingo, 24 de julho, reunindo representantes de instituições de apoio à ciência e representantes do governo e de órgãos públicos. Iniciada ao som da Orquestra Som Brasileiro Popular Contemporâneo, composta por professores, alunos, ex-alunos e convidados da Escola de Música da UnB, a sessão de abertura lotou o auditório, marcando o início da série de eventos que acontecerão ao longo de seis dias. Com o tema “Ciência, independência e soberania nacional”, a Reunião celebra este ano o bicentenário da Independência do Brasil, os 60 anos da UnB e os centenários da Semana de Arte Moderna da UnB e de Darcy Ribeiro.

Wagner Villas Boas de Souza, Paulo Puppin, Luciana Massukado, Waldemar Barroso Neto, Evaldo Vilela, Marcia Abrahão, Renato Janine Ribeiro, Paulo Alvim, Marcus Vinicius David, Helena Nader, Marco Antônio Costa Jr, Flavia Calé

Compuseram a mesa do evento a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena B. Nader; o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro; o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Acadêmico Evaldo Vilela; o ministro de CT&I, Paulo Alvim; a reitora da UnB, Marcia Abrahão; Marcus Vinicius David, presidente da Andifes; Wagner Villas Boas de Souza, representante do Ministério da Educação (MEC); Waldemar Barroso Neto, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Luciana Massukado, reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB); Paulo Puppin, representante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae); Flavia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG); e Marco Antônio Costa Jr, presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).

A recepção aos membros da mesa foi feita pela decana de Pesquisa e Inovação (DPI), Maria Emília Walter, que destacou em seu discurso a questão dos cortes orçamentários nas áreas de ciência, tecnologia, inovação e educação. “Deixar de aportar recursos para CT&I e, consequentemente, para a produção de conhecimento, significa tirar um dos eixos da inovação e afeta profundamente o desenvolvimento e o futuro do país.”

Representando grandes instituições, Helena B. Nader (ABC), Flavia Calé (ANPG) e Marcia Abrahão (UnB) foram ovacionadas pelo público ao serem apresentadas e ao apontarem as mudanças-chave que o Brasil precisa realizar para tornar-se um país, de fato, independente.

“É preciso considerar imediatamente uma política de Estado para a ciência, tecnologia, inovação e educação. Sem isso, ficaremos à mercê de cada novo governo que tivermos”, provocou Nader. Segundo a cientista, a política de Estado precisa estar alinhada com o cumprimento da Constituição e o pleno exercício da democracia – três fatores indispensáveis para a consolidação do Brasil como um país desenvolvido. A partir disso, talvez seja possível cumprir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, ao seu ver.

Flavia Calé completou a fala de Nader: “A unidade construída pela comunidade científica talvez seja um dos maiores legados da pandemia, provando sua resistência sob o signo do negacionismo. Neste quesito, precisamos destacar a liderança da SBPC e da ABC diante na luta em defesa da ciência”, apontou a historiadora. Ela ressaltou que a tarefa democrática dos jovens cientistas esse ano é fazer que as eleições ocorram. “Precisamos de uma agenda que garanta a real independência do nosso país, através da valorização da ciência e da juventude, em vez de uma agenda que promova o escalonamento do retrocesso do país.”

Já a reitora da UnB Marcia Abrahão destacou o orgulho da instituição em hospedar a 74ª Reunião Anual da SBPC, ressaltando o compromisso do corpo docente e discente com a universidade com que Darcy Ribeiro sonhava e com o grupo que concebeu a UnB: inovador, à frente do seu tempo e vanguardista. “Passamos de um período onde precisávamos dar conta rapidamente do excesso de recurso que recebíamos para um presente de desmontes e cortes constantes, que nos afasta cada vez mais da meta 12 do Plano Nacional de Educação”, comentou Abrahão, citando o objetivo que almeja a elevação da taxa líquida de matrículas da população de 18 a 24 anos no ensino superior. “É momento de dizer sim para um futuro onde a ciência esteja na base das tomadas de decisão e de combater o projeto de minar o ensino superior público e democrático o quanto antes.”

O Acadêmico Evaldo Vilela, presidente do CNPq, destacou o compromisso da parceria entre as instituições de apoio à ciência no enfrentamento das desigualdades sociais – uma pauta ainda emergencial no país. Para o cientista, a única forma de conseguir mudanças efetivas na sociedade é através da coletividade e do estímulo de debates essenciais inclusivos.

Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica

Como parte da cerimônia de abertura, foi entregue o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica na categoria “Pesquisador e Escritor” ao professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e escritor Alan Alves Brito. Concedido anualmente, o prêmio divide-se em três categorias, que se alternam a cada edição. Além de ‘Pesquisador e Escritor’, categoria deste ano, o prêmio contempla também as categorias “Jornalista em Ciência e Tecnologia” e “Instituição ou Veículo de Comunicação”. Saiba mais sobre o premiado em matéria da UFRGS

As homenagens

Em seguida, foi feita uma homenagem póstuma aos muitos grandes cientistas que o Brasil perdeu durante a pandemia e foram homenageados quatro destacados cientistas brasileiros: o historiador Roque de Barros Laraia e o veterinário Milton Thiago de Mello, assim comoos Acadêmicos José Goldemberg e Isaac Roitman.

O vice-presidente da SBPC e membro titular da ABC Paulo Artaxo afirmou que poucas pessoas tiveram uma atuação tão marcante na ciência, na política e na questão ambiental brasileira quanto José Goldemberg, e destacou seu “estilo assertivo e, muitas vezes, polêmico”. Ao longo da carreira, Goldemberg foi reitor da USP, ministro da Educação e presidente da SBPC, entre outros cargos, sendo hoje presidente de honra da entidade.

Dentre suas realizações, criou um acelerador linear de elétrons na Universidade de Stanford, que lhe deu notoriedade mundial e depois foi cedido ao Brasil. Participou ativamente do debate público sobre a questão ambiental, sendo uma liderança mundial contra a proliferação das armas nucleares e na defesa do etanol como alternativa energética. “Uma grande personalidade, que soube identificar as necessidades futuras da sociedade”, finalizou Artaxo. Através de um vídeo, Goldemberg agradeceu a homenagem e reforçou a riqueza interdisciplinar das Reuniões Anuais da SBPC.

Sidarta Ribeiro e Isaac Roitman

O Acadêmico Isaac Roitman foi homenageado pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, que destacou o pioneirismo do microbiologista na construção de um sistema de iniciação científica robusto, que formou toda uma nova geração de pesquisadores. Ribeiro lembrou também do papel crucial de Roitman no repatriamento de neurocientistas brasileiros e sua grande preocupação com a educação infantil. “Toda sua atuação demonstra a coragem de expor nossas mazelas, ao mesmo tempo que propõe soluções”, afirmou.

Professor emérito da UnB, Roitman serviu em diversos cargos na Capes, no CNPq e no MCTI, além de entidades regionais para o Distrito Federal. Aos 87 anos, continua ativo no debate público e defendendo uma revolução na educação brasileira. “Sua visão ética e sabedoria são uma referência valiosíssima para nossa sociedade”, terminou Ribeiro. Roitman agradeceu pela homenagem e trouxe uma importante mensagem para todos os presentes: “Mesmo em momentos de crise, nunca devemos abandonar nosso senso de humor”.

Sem cientistas, sem ciência, sem desenvolvimento

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Alvim, defendeu que o MCTI seja um parceiro da comunidade científica na promoção da soberania nacional e enalteceu a capacidade dos cientistas brasileiros de superarem adversidades. “A situação da CT&I no país nunca superou todas as dificuldades, nunca foi um céu de brigadeiro, mas uma coisa é certa: não faríamos nada sem vocês, pesquisadores”.

Democracia: prioridade máxima do Brasil atual

O presidente da SBPC fechou a sessão. O filósofo Renato Janine Ribeiro reafirmou o papel central da ciência e da educação como pilares do desenvolvimento nacional e defendeu a reconstrução e ampliação do orçamento dessas pastas. Para ele, a pandemia foi um exemplo histórico de apoio social à pesquisa, mesmo com as resistências e barreiras impostas pelo executivo. “A pressão pelas vacinas e a presença maciça nos postos de vacinação foram lições que a sociedade deu ao governo”, lembrou.

Entretanto, o presidente da SBPC escolheu focar sua fala final naquele que considera o problema mais urgente do Brasil no momento: a defesa da democracia. Durante toda a semana, as eleições serão abordadas em diversas conferências e mesas-redondas e estará presente de forma transversal em todas as atividades da Reunião Anual. “Soberania nacional só é possível quando todo o poder emana do povo”.

Janine convidou todos os presentes a tomarem parte no abaixo-assinado “Manifesto pelas Eleições e pelas Urnas Eletrônicas e abriu o espaço da Reunião Anual para que os candidatos do pleito de outubro possam participar e interagir com a comunidade científica nacional. Acima de tudo, defendeu que qualquer governo eleito deve agir com base na Constituição, que impõe a promoção da educação, da saúde, da cultura e o respeito à diversidade nacional. “Continuaremos lutando nessa direção, combatendo todos os tipos de negacionismos, sejam eles científicos, climáticos, democráticos ou da ética e dos direitos humanos”, enfatizou.

Para terminar, Janine trouxe uma reflexão de esperança no mundo contemporâneo. “Os avanços notáveis do século XXI mostram que a ciência, outrora voltada para a guerra, assumiu definitivamente uma vocação para a paz”. O público foi convidado a encerrar a abertura com cinco vivas essenciais: aos 60 anos da UnB, aos 74 anos da SBPC, à ciência, à democracia e ao Brasil.


Assista à gravação completa da sessão no canal da UnB no YouTube.

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