Leia matéria de Rafael Garcia para O Globo, publicada em 27 de maio:

O governo prepara um corte de R$ 2,5 bilhões no orçamento de 2022 da principal fonte de recursos federais para a ciência, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A medida, que ainda não foi anunciada oficialmente, consta de um documento que circulou entre cientistas nesta sexta-feira junto com informação de uma redução de R$ 426 milhões a serem retirados diretamente do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI).

Os dois cortes, uma vez confirmados, configuram uma perda de R$ 2,9 bilhões, ou 42% do orçamento para o setor neste ano, descontada a folha de pagamento e outros gastos obrigatórios.

A decisão, tomada a pedido do Ministério da Economia, contraria determinação da lei complementar 177 de 2021, que proíbe o contingenciamento de verbas do FNDCT. Sociedades científicas brasileiras afirmam que já estão articulando uma ação judicial para contestar a redução.

Dos R$ 6,9 bilhões orçados inicialmente para a ciência com gastos discricionários, restariam R$ 4 bilhões. Segundo o Portal da Transparência do governo federal, até agora já foram empenhados R$ 2,6 bilhões (R$ 760 milhões já foram efetivamente pagos). Restaria então R$ 1,4 bilhão em verbas federais para a ciência sobreviver pelo resto do ano.

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O Globo entrou em contato com o MCTI para saber de onde o dinheiro deve ser retirado, mas não recebeu retorno até o início da tarde de sexta. A Academia Brasileira de Ciências (ABC), manifestou preocupação de que o corte pode afetar programas de pesquisa importantes a serem lançados nas áreas de doenças raras, novos medicamento, meio ambiente, fiscalização de solos e outros.

— A Lei Orçamentária Anual já era horrível e agora ficou pior ainda. Se existe uma uma lei complementar que diz que não pode contingenciar, como ele faz isso? — afirmou a cientista Helena Nader, presidente da entidade. — A sensação que me dá é de um desacato, inclusive com relação ao parlamento que votou essa lei.

Segundo a presidente, como o orçamento do próprio ministério começou a ser desidratado ao longo dos anos, o FNDCT cresceu muito em importância para a ciência do país, e um corte no fundo afeta mais do que afetaria em anos anteriores.

— O FNDCT era para ser um componente extra no orçamento, mas virou o componente principal — explica.

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A reação das entidades científicas à redução de orçamento vai depender de qual tipo de mecanismo o governo vai usar para efetivar o corte. A depender de se ocorrer um decreto, uma portaria ou uma tentativa de mudar a lei orçamentária, o instrumento de reação legal é diferente.

Segundo o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, a escolha da ciência como uma das áreas com maior corte para acomodar o reajuste do funcionalismo seria uma forma de punir a comunidade acadêmica por boa parte dela não se alinhar à administração Bolsonaro.

— É inacreditável que, mesmo depois de todas as contribuições da ciência nestes anos difíceis da pandemia de Covid-19, a ciência siga sendo atacada pelo governo federal — disse o filósofo e professor, em comunicado.
Na opinão da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o corte no orçamento da ciência prejudicará a recuperação econômica do país.

“As principais estratégias dos países mais avançados têm como base a inovação, a ciência e a tecnologia como vetores principais do desenvolvimento. No Brasil, os recursos têm sido reduzidos tanto no FNDCT quanto em outros orçamentos de CT&I” disse em nota o presidente da entitade, Robson Braga de Andrade.