O segundo dia da edição de 2022 da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências promoveu a sessão temática “Informação e Tecnologia (seus impactos na sociedade)”. Sob mediação do Acadêmico José Roberto Boisson, os palestrantes Jussara Marques de Almeida (UFMG), Luis Lamb (UFRGS) e Henrique Malvar (Microsoft Research Enable Group) debateram sobre a disseminação de informações falsas, a importância da inovação para a evolução do país e como as novas tecnologias podem prover maior acessibilidade para grupos minoritários.
Desinformação na rede: lutando contra nossos demônios
Segundo Jussara Almeida, afiliada da ABC entre 2011 e 2015, os primeiros relatos de propagação de desinformação são bem mais antigos do que o esperado. Segundo a professora da UFMG, o primeiro caso conhecido de desinformação ocorreu em 44 a.C., quando Otaviano lançou uma campanha para manchar a reputação de Marco Antônio, utilizando moedas como estratégia. As moedas continham a imagem de Marco Antônio e frases desonrosas. Ela comenta: “Apesar de hoje ser amparada pelas tecnologias, a desinformação é um fenômeno essencialmente humano.”
O impacto da desinformação acompanha a evolução da comunicação humana e suas tecnologias. Desde o pombo correio (modelo um para um), passando pela televisão e o rádio (modelo one to many, ou “um para um”); e, atualmente, com as mídias sociais e, principalmente, os aplicativos de mensagem como o Whatsapp, prevalece o modelo “many to many”, ou muitos para muitos, onde muitos detém as informações falsas e as inserem em ciclos que continuarão a propagação.
A pesquisadora explica que, atualmente, a desinformação nasce na periferia da web, primeiramente através de mídias anônimas e vão se expandindo para Whatsapp, YouTube, Reddit, Twitter, Facebook e, por fim, a mídia profissional. Ela pode vir em vários formatos: spams, imagens, rumores e até mesmo matérias sensacionalistas.
“Entender o que é esse fenômeno, como ele acontece, quem são os atores por trás dele, é o que me motiva”, comenta a professora da UFMG. “Busco entender os efeitos de amplificação, que incluem bots [robôs que ajudam na disseminação de informação falsa] e câmaras de eco [plataformas que auxiliam na propagação de conteúdo].”
Segundo a pesquisadora, há determinadas áreas do conhecimento nas quais os humanos não conseguem distinguir com facilidade uma informação falsa, utilizando critérios como fator de confiabilidade: muitas pessoas próximas acreditam ou há presença do conteúdo em muitos lugares.
Para obter uma visão holística desse fenômeno, em 2018 – um ano marcado pela greve dos caminhoneiros e pelas eleições presidenciais –, o grupo de pesquisa da cientista se propôs a analisar que tipo de conteúdo era compartilhado em grupos de desinformação no Whatsapp e, para isso, entraram em grupos de acesso público para coletar dados. As conclusões do trabalho mostram que o principal tipo de conteúdo compartilhado são imagens, principalmente sátiras e conteúdos de opinião, que são replicadas muitas vezes para outros grupos, blogs e Twitter. O fato mais alarmante é que, em um grupo com 200 pessoas, um único conteúdo pode atingir até milhares de pessoas, ganhando espaço até mesmo no Google Imagens. “Não há ligação explícita de um grupo pro outro, tampouco caminhos formais. Mas há uma estrutura de redes implícit, que conecta grupos com usuários em comum.”
No entanto, essas redes são muito ruidosas – e ainda é difícil identificar qual o padrão de transmissão seguido. O fato de os membros realizarem não apenas ações em conjunto, como também isoladas, torna cada vez mais difícil descobrir qual é a espinha dorsal desses grupos.
“Apesar de não ter uma solução, meu objetivo nessa fala é conscientizar, porque acho que isso é parte da solução. Precisamos do apoio da sociedade e dos usuários – uma solução efetiva pode ser tecnológica mas ela vai além disso”, disse Almeida, apontando três soluções para a questão: fact checking escalável, educação e conscientização. “Precisamos tentar retomar um conceito antigo que é o que é um fato, em vez de simplesmente uma história.
O papel da tecnologia profunda no desenvolvimento econômico no século XXI
“Estamos migrando para uma nova era”, afirma Luis Lamb, professor titular do Instituto de Informática da UFRGS. “É uma época de grandes mudanças e uma boa parte da sociedade talvez não esteja se adaptando.”
Em sua fala, o pesquisador refletiu sobre o atual momento que o Brasil enfrenta para se inserir no mercado digital, diante das inovações: “A tecnologia tem o papel de impactar a vida humana em todos os aspectos – a notoriedade da AI pode prover melhorias no agronegócio, nas metodologias científicas e até mesmo na forma como um ser humano se relaciona com os demais.
Suas análises indicam que o mundo está migrando para uma era onde a capacidade humana de gerar renda e inovação tornou-se mais essencial do que nunca – e isso está provado na lista das dez maiores empresas que mais geram riquezas hoje. Nomes como Apple, Microsoft, Amazon e Tesla figuram na lista que, em 2007, ainda era fortemente vinculada à era industrial (principalmente mineração e petróleo).
Segundo Lamb, o Brasil ainda é um país muito “commoditizado” no que diz respeito à exportação. Mudar isso requer o fortalecimento de instituições, tornando-as capazes de identificar vantagens competitivas e definir prioridades, do ponto de vista de CT&I. Para construir um ecossistema de inovação no século 21, Lamb afirma que é necessário ouvir as vozes dos acadêmicos de diversas áreas, traçando uma nova rota que leve em conta capital de risco, melhores lugares para investir, entre outros quesitos. Em 2022, o planejamento do Estado inclui investimento de R$112,3 milhões em inovação – o maior valor já visto até então. “A ciência, a tecnologia e a informação podem gerar empregos, alavancar o desenvolvimento de cidades, melhorar a economia, então, o governo precisa perceber isso para continuarmos progredindo”, comentou.
“Lá nos anos 60, tivemos uma corrida espacial que consolidou os Estados Unidos como o país que liderou o planeta pelos 60 anos seguintes, porque mostrou domínio dessa nova tecnologia. Agora, estamos vivendo uma transição econômica e tecnológica onde a questão é: como, nessa era da digitalização e da IA, vamos gerar empregos que preservem a dignidade humana?”, se questiona o Acadêmico. “A tecnologia não é o nosso destino – ela é uma ferramenta para moldar nosso destino.”
Avanços na tecnologia e seus impactos em acessibilidade e saúde
O Acadêmico Henrique Malvar abordou a importância da inteligência artificial e das novas tecnologias para promover acessibilidade e otimizar a qualidade dos serviços de saúde. Distinguished engineer da Microsoft há quase 25 anos, Malvar apresentou os principais produtos desenvolvidos pela empresa (ou em parceria com a mesma). “A oportunidade da transformação digital e do desenvolvimento econômico é alavancada principalmente pela inteligência artificial”, comentou o pesquisador, que é membro titular da ABC e da Academia Brasileira de Engenharia. Ele mencionou o programa “AI for Good”, da Microsoft, que utiliza a IA para ações humanitárias, como cuidados com a saúde, acesso à cultura e acessibilidade. Entre as principais ações do projeto, citou as aplicações para empoderamento de médicos, que possibilita o oferecimento de um cuidado personalizado ao paciente. O Nuance EmpowerMD é a grande aposta do grupo: uma inteligência ambiental clínica, capaz de revolucionar as consultas médicas. A IA ouviria a conversa, produziria uma transcrição – com as palavras-chave em negrito – e sintetizaria um resumo, sugerindo possiveis tratamentos.
Já na área de acessibilidade, ele mencionou as legendas automáticas no aplicativo Microsoft Teams, que providencia legendas tanto na língua que está sendo falada, quanto em idiomas diferentes do áudio original – funcionando tanto para quem possui deficiência auditiva, quanto para quem não conhece o idioma. Além disso, ele mencionou novas tecnologias: controle adaptativo para pessoas que não possuem uma das mãos e precisam usar um joystick (controle de videogame), facilitando o acesso dessas pessoas aos videogames modernos; e a ferramenta de controle ocular nos Windows 10-11, em parceria com a empresa Tobii, apenas com o direcionamento do olhar para a tela.
O principal objetivo de Malvar é garantir a igualdade e a oportunidade de acesso aos benefícios da inteligência artificial a todos, sendo um serviço de baixo custo e livre de discriminação – como já ocorreu, de algoritmos favorecerem pessoas brancas em vez de pessoas negras. “Uma IA, para dar certo, precisa prover privacidade, confiança, inclusão, transparência e prestação de contas. É preciso explicar como uma IA chega a uma conclusão.”
Confira a galeria de fotos:
(Fotos: Clara Schmid – ASCOM ABC)
Assista à gravação completa da sessão: