O Acadêmico José Roberto Boisson apresentando o palestrante James Kurose

Para abrir o segundo dia da Reunião Magna da ABC 2022: O Futuro é Agora, a Academia Brasileira de Ciências recebeu James Kurose, professor destacado de Ciências da Computação e chanceler associado para Parcerias e Inovação na Universidade de Massachusetts Amherst (UMass), para ministrar a 2ª Conferência Magna. Kurose tem experiência como diretor de Ciência e Engenharia da Computação e Informática da US National Science Foundation, uma das principais agências de fomento dos EUA, e atuou como diretor assistente de Inteligência Artificial no Escritório de Políticas de Ciência e Tecnologia da Casa Branca.

Aprendizagem Flexível: Inovações para a Educação

Iniciando pelo tema das inovações tecnológicas aplicadas na educação, Kurose afirmou que o modelo das universidades tradicionais responde cada vez menos aos anseios dos estudantes e às demandas da sociedade moderna. O mundo do trabalho atual está muito mais dependente de inovação e os profissionais do futuro precisarão estar em constante processo de aprendizado e aprimoramento. “Aquele aluno que morava no campus durante os quatro anos de um curso presencial está sumindo. Hoje em dia os estudantes demandam a mesma excelência, mas com um acesso muito mais flexível ao que a universidade tem para oferecer”, resumiu.

Pensando nisso, o palestrante trouxe a experiência da Universidade de Massachusetts na implementação do ensino flexível. O ponto principal é oferecer aos alunos pelo menos duas formas de acessar o mesmo conteúdo, seja por aulas presenciais, on-line síncronas ou assíncronas. “Nossos alunos precisam ter a oportunidade de trabalhar, fazer intercâmbio e cuidar da família sem precisar parar seus estudos”, explicou, destacando o papel que as experiências fora do campus têm no crescimento profissional. “Num mundo que demanda aprendizado constante, é preciso ter liberdade para perseguir oportunidades ao mesmo tempo em que se mantém uma porta aberta de retorno a universidade”.

Entretanto, a transição para o ensino flexível deve ser opcional e orientada, tanto para alunos quanto para docentes. Kurose lembrou que existem matérias que se adaptam melhor às classes não presenciais, e que as várias plataformas existentes requerem uma preparação cuidadosa dos professores. “Nosso papel é incentivar e preparar os profissionais para essa nova modalidade, mas a decisão final sobre como trabalhar sempre será deles”.

Aceleradores de Inovação: Pesquisa Inspirada no Uso

Durante a segunda parte da palestra, Kurose trouxe sua experiência de cinco anos trabalhando na US National Scence Foundation (NSF). O sucesso de áreas como inteligência artificial e aprendizado de máquinas nos EUA se deve a investimentos feitos há décadas e que, em sua origem, foram financiados com verbas federais (Figura 1). “O NSF é onde todas as pesquisas relevantes se iniciam”, relembrou a frase do ex-CEO da Google Eric Schmidt.

Mas para além das pesquisas básicas, que naturalmente levam mais tempo para serem transladadas para o mercado, existem as pesquisas inspiradas no uso, que tendem a gerar inovações mais rapidamente. Esse modelo de pesquisa pode ser classificado em dois tipos: push, quando uma ideia oriunda da academia é “empurrada” para o mercado; e pull, quando uma necessidade mercadológica inspira financiamentos e “puxa” soluções desenvolvidas nas universidades.

Para Kurose, esse modelo de pesquisas, sobretudo na área da computação, é chave para acelerar a transição entre academia e indústria. Ele trouxe como exemplo as novas diretrizes das agências americanas, pensadas para enfatizar a multidisciplinaridade e a integração entre as diferentes áreas do conhecimento. “Dentre as novidades está a criação de um novo diretório na NSF que perpassa todos os diretórios temáticos já existentes, acelerando a translação entre pesquisa e aplicações práticas”, contou.

Outro surgimento no ecossistema de pesquisa dos EUA foram os centros regionais especializados em inovação. Essas instituições têm como propósito aliar ciência básica, pesquisa translacional, treinamento de pessoal e administração de parcerias público-privadas de forma regionalizada, visando interiorizar a cultura de pesquisa para além das costas leste e oeste. No Brasil, podemos enxergar paralelos a esses desdobramentos no trabalho feito pelos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) e nos projetos de pesquisa orientada à missão, discutidos recentemente em seminário da Fapesp.

Para finalizar, Kurose trouxe uma reflexão sobre para onde o campo da ciência da computação vem caminhando. Para o palestrante, a área teve início no desenvolvimento de hardware e artefatos, como sistemas operacionais e linguagens de programação; depois evoluiu para o desenvolvimento de sistemas de utilização em massa, como a internet, redes sociais e aplicativos; e agora passa a dar um foco maior nas pessoas por trás das máquinas, com o futuro reservando inovações no combate a desinformação, segurança de dados, transparência e privacidade, entre diversas outras aplicações. “Computação deve ser usada para o bem comum, a ênfase passa do que podemos criar para o que devemos criar. Parece sutil, mas é uma mudança profunda”, finalizou Kurose.

Figura 1. Evolução do financiamento a pesquisa nos EUA em diferentes setores. Em vermelho, a pesquisa feita nas universidades, em azul, a indústria, e em verde, o desenvolvimento do produto final.

Debate

Após a conferência, o espaço foi aberto para que o público interagisse com o palestrante, e novos pontos foram abordados:

Criação de network no ensino online

Um dos questionamentos que surgiram foi sobre como esperar que os estudantes estreitem laços e avancem suas carreiras fora do presencial. Kurose admitiu que este ponto ainda precisa ser mais bem debatido, mas trouxe exemplos de dinâmicas que utilizou em suas aulas. “Durante minhas classes em ciência da computação, eu propunha atividades que forçassem os programas desenvolvidos por alunos a interagirem entre si, dessa forma estimulando-os a trocarem e aprenderem uns com os outros”, argumentou.

Risco de cursos de excelência monopolizarem o ensino

Outro ponto levantado foi a possibilidade de os melhores cursos dominarem todo o ecossistema, com a internet permitindo que um número ilimitado de alunos assista uma aula. Kurose admitiu que já se indagou sobre esse risco, mas que fundamentalmente não acredita que isso seja viável. “Educação nunca foi só sobre o professor, mas sobre um ambiente saudável de interação, trocas e aprendizado coletivo, de certa forma, acredito que a sala de aula nunca vai morrer”.

Assista ao 2º dia da Reunião Magna pelo YouTube da ABC, em português ou inglês: